sábado, 28 de setembro de 2024

Sem Explicação

É claro que eu já estava com intenções de escrever sobre The On1y One desde o início da temporada, mas, uma resenha seria uma coisa descritiva demais para a experiência tão íntima que essa série me proporcionou. 

Eu não costumo poupar elogios, e isso faz com que eu pareça do tipo que gosta de qualquer coisa, mas a verdade é que eu gosto de ver beleza nas coisas. Porém, quando algo como essa obra aparece, acaba por transcender a minha capacidade de descrever e me resta apenas o silêncio, e em vários episódios eu fiquei ali, vendo os créditos subirem, em silêncio profundo, encantado e hipnotizado pela experiência de poder acompanhar uma história tão linda, tão profunda e cheia de camadas e, ao mesmo tempo, tão simples. 

O despertar da juventude, das potências do homem e o lidar com as adversidades dessa fase, de tantas incertezas, especialmente em situações envolvendo a intimidade do lar, o mostrar-se vulnerável e o ser forte e presente para o outro. 

Quando Sheng Wang e Jang Tian se conheceram, e descobriram que deveriam ser uma família a partir daquele momento, nenhum dos dois se sentiu confortável com isso: ambos já tinham visto um lar desmoronar, e ambos ficaram tanto tempo sozinhos que, ao seu modo, descobriram uma forma de viver que não incluia se apoiar em alguém. 

De repente se encontram então diante de uma situação extremamente desconfortável, não de pequenos ajustes e aceitações, mas de confrontação com a parte mais profunda da intimidade: a família, o lar. E então, eles que a princípio sentiam o incômodo do outro, foram se aproximando de tal modo que, transcendendo até mesmo as paredes daquela casa, frequentada por novas pessoas, tornaram-se família e lar um para o outro. 

A forma como essa aproximação se deu nas pequenas demonstrações, nas aberturas simples, nesse morde e assopra, fogo e gelo, típicos da intensidade adolescente. Se beijaram duas vezes, mas, como eles mesmo disseram, foi apenas um toque de lábios. Intimidade mesmo é caminhar em silêncio sem sentir desconforto, é chorar num abraço apertado, é comer e sorrir enquanto observam o mar. Assim se dá a aproximação, a abertura de coração. 

Mas é também assim que, ao abrir e vendo novas luzes, pintando a tela da vida com cores até então desconhecidas, que o medo pode tomar conta e então vem a reação primária de todo homem que se vê diante do amor, tão impossível de ser evitado quanto avassalador em sua descoberta: o medo. 

Ainda há um caminho a ser percorrido, afinal não podemos esquecer que, quando temos 17 anos, o mundo todo é nosso. Mas a caminhada até aqui já valeu. Valeu pela beleza de uma jornada que soube encantar de modo tão simples e tão intenso que, não raramente me fez participante daquele momento, daquela juventude, apaixonada, assustada, machucada e que aprendia a se curar no carinho e no cuidado. 

Uma descrição incompleta, claro, não poderia ser diferente, como também não posso me furtar a encerrar essas palavras, fechar os olhos, e deixar mais algumas lágrimas rolarem. É demais para que eu consiga explicar. Assim como eles, só me resta terminar em silêncio.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. V

That Gentleman, Andrew Wyeth

Me sinto sufocado, e não é pelo clima quente e abafado dos primeiros dias da primavera. Embora o ar esteja úmido e pesado, acertando como um tapa ao sair do ambiente condicionado, o que sinto é o corpo voltando aquela letargia depressiva. Entendo agora que as últimas semanas inteiras têm sido um episódio depressivo maior com alguns traços mistos que me fizeram achar que já estava passando. Na realidade não estou tão ruim quanto estava, mas ainda assim tem sido bem difícil. 

Nesses dias qualquer coisa que aconteça é maximizada. Acabei me atrasando ontem, cheguei em casa mais de quarenta minutos mais tarde, cansado, irritado, e só queria então assistir e dormir. Acabei me emocionando e chorando com os dois episódios que assisti. Hoje, para levantar aqueles minutos foram como um eterno suplício. Centenas de milhares de anos se passaram até que eu conseguisse reunir forças o suficiente para sair da cama. Dormi durante boa parte do caminho, a cabeça batendo no vidro da janela do ônibus, o exemplar da Epopeia da Criação amassado no colo. 

Amaldiçoei o mundo, o universo, todas as pessoas, mil vezes, quando ouvi a campainha tocar, pontualmente às nove da manhã, indicando que já haviam pelo menos trinta crianças me esperando. Desci cada degrau proferindo impropérios, esconjuros e imprecações. Agora, duas horas depois, quase sem voz, estou tomando meio litro de chá-verde para ver se consigo tirar alguma energia para terminar o dia que, a despeito disso, está só começando. 

E as pessoas estão irritadas, e apressadas, e confusas, e tudo é urgente. Eu não sei se hoje queria voltar para a cama, acho que não. Estou me sentido sufocado com o ambiente fechado, e ainda nem começamos o verão. É meio claustrofóbico assim. Acho que queria comer algo diferente, mas também não sei o que é. Para além do apetite minha alma também clama por algo, que também não sei o que é. 

"Memorizo todo o meu passado e involuntariamente me pergunto: para que vivi? Com que fim nasci?" (Mikhail Liérmontov)

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. IV

“Consolação”, Edvard Munch.

É até difícil descrever o quanto estou machucado. Ferido, cansado de uma caminhada que não me levou a nenhum lugar. E parece que tudo que fiz foi reclamar, reclamar e reclamar. Cada vez que me olho no espelho, tenho a impressão de ver um homem ainda mais patético e miserável. Um homem fraco, incapaz de se impor, de enfrentar os mínimos confrontos, covarde. Como fui ficar assim? Indigno de ser chamado de homem. 

