domingo, 2 de julho de 2023

Sem teogonia na madrugada

Eu saí do trabalho e fui direto pra lá, era uma festa dessas juninas, com temática de São João. Até me animei a trocar de roupa, refazer a maquiagem, porque sabia que ia encontrar ele por lá. Mas, quando cheguei, mesmo com as divertidas roupas coloridas do pessoal e com a música animada, eu senti minhas forças indo embora, como se, ao entrar naquele salão o ar quente que lá de dentro soprasse pra fora, fazendo misturar com o ar frio, toda a minha animação. E eu caminhei até o centro enquanto meu corpo ficava mais e mais pesado, eu pouco a pouco não ouvia mais a música e ficava mais difícil sorrir pros poucos conhecidos que encontrava. Percebi que estava encostado numa parede, encarando o chão por vários minutos. Olhei ao redor e o vi, depois de dançar quadrilha, numa barraquinha com o amigo, entregando alguma bebida, provavelmente refrigerante, pras pessoas. Não pareceu ter notado a minha presença e, se notou, não sinalizou isso. Voltei a encarar o chão por mais alguns minutos, andei até lá fora pra pegar um pouco do ar fresco e, quando tornei a entrar eu percebi que não conseguiria ficar ali. Agora fui eu que, sentindo a brisa fria no rosto, peguei carona naquela onda de ar e vim para casa, meu quarto, de onde agora eu escrevo essas palavras, meus dedos e olhos pesados como se fossem feitos de chumbo, a noite escura caindo e fazendo sumir tudo... 

X

Estou bebendo tanto assim hoje porque eu mereço, não é mesmo? Depois de uma semana infernal aguentando calado... Tenho pavor de quem acha que tem todas as respostas mas na realidade só sabe reclamar de tudo. Eu não tenho muitas soluções pros problemas do mundo, mas pelo menos reclamo só da minha vida e dos meus defeitos, não obrigo ninguém a ouvir as minhas lamúrias sobre como o mundo é injusto, até porque o mundo é complicado demais pra eu reduzir ele as minhas concepções. Mais uma taça.

Eu mereço não é? Aquele garoto de branco voltou a me ignorar, ele e seus amigos bonitos e, bom, nem preciso dizer que isso já é motivo mais do que suficiente pra um bom porre de vinho. Nessa madrugada em que voltou a chover depois de algumas semanas secas em Joinville pelo menos eu posso me embriagar um pouco, posso sentir alguma alegria, mesmo sozinho, sem amor e sem alguém que me ofereça o ombro e lábios para beijar. 

Algum felizardo deve estar fodendo agora, droga, em plena madrugada de segunda! Mesmo que eu tenha trocado algumas mensagens de putaria com um cara vou ter que me resolver sozinho mesmo, mas pelo menos tenho vinho. Desculpem a quem ler isso, mas você também deve saber que tem coisa bem pior pra ler, basta abrir o noticiário do dia e vai encontrar coisa bem mais sacana do que a minha simples confissão masturbatória. A garrafa está chegando ao fim, droga.

Bom, também bebo porque ele insiste em falar dela, de como ela demora a responder e de como ele sonhar em formar uma família, e fica me mandando aquelas imagens que ele encontra em sabe-se lá que grupo de tradicionais católicos que passam o dia todo falando de matrimônio e modéstia cristã... Eu odeio quando ele fala de tudo isso, porque eu sei que cada palavra dessa que ele lê o afasta ainda mais de mim, e sei que eu não posso estar incluso em nenhum desses planos. Eu não posso ter uma família como a que ele quer, e nem posso oferecer nada disso. Então esse é o motivo de eu beber, a simples constatação de que, embora ele esteja nos meus pensamentos desde o despertar até a hora de dormir, eu não faço parte de nenhum de seus sonhos mais doces. Finalmente o último gole.

Proponho então um brinde! A todos os pobres que levantarão cedo daqui a pouco, a todos que precisam suportar colegas idiotas com um sorriso imbecil no rosto, a todos que amam sem ser amados, a todos que têm enxaquecas e dores nos rins. O brinde só não é dedicado a quem tá fodendo essa hora da madrugada, esses já têm sua recompensa. A todos nós desgraçados, solitários sem homem, mulher ou teogonia, poetas sonhadores e punheteiros tarados, um brinde!

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