segunda-feira, 24 de julho de 2023

Falsos deuses

Sei que já me debrucei sobre essas lamentações várias e longas vezes mas, tal qual Jeremias chorando a Jerusalém desterrada, meu coração também canta de novo e novo, com as faces banhadas em lágrimas o destino, mas não de um povo, apenas do meu eu solitário que, nesse momento, observa uma cidade trabalhar heroicamente debaixo de uma fina, mas insistente, camada de chuva. 

A cantora Rie Fu tem um verso que, diariamente, ecoa na minha mente, principalmente ao olhar os números que parecem guiar as nossas vidas por meio dos algoritmos das redes sociais. Ela canta que "maybe they just don't give a damn..." e não dão mesmo! Nós vamos rolando os feeds, concordando ou discordando fatalmente de coisas que os outros disseram sem estudar mas que nós também não estudamos, nós vemos pessoas lindas em situações inspiradoras, compartilhando suas viagens, passeios, almoços de negócios ou simplesmente uma rotina perfeitamente equilibrada ou maquiagens e cuidados perfeitos. 

Criamos essa doce ilusão de que a vida ostenta todas essas coisas belas e então passamos a desejar tudo isso quando, na realidade, o que conseguimos disso é bem pouco. Engraçado como a dita "beleza natural" está em alta mas por trás das telas e do algoritmo as pessoas gastam centenas de reais em produtos e procedimentos, eu inclusive, no desejo de ter a mesma beleza natural das pessoas que gastam milhares de reais com o mesmo objetivo. Outro dia percebi o absurdo de que tenho mais de 12 produtos pro rosto e que, alguns dias, chego tão cansado que nem tenho condições de usar um sequer. Poderia até colocar aqui uma espécie de ode ao ódio capitalista mas já tem bastante gente fazendo isso e, embora tenham sua parcela de razão, eu acho essa gente muito chata!

E, no entanto, quando me olho no espelho não posso deixar de me comparar com algum belo modelo ou ator, de pele perfeita, cabelo modelado, lábios rosados, sem nem levar em consideração que não faço a barba e nem as sobrancelhas há três semanas e que por trás daquela foto dele há pelo menos três outras pessoas responsáveis por deixá-lo daquele jeito. O fato de que mesmo se eu me arrumar bem, porque alguns dias eu me sinto realmente bonitinho (que é um feio arrumadinho), parece não vir à tona nesse momento. Com efeito a exposição contínua a esse conteúdo não só nos infecta como nos emburrece mesmo. 

Argh! Estou farto de semideuses
Argh! Onde é que há gente? Onde é que há gente no mundo?

Penso então: vale a pena levantar da cama e me arrumar inteiro para postar uma foto, que quase ninguém vai ver e, se chegar a ver, só vai imaginar um mundo irreal onde eu me arrumo pra tirar uma foto quando, na realidade, só quero ficar na cama ou, no máximo, levantar e tomar um capuccino enquanto escuto música baixinho vendo a chuva cair lá fora no meu dia de folga? 

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