Como pude me deixar machucar tanto por meu próprio coração? Como pude me deixar tanto afetar por coisas que estavam além do meu controle? Como pude esperar que o outro respondesse meus afetos? Que obrigação tem o outro de me amar? 

Amei de graça, e assim deveria ser. Não deveria sofrer por isso. Mas o coração sofre, e com ele tudo o mais. O corpo sofre, a vontade vacila. Todas as potências da alma se tornam mutáveis, cambiantes, e eu vejo, sou obrigado a ficar diante, de toda a miséria da minha existência, das marcas de pecado. Eu sou realmente uma criatura patética. Mas, diferente dos outros homens, fracos e patéticos, eu não sou digno de pena, senão que mereço cada dia da minha condenação. 

Condenação merecida por amar o que não devia, por desejar o que não devia, por não refrear os apetites mais baixos e crer que são amor. Não pode ser amor, pois o amor não pode doer assim, não pode ferir o homem desse jeito. Ou será que pode? Não terá Cristo sofrido por amor? Mas posso considerar isso que sinto como amor, ao mesmo nível do Dele? Então por qual razão parece que meu amor machuca, mas de um modo diferente? Ainda que seja amor, parece que tudo que tenho dele é essa dor...

Não consigo enumerar a quantidade de maldições que lancei quando vi que precisava levantar e encarar mais um dia. 

É até difícil descrever o quanto estou machucado. Ferido, cansado de uma caminhada que não me levou a nenhum lugar. Como o amor pode machucar assim? Só se não for amor...

"Receio não dispor dos meios de expressão que lhe comuniquem meus sentimentos e anseios..." (Thomas Mann)

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Retrato da Batalha

"Estava sempre lendo para me livrar do tédio. Esse tédio, mais tarde, chamei de existência." (Sartre)

Acordei de péssimo humor, e ainda tenho que aguentar as convenções de abraços e beijinhos. Queria que minha expressão fosse suficiente para dizer "não se aproxime e fale somente o absolutamente indispensável." Mas parece que não é tão fácil assim. É claro que não estou com a mínima vontade de trabalhar, mas já deixei as coisas se acumularem por uma semana inteira, preciso dar um jeito nelas.

Nenhuma vontade.

Me lembro de algum ponto, algum momento, em que tive orgulho de trabalhar. Foi breve, eu sei, mas agora não há nem mesmo nenhum resquício disso. 

Tampouco quero voltar para cama. Hoje não quero café, chá, abraços e nem palavras de carinho. Tudo isso me parece vazio e sem propósito. Eu, na verdade, não faço ideia do que eu quero. A única coisa que sei é que, ao menos, não quero conversar, e seria bom se pudesse aproveitar o meu silêncio. Hoje, amanhã, sempre... Apenas na minha própria companhia e de uma música baixinha.

Disseram que estão preocupados comigo, mas acho que é tarde demais. Primeiro porque já sugaram tudo o que tinha de mim então, na verdade, estão preocupados com o que não podem mais ter de mim. Patéticos. Mas, de todo modo e francamente falando, é tarde demais, já não tenho salvação. Não há ponto de virada, não há nada nem ninguém que possa entrar em minha vida e girá-la num eixo de cento e oitenta graus. Essas coisas, o anjo salvador quando se está à beira do abismo, só existem em filmes. Na vida real a vida termina sem que ninguém repare, e só fazemos falta até jogarem a primeira pá de terra sobre nós.  

Acho que, se há uma virada de vida, é apenas aquela última gota a transbordar que possa nos fazer finalmente tomar a decisão de tornar o próximo momento, no último. E acredito que agora esse momento não deve tardar. Já sinto a mudança no ar, e não me refiro a chegada da primavera. Sinto aquele ar que senti quando me deixaram para trás, aquele ar de que esse lugar já não é mais o meu lugar. E que talvez eu não tenha lugar, mesmo que me esforce para ser o lugar de tantos. Sinto que a hora se completou: é hora de partir, já não há mais lugar para mim aqui. 

Marduk lutra contra Tiamat. O caos primordial que a tudo busca devorar, destruir, em confronto com a ordem que deseja se impor por sobre o cosmos, marcando o que deve ficar acima ou abaixo. Não me sinto mais parte desse confronto, senão que desapareci nas profundezas de Apsu.

Talvez meu interior seja um retrato dessa grande batalha entre as forças da ordem e do caos.

Não estou completamente depressivo, mas também não estou bem. Não sei o que é. Não sei nem o que sou. Talvez seja saudades. As coisas da alma são tão complexas. 

Enjoado, entediado. Não apenas do dia de hoje, mas do trabalho, dos amigos que não fiz e dos que se foram. Enjoado dessa vida miserável, enjoado dessa vida maldita. Enjoado dessa existência patética. Enjoado dessa rotina, enjoado do futuro, com nojo do passado. Enjoado de ser e de estar. 

Acordei de péssimo humor, e ainda tenho que aguentar as convenções de abraços e beijinhos. E parece que o dia será cheio.

"Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo." (Sigmund Freud)

terça-feira, 24 de setembro de 2024

O Avançar das Sombras

Não foi um episódio depressivo, eu não senti o mundo ao meu redor ficar mais lento e nem uma lente anuviou e minha visão. Não, foi outra coisa. De repente, uma tristeza imensa tomou conta do meu coração e logo se espalhou por todo meu corpo. Eu queria então sair dali, sair correndo. 

"Você está bem?" 

Li um tempo depois numa notificação. Não, não estava bem, eu só queria desaparecer. 

Passei uma parte da celebração olhando um jovem abraçado com a namorada. Em outro dia eu teria provavelmente ficado com ciúmes, já que o observo há tanto tempo, mas não fiquei, antes disso, não senti nada. Olhei ele bem no fundo de seus olhos, como fiz tantas vezes cheio de desejo, mas dessa vez eu não sentia nada, indiferença até ao olhar dele que encontrou o meu várias vezes. 

Outro olhou para a cruz por um bom tempo, e acho que tudo ao redor sumiu naquele instante. Ele já me ignorou várias vezes, na maior parte parece nem se dar conta da minha presença, mesmo que estejamos próximos. Mas ali, enquanto de pé ele olhava o Cristo crucificado, e eu o olhava, parecia que tudo ao meu redor sumira também, e senti uma angústia profunda. Acho que compartilhamos a solidão daquele instante. Talvez no coração dele também ecoava "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"

Não sei o que foi isso, mas sei que uma escuridão tomou conta de mim, apenas isso, e mesmo agora eu quero apenas ficar quieto e em silêncio, já que não me é permitido desaparecer completamente. 

Talvez, depois de apenas dois dias, eu tenha entrado num episódio depressivo de novo, já que é tão escuro assim. E é escuro, e frio, e parece avançar cada vez mais rápido. E parece que nada vai sobrar. Será que eu finalmente vou desaparecer?

Percebo agora como os dias passaram. Minha casa está suja, vejo sinais de bolor por conta da umidade, cabelo no chão, embalagens de remédio vazias, até o notebook em que escrevo isso está sujo e cheio de gordura. Parece que as últimas semanas demoraram meses inteiros, e eu fui descendo cada vez mais no fundo do poço. 

Eu tinha perdido peso, pouco mas já era alguma coisa, e me olhando no espelho vejo que estou ainda pior agora. É isso que a depressão faz comigo.

Não quero falar, responder ou me humilhar. Não estou mais indo dormir por prazer, apenas para não ver os dias passarem. Trabalhar é uma tortura e ficar em casa também o é, isso porque todo aspecto da existência se tornou penoso. 

Não fiz as escalas da festa ainda, preciso organizar mais ensaios, eu mesmo ainda não estou completamente afiado em todas as músicas, mas completamente indisposto de todas essas coisas. Enfim, é como se eu não estivesse realmente presente. Mas também não estou ausente, pois isso implicaria que eu conseguisse desaparecer. E eu estou numa espécie de limbo da existência. Rodeado de vazio e silêncio. Contemplando o crucificado e rezando baixinho "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"

~

"Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blás de Otero. Mas quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas foram à homenagem fúnebre feita numa arena de touros em Madrid. Ele não ficou sabendo." (Eduardo Galeano)

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Verde Esmeralda


Depois das longas noites escuras, 
depois de todo aquele abismo, 
depois de toda imagem da morte próxima, 
depois de todo aquele silêncio, 
daquele vazio horrendo. 

Depois de tudo isso veio a euforia, 
a febre, 
o tremor do condenado. 

É como se meus olhos fossem abertos depois de um longo e profundo sono. As coisas ao meu redor tornaram a ter cor, a grama brilha verde-esmeralda, mesmo o dia estando um pouco nublado consigo ver alguns raios rompendo a grossa barreira das nuvens, a música é mais do que um barulho para ecoar no vazio do meu peito. 

O homem que escreve hoje não é o mesmo que ontem vegetava, que se arrastava da cama para o trabalho. Hoje eu efetivamente caminhei, hoje eu efetivamente sou homem a andar por este mundo, a olhar o céu, a desejar nadar nas águas. 

É sempre uma transição louca, e me incomoda ser assim, tão intenso o tempo. Todos têm humores, todos, mas nem todos ficam prostrados num dia e ensandecidos no outro. 

Fogo e gelo. 
Guerra e Paz. 

Não, paz não. 

Não há nessa montanha de Sísifo nenhuma paz, apenas uma constante subida, apenas um ciclo infernal que sempre se repete.

De novo,
e de novo
e de novo.

Mas, pelo menos, depois de uma longa e tortuosa caminhada numa escada estreita em plena noite escura, pude ver um amanhecer realmente brilhante, vivo, pulsante, coma luz do sol tocando e acariciando minha pele. Que eu não esqueça, no entanto, que devo seguir o exemplo dessa mesma luz: acariciar e tocar e aquecer a todos, mas em silêncio, de modo discreto que apenas algumas poucas almas poéticas possam perceber isso. Afinal, se sempre sou deixado no silêncio, por que deveria sofrer para esclarecer tudo os outros, mesmo que cada palavra minha diga sempre a verdade?

"Dirão, em som, as coisas que, calados, no silêncio dos olhos confessamos?" (José Saramago)

sábado, 21 de setembro de 2024

Amar no Silêncio

"Se amar algum dia, guarde bem seu segredo! Não o revele antes de saber perfeitamente a quem está abrindo o coração. Para preservar antecipadamente esse amor que ainda não existe, aprenda a desconfiar deste mundo." (Honoré de Balzac)

Voltando ao silêncio, aprendendo a silenciar verdadeiramente, a ouvir, aprender, observar, amar na simplicidade, sem fazer disso grande alarde. Mais uma vez vejo que preciso aprender essa lição. Mais uma vez me machuquei por falar demais, por ser demais, por sentir demais. 

Felizmente, esse momento de introspecção veio um dia antes de eu poder ficar um pouco mais quieto, em casa, tomando chocolate quente e vendo um filme romântico fofo. Depois de um inferno depressivo, eu precisava desse momento, precisava não pensar muito, precisava me deixar levar pelo sono acumulado das noites inquietas e pelo doce alento dos remédios que me fazem dormir, na companhia de um céu nublado e de uma playlist que ajude a criar um ambiente acolhedor, muito embora a inquietude advenha justamente de um desequilíbrio químico interno, e não exterior.

Não tenho muito a dizer agora, na verdade, quero justamente não precisar dizer nada. Quero apenas fechar os olhos e me entregar. É verdade, e o digo correndo o risco de deixar meu texto pedante pela centésima vez, que gostaria de poder fechar os olhos e não mais abrir, mas, se terei que acordar de novo, que ao menos possa descansar a mente um pouco.

Estou triste, é verdade, em perceber mais uma vez que apenas eu sinto, ou que, pelo menos, apenas eu demonstro. Mas isso é uma questão longa que não quero analisar aqui. Eu devia, assim como me silenciar, adotar também uma postura que não espere por grandes demonstrações de afeto e carinho.

E é de uma fina ironia perceber isso enquanto acompanho justamente histórias sobre barreiras sendo superadas, sobre pessoas que entendem os sentimentos umas das outras. E eu vou erguendo minhas barreiras, entendendo e sendo entendido cada vez menos. 

Isso porque estou cansado, cansado de sempre ser eu a ter que entender, me adaptar, aceitar, compreender, acolher, enfim, me esforçar. Sou eu que acorda pensando logo cedo pela manhã e que vai dormir ainda querendo tê-lo ao meu lado, sou eu que penso mesmo quando esmagado pelas minhas obrigações. sou eu que, no fim das contas, ama e, por amar, acaba se esquecendo de todo o resto, inclusive de mim mesmo. E, muito embora o amor seja realmente para o outro, e não para mim, na prática, isso dói, isso dói demais. 

Por fim, uma frase de uma série que assisti me chamou muito a atenção e ficou ecoando no meu peito antes de eu adormecer. Um disse ao outro que "se eu tivesse alguém que me amasse como você ama o Mhen eu não estaria nessa situação." Parafraseio então "Se eu tivesse alguém que me amasse assim, não estaria nessa situação."

Foi meu último pensamento antes de cair na profunda escuridão da hora dulcíssima do sono.

"Você trespassa minha alma. Sou metade agonia, metade esperança. Não me diga que é tarde demais, que sentimentos tão preciosos foram-se para sempre. [...] Faço planos pensando em você. Você ainda não percebeu? Terá você falhado em entender meus desejos? Creia que tal afeto é mais do que fervoroso e mais do que constante." (Jane Austen)

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. III

Veio a noite e uma manhã. Mais um dia. Sono profundo, mas o ar péssimo dos últimos dias tem incomodado bastante, acordei várias vezes durante a noite e tive até que fazer uma lavagem nasal para conseguir respirar melhor. Permanece o corpo pesado, os olhos querendo se fechar, assim como o coração querendo encerrar-se no meu quarto por pelo menos mais um dia, ou dois, ou vários. Esses episódios sempre fazem com que os dias se tornem mais longos, doloridos, que passem lentamente, como uma verdadeira tortura. 

Tenho percebido que nesses dias eu venho repetido algumas músicas, só agora percebi que o fiz quase inconscientemente, como se buscasse nelas algum tipo de conforto, algo assim, se é que é possível encontrar isso nesse mundo. Venho repetido os álbuns do INFINITE e do 10cm, o dia inteiro no trabalho e também em casa depois que chego. Mas ainda assim, é como se durante todo esse tempo eu estivesse caminhando em cacos de vidro, ou deitado em brasas, tudo dói o tempo todo. 

Levantei com muita dificuldade. Nem consigo descrever a força que me foi necessária para isso. Era como se precisasse erguer a abóbada do mundo sob meus ombros, mas não, não era nada disso, era apenas erguer o meu corpo da cama. Mas eu consegui, depois de um esforço hercúleo. E cheguei até aqui. 

E só consigo pensar, até quando essa tortura chamada vida vai continuar. 

Os últimos dias têm sido de uma dificuldade indescritível. Eles se demoram longamente, e eu tenho praticamente me arrastado da cama pro trabalho e depois de volta pra cama numa espécie de ciclo do inferno. 

Estou à espera de um novo ciclo, de um novo tempo em que me venha energia de novo. Agora, tudo o que penso em fazer é esperar o tempo passar, mas ele não passa, ele demora. E agora, o que eu devo fazer agora? 

Se não há mais brilho nos olhos, 
se nos lábios não há prece, 
se no coração não há tremores, 
se não há mais nada, 
só silêncio, frio e escuridão, 

o que se deve fazer?

"O que é que a gente faz se é tudo assim tão frágil, vazio e sem contorno?" (Silva)

~

Ressentimento do mundo

Enquanto no mundo tem gente pensando
que sabe muito,
eu apenas sinto.
Muito.

(David Cohen)

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. II

"Ungi, arrota, 
che la lama guizzi, 
sprizzi fuoco e sangue! 
Il lavoro mai non langue, 
dove regna Turandot!" 

(Giacomo Puccini)

Levantei com muita dificuldade. Nem consigo descrever a força que me foi necessária para isso. Era como se precisasse erguer a abóbada do mundo sob meus ombros, mas não, não era nada disso, era apenas erguer o meu corpo da cama.

O tempo continua meio nublado, mas não aquele nublado belo, o aconchegante de que tanto gosto, não, é apenas triste, sem graça, pesado. Como se, mesmo brilhante, o verde do jardim diante dos meus ficasse opaco. Se fecho os olhos, só sinto o vazio a crescer e me consumir. 

Me arrastando por onde quer que passe, buscando algum conforto ou o mínimo de energia no café, ou no chá verde, sem muito sucesso. O sol até abriu um pouco, fazendo as folhinhas do jardim brilharem num verde vivo, mas eu as vi com uma lente cinza. 

Me disseram que eu deveria fazer terapia, acho que minhas alterações de humor voltaram a ser visíveis, ou talvez seja o fato de eu ter dito isso claramente, aliás acho que eu deveria tirar aquilo de lá. De todo modo só queria poder voltar pra minha cama e dormir. Até acho que a terapia seria algo importante mas, se fosse para salvar alguém que merecesse salvação, ou alguém que ainda tivesse salvação, mesmo que condenado. E eu já não tenho salvação. Eu tenho sono, e mais do que isso, uma vontade absurdamente entranhada no meu ser de simplesmente desaparecer, voltar ao nada.

Até acho que tenho algumas coisas pra fazer, mas não consigo me atinar muito a isso. Tinha planos de gravar alguns vídeos de poesia hoje, mas é impossível, não consigo também. 

Levantei com muita dificuldade. Nem consigo descrever a força que me foi necessária para isso. Era como se precisasse erguer a abóbada do mundo sob meus ombros, mas não, não era nada disso, era apenas erguer o meu corpo da cama. Mas eu consegui, depois de um esforço hercúleo. E cheguei até aqui. E só consigo pensar, até quando essa tortura chamada vida vai continuar. 

"Tu tinha os olhos tristes
como dois corpos cansados.
E quanta tristeza tinhas
em tuas mãos escondida!

Cheguei. Chegaste.

Esta vida
me foi melhor desde aquele 
dia em que tu me conheceste
que eu era triste também..."

(Pablo Neruda)

terça-feira, 17 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?" (Charles Bukowski)

Em algumas horas será mais uma manhã de segunda-feira. Posso sentir as pessoas cansadas se preparando para acordar e enfrentar mais uma semana de trabalho. Chove lá fora, e não parou o dia inteiro. Não consegui ir à Missa hoje, não saí da cama, prostrado em depressão. Há muito tempo não ouvia INFINITE e, embora minha ideia inicial fosse algo calmo que combinasse mais com o barulho da chuva no telhado de cerâmica do vizinho, acho que as músicas dele combinaram bem. Pelo menos não enjoei do barulho da chuva, mesmo tendo ouvido mais dele nos últimos dois anos que nos outros vinte e sete da minha vida. Gosto do barulho da chuva e da música baixinha. Não enjoei da música como enjoei do trabalho e tudo mais. Tenho apenas mais um dia de folga, e aí a minha semana vai começar também. Depois de tantas formações ainda trabalho aos sábados e feriados. Todos estão cansados. Ou melhor, quase todos. Outros estão viajando e dando ordens à distância. Eu estou cansado. Posso sentir a preguiça com que todos vão acordar daqui a pouco. Droga.

A chuva persistiu por toda a noite, e hoje é uma segunda cinza, um dia lindo como poucos sabem apreciar. Assisti um pouco durante a manhã, enrolei mais no início da tarde e agora, pela metade, já me preparo para dormir e descansar para dar início a mais uma semana amanhã. Meu notebook continua dando problema na bateria e só me resta esperar o próximo mês para levar numa assistência técnica, pois estou no limite de crédito já. Essas coisas são uma droga. Minha impressora está há mais de um ano precisando de conserto pelo mesmo motivo, e poderia fazer uma lista bem longa de outras coisas que simplesmente vou deixando para lá, me acostumando, para não ter que consertar. Quantos problemas foram se acumulando...

E o que ainda estou fazendo aqui? Eu não faço ideia. 

Talvez eu tenha medo, de colocar um ponto final definitivo. E por isso continuo nesse inferno. Provavelmente ao término dessa vida outro inferno, um eterno, me aguarda também. 

E, não de repente porque eu já esperava por isso, me fugir toda vontade de terminar esse dia. Ou talvez tenha perdido a vontade de terminar esse e qualquer outro dia pobre, sem perspectiva e sem sonhos. Melhor eu ir dormir. É o que resta a um pobre condenado. 

"Naturalmente, nós todos caímos em
baixo-astral, é uma questão de
desequilíbrio químico
e uma existência
que, por vezes,
parece impossibilitar
qualquer chance real de
felicidade."

(Charles Bukowski)

domingo, 15 de setembro de 2024

Ecos, Luz e Dúvidas

"Ah, viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não para, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo, nem de espírito." (Clarice Lispector)

Bastou apenas que me sentasse para escrever e as ideias me fugiram completamente por entre os dedos. É assim a vida, fugidia em tantos aspectos. 

Ainda me sinto péssimo. Só uma noite insone foi o bastante para me desestabilizar completamente: a cabeça em estado de confusão, dores por todo o corpo (especialmente na altura dos rins e alto da coluna) e leve febre em alguns momentos. 

O sono desregulado acaba comigo. 
O amor não correspondido acaba comigo. 
A vida acaba comigo.

Sei que isso é apenas um reflexo de tudo o mais que está desregulado em mim, mas não há muito que eu possa fazer. Espero poder conseguir dormir e assistir amanhã, relaxar um pouco, descansar. 

Descanso.

Não raras vezes acho que o que preciso é mais do que isso, mas eu não sei dizer o que é, então apenas digo isso que é o que consigo traduzir em palavras: estou cansado de tudo, mas como descansar de tudo? 

Sempre acho que dormir por oito, dez horas, vai resolver. Não resolve. Mas o que posso fazer? No outro dia preciso continuar, e por isso aproveito cada um desses momentos, cada momento em que posso não ver, não sentir. Me encanta estar inconsciente. 

Talvez devesse encontrar aquilo, aquele detalhe que falta, a parte que falta em mim, para que eu seja eu mesmo. Mas o que seria isso? Eu não tenho a menor ideia. 

Mas deve ser alguma coisa, não é? 

O que será que falta em mim?

Algumas impressões ficaram na minha alma, principalmente depois de ver, numa manhã fria, nublada e ocasionalmente chuvosa de domingo, a temporada de The Time of Fever, spin-off com o casal secundário de Unintentional Love Story com Won Tae Min e Do Woo. A construção do relacionamento deles foi tão bem feita, como é comum nas produções coreanas, e fiquei impressionado mais uma vez com a capacidade deles de demonstrarem tantos sentimentos sem muitas palavras, apenas por olhares e gestos por vezes simples e que normalmente passariam despercebidos. 

Muito bem, como essas impressões se conectam?

Ainda continuo nessa, e sei o quanto isso é errado, de que talvez o que me falta seja alguém. Sei que não é verdade, e que alguém só pode ser completo, um ente é uno, o que duas pessoas podem fazer é apenas se unir e se ajudarem, complementarem, não completarem. 

Mas ainda assim, ao ver aquelas imagens de sombra e luz, do sol tocando delicadamente os personagens à medida que eles iam entendendo e aceitando seus sentimentos, ao mesmo tempo em que aumentava a insegurança e o medo daquilo que vinham sentindo com tanta força. Os sorrisos se tornaram mais abertos, brilhantes. 

Esse sentimento me parece algo capaz de preencher um vazio. 

Mas acho que ele não existe realmente fora da ficção, dos livros e das séries. Ainda assim, eu o persegui demais. Não vejo em mim os olhos gentis e apaixonados, e nem o sorriso doce que eles dão um ao outro, mas apenas aquele olhar alucinado que vi no Príncipe Desconhecido da ópera Turadot de Puccini. 

Assim como tantas vezes o exterior parece conter respostas. Sempre me volto aos belos homens da internet, de pele perfeita em vídeos de moda, maquiagem e cuidados da pele. Mas sei que isso é apenas uma resposta a essa impressão: a de que a perfeição estética atrai pessoas. Mas trata-se de um padrão alto demais, não digo inalcançável, mas complexo. 

Me restam então questionamentos. 

O que falta em mim? O que o outro pode ajudar? Por que persiste o vazio? Como o nada pode fazer tanto estrago? Como pode o nada ser tão profundo? Essas imagens, belas e inspiradoras, se nos servem apenas de inspiração e não são reais, por que deveríamos nos inspirar por elas se o resultado será sempre o desespero? Como uma queimadura de gelo, o nada continua machucando, continua atravessando o peito como uma espada de aço frio.

Todas perguntas que já fiz muitas vezes. Continuam sem resposta a ecoar dentro de mim. 

sábado, 14 de setembro de 2024

O Ún1co

Olhar. Olhar que guarda carinho e afeição. Eles já sabiam. Sabiam e fingiam não saber.

Muito pode ser dito com apenas um olhar, um gesto de carinho que nem mesmo o pareça. O amor, o amor verdadeiro, pode-se demonstrar de diversas formas e vir de locais tão inesperados. Esse mesmo amor tem o poder de tornar também qualquer local num lar. 

Aquele que sempre vive se mudando, que sente que não pertence a lugar nenhum, e aquele que, com um gesto expansivo, com um sorriso tímido e um jeito meio grosseiro, transforma uma casa grande em algo próximo do que se pode chamar de lar. 

A companhia, a partir de então eles juraram que estarão sempre juntos, ao lado um do outro. Não será mais o lugar, seja a casa ou um quarto, onde o outro estiver ali estará o lugar aonde ambos pertencem. Amigos? Irmãos? Mais do que isso. O que eles são ainda não tem nome, mas tem forma: e essa forma se manifesta no já dito olhar, nas manifestações silenciosas de carinho, no comer juntos, nas provocações, nas noites de apoio... São muitas as formas de dizer "eu te amo", de deixa que esse amor gire seus mundos de cabeça para baixo.

Olhar, olhar que guarda toda essa afeição. 

Punhos cerrados que queriam proteger sem dizer uma palavra. Costas que passaram a carregar aquele mundo, pesado, único, mas que ali, tão próximos, se tornavam como que um, cada qual a seu modo.

Sorrisos que nunca se viam naquele rosto de tez sempre séria. Lágrimas a descerem daqueles olhos que, ao se verem, suspiraram aliviados, ainda que doloridos. 

Olhar que também guardavam o medo da separação e que, sorrindo, confortaram com a certeza: "ficaremos juntos para sempre, comeremos juntos todos os dias, não se arrependa disso!"

E não vão, pois no amor, no amor verdadeiro, esse expresso pelo olhar, não há arrependimentos.

Olhar. Olhar que guarda carinho e afeição. Eles já sabiam. Sabiam e fingiam não saber. 

Mas, se antes os olhares também buscavam ser um refúgio do que não era dito em palavras, agora são a plena manifestação daquele amor. Olhares que agora prorrompiam em lágrimas, e ele não sabia dizer a  razão. E a resposta veio por um olhar e um abraço forte:

"É porque você está em casa, seja bem-vindo!"

~

Inspirado na série The On1y One (WeTV, 2024)

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Sociedade e Solidão

Sergey Galanter

"São muitos os caminhos pelos quais Deus pode nos conduzir à solidão e levar-nos a nós mesmos." (Herman Hesse)

Não consigo me sentir confortável com essa cultura dos aplicativos de namoro/pegação. Ainda que entenda que, algumas vezes, só queremos saciar uma vontade urgente e nada mais, dificilmente eu consigo me satisfazer com isso. Com efeito, o próprio sexo é sem graça sem aquele aporte sentimental por trás, nunca senti realmente algum prazer nisso. Mas, quando buscamos alguém para conhecer melhor, caímos inevitavelmente numa série de armadilhas perigosas: a primeira é o ambiente de banalidade que frequentamos. Estamos habituados à cultura de açougue em que escolhemos o que comer, ao buscar uma amizade ou algo mais continuamos a seguir essa lógica, ainda que inconscientemente. 

Muito já foi dito sobre isso, o próprio Zygmunt Bauman inaugurou uma escola inteira que se baseia na superficialidade das relações e, bem, acho que todos nós já tivemos algum tipo de experiência com isso. Todo mundo já começou uma conversa e, do nada, a coisa foi esfriando ou simplesmente pararam de responder. Isso porque estamos todos sempre em busca do melhor: vemos um cara com a barriga chapada no Instagram e achamos que ele vai ser melhor, a autoestima é um fator definitório, já que em verdade todos desejamos um amor desses de série, em que o homem lindo e perfeito se apaixona pela pessoa considerada feia ou pobre. 

Não minto, eu sou igual. Imagino histórias inteiras de amor com estranhos no ponto de ônibus, e não enxergo ninguém ao meu redor que possa, minimamente, criar algo assim. 

Outro dia vi algo na internet também que fez todo sentido: se referia ao fato de que temos de ter consciência daquilo que fazemos e de onde estamos. Eu muitas vezes me pego querendo o corpo perfeito daqueles atores tailandeses que sigo com tanto afinco. Mas eles todos fazem uma ou duas horas de academia todos os dias. Eu não. Eles seguem dietas rigorosas. Eu não. E por isso, em pouco tempo, eles podem ostentar corpos perfeitos. Eu não. Então essa consciência é também importante, porque vale para a forma como tratamos o outro e nós mesmos.

Como eu posso esperar um homem perfeito se eu me odeio sobremaneira? Quantas vezes eu mesmo perdi o interesse em conversar e sumi, e quantas vezes fizeram o mesmo comigo? Todo mundo quer alguém gostoso, que responda rápido, inteligente e trabalhador, mas que tenha tempo para dar atenção na medida certa, sem ser pegajoso e sem ser lacônico. Mas quantas vezes partimos pros aplicativos e agimos como quem procura carne? 

E a cada dia se torna mais e mais difícil criar conexões. Eu não saio, não frequento baladas, e as pessoas da igreja não parecem muito a vontade em me conhecer, nos aplicativos eu mesmo estou cansado de tentar conhecer alguém, eu ou ela perdermos o interesse no terceiro dia, porque não correspondem aos nossos ideais, porque a pessoa não gosta das exatas mesmas coisas que o outro ou porque não têm a mesma posição... Enfim, a superficialidade de nossas relações é inversamente proporcional as nossas expectativas, não refletindo nossas ações.

E seguimos, vazios, sozinhos, ocasionalmente procurando alguém para fazer sexo, e seguindo decepção atrás de decepção. É preciso, no entanto, aprender a ser sozinho num mundo onde está cada vez mais fácil comunicar-se com o outro e que, ainda assim, está cada vez mais difícil entender o outro, enxergar o outro.

Então se o outro não diz o que sente e é errado tirar conclusões por conta própria, o que devemos fazer se o outro parece cada vez mais distante, mais estranho, mais absorto no próprio mundo, donde ninguém mais consegue alcançar?

"Mas, como o humano é frágil e perecível, teremos sempre de buscar ao redor de nós pessoas que amaremos e por quem seremos amados: privada de afeição e de simpatia, a vida não tem qualquer alegria." (Cícero)

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Nos umbrais

At The Park Gate”,  John Atkinson Grimshaw

"Procuro sempre o silêncio. Sou um feixe de opostos e só consigo suportar-me quando me considero um fenômeno objetivo." (Carl G. Jung)

Admito que, quando o assunto é o coração, o meu realismo vai pelos ares. Nesse exato momento eu não sei dizer o que é coisa da minha cabeça e o que é percepção do real. Tudo que sinto é um afastamento gradual. Como tantas vezes no passado eu vejo o afastar, eu vejo aquelas costas diante de mim, e vejo o espaço entre nós cada vez maior, se estendendo infinitamente. 

Como dizia Pascal "a solidão desses espaços infinitos me apavora"

Sim, me apavora, me faz gemer prostrado, chorar silenciosa e copiosamente. Me apavora saber que, pouco a pouco, vou ficando completamente só de novo. 

Morri várias vezes nas últimas noites, mas ninguém o soube, nem mesmo você. Morri sozinho, entre lágrimas e a agitação ao meu redor. E acho que hoje, nessa noite, morrerei de novo.

Recordando então meus últimos dias, faço reverberar as palavras de Rubem Alves: 

"A morte deveria ser como os últimos compassos de uma sonata: belos e tristes, até que venha o silêncio."

A minha escolha diante disso, de mais uma despedida, é a mesma que sempre tive: ficar parado, impassível, sendo perfurado em meu coração por uma lança, que sangrará enquanto ninguém a vê. 

Nesse exato momento eu não sei dizer o que é coisa da minha cabeça e o que é percepção do real. Ainda que eu não saiba sair de uma situação, de algum modo ela vai sair de mim. Se não sei o que devo fazer posso escolher não fazer nada, e ficar justamente parado, enquanto ele se afasta lentamente de mim, sumindo no horizonte e eu aqui, nos umbrais da solitária existência. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Impulso


"O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos - que não sabe 
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor."

(Cecília Meireles)

Incompreensão. 

Essa nossa dificuldade em entender o que o outro diz. Parece que estamos nos batendo no escuro, você também sente isso?

Mais uma vez você disse que estou falando por você, controlando seus sentimentos. Mas o que isso significa? Se você não me diz nada, se só me deixa no silêncio o tempo inteiro, o que mais eu posso fazer? Acho que devo ficar em silêncio, acho que talvez seja isso que você quer, e não me ouvir todos os dias o quanto sinto sua falta, o quanto as saudades doem... 

As palavras de incompreensão devem dar lugar ao silêncio.

Silêncio de incompreensão.

E seguirei sozinho, sem entender nada, sentindo apenas esse impulso de amor, cada vez mais e mais contido. Até que um dia ele exploda. Será que é possível morrer de amor? Acho que foi Santa Teresinha quem disse

"Eu vou cantar ao sair desse mundo: eu morro de amor!"

Até lá, seguirei sozinho, e em silêncio. Eu sempre soube que esse dia chegaria.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Em companhia de Eric Chou

Já é a terceira ou quarta vez que repito a playlist do Eric Chou, mas meu notebook insiste em simplesmente parar de tocar. No entanto, eu simplesmente preciso da boa dose de melancolia romântica que ele tem a oferecer. É impressionante como todas as faixas soam como uma surpresa, uma batida na porta num dia de chuva ou um esbarrão na calçada, também em dia de chuva, e o encontro de olhares entre duas pessoas, daqueles olhares que prometem mudar toda a vida. Daqueles olhares que fazem aquele fio vermelho do amor se apertar ainda mais, impedindo que as almas se afastem.

A voz dele não chega a ser doce, mas é calma, límpida, e transmite calma ao mesmo tempo que traz consigo a intensidade do amor, e geralmente do único amor que vale a pena ser vivido, do amor que faz o eixo gravitacional de duas pessoas convergirem: a partir daquele instante nada mais importa: apenas o que sentem um pelo outro.

As imagens dele geralmente remente a ambiente domésticos. É só fechar os olhos e imaginas aquelas cenas: duas canecas fumegantes de café sobre a mesa no café da manhã, um abraço acolhedor, um carinho, um beijo de intimidade... É um ambiente confortável, e ele nos abraça com sua intensidade, com esse carinho, com esse otimismo apaixonado que nos obriga a crer no amor, mesmo que, na vida real, eles nos pareça tão distante.

Distância...

Sinto que cada vez mais estamos os distanciando. Pelos muitos compromissos, prazos, cansaço, mas também algo mais, uma mudança no eixo de atenção, algo que nos faz refletir e mudar aquilo que sentimos, que queremos e aquilo que desejamos.

Sinto, portanto, o aproximar-se do fim, por uma escolha livre, que me fará ter de recomeçar, se ainda me restarem forças. O fim parece inevitável para nós se não decidirmos colocar nosso amor em evidência, sem prejuízo das demais áreas da vida. Mas acho que esse amor, esse amor a que me refiro e não o amor que sente por mim, de formas diferentes, não pode mudar. Estaremos sempre em páginas diferentes, esperando coisas diferentes e, então, seguindo caminhos diferentes. Seu silêncio, cada vez maior, é prova disso. 

Talvez Eric Chou me console um pouco...

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Pequena Miséria

“Bêbado”, Albert Anker

Madrugada silenciosa. 

A cidade inteira se prepara para acordar em algumas horas e iniciar mais uma semana de trabalho. Menos eu, que estou de folga, e até nisso parece que ando na contramão de todos os outros. 

Observei-o por um tempo hoje, a força dos braços alvos enquanto golpeavam o instrumento de madeira com força e ritmo. As veias à mostra por conta do casaco azul-claro puxado até pouco acima dos cotovelos, deixava aquela ação musical um tanto quanto sensual, mas provavelmente eu fui o único a pensar isso ali e, dada a grossura de seus óculos, duvido muito que ele tenha percebido meu olhar também. 

Mas, como nem tudo são flores, nem só dessa observação se fez minha noite, senão que também terminou com a confirmação de que ele não suporta a minha presença. Já havia notado que ele me ignorava sempre que estávamos próximos, mas cheguei a dar o benefício da dúvida para o fato de que nunca precisamos conversar realmente. Essa noite, mesmo rodeados de pessoas, onde ele devia estar bem mais confortável que eu ali, preferiu se afastar o máximo que pôde de mim. E, claro, creio que ninguém além daquela que foi cúmplice dele, tenha percebido. Até porque eu não fiquei ao lado dele por querer, senão que estava prestando mais atenção ao meu amigo do outro lado, com quem queria realmente conversar. 

É apenas uma percepção, sem importância, de um cara gato, porém idiota, pois eu nunca cheguei sequer a dar em cima dele para ser tratado assim, a menos que ele considere algumas curtidas no Instagram como flerte, o que reforçaria ainda mais seu status de idiota. 

Tirando isso, foi até uma noite divertida. Claro que ainda acho todas aquelas pessoas chatas e superficiais, mas, pelo menos, eu saí um pouco. 

Mas agora eu me arrependo menos de não ter ido na semana passada também. 

Me recordo que tinha prometido a mim mesmo que iria tentar mais. Disse que iria, por exemplo, assistir mais, tentar ler um pouco, ficar mais tempo acordado. Mas então chegamos aqui, chegamos a uma segunda preguiçosa e eu, de frente a televisão, não quero ver nada, não quero falar com ninguém. Quero apenas ficar deitado, no escuro, no silêncio, até que precise voltar ao inferno da agitação dos dias. 

Minha vida está uma droga. E eu não tenho nenhuma força ou vontade mudá-la.

Estagnei num emprego medíocre que não pode me valorizar. Não tenho feito amigos, muito menos um namorado, e as minhas dívidas se acumulam cada vez mais. Se, esse mês, eu deixei de pagar algumas para focar numa maior, no mês seguinte essas vão se acumular, e então vai continuar tudo difícil.  Meu notebook, embora seja relativamente novo e com pouco uso, afinal eu apenas assisto vídeos nele ao fim de cada dia e escuto música, já apresenta um defeito incômodo.

Estou sempre irritado, incomodado, e quando chega o dia de descansar em casa, em que poderia caminhar pela beira do mar, ou sair com alguém, assistir um filme ou algo assim, só quero dormir. Seja dopado, e os meus remédios já diminuem drasticamente, ou apenas ficar quieto na cama, fingindo que não existo. 

Comprei uma máquina de café que queria há vários meses, e já me cansei dela. Até vejo algumas pessoas, saírem, irem a cafés, festas, livrarias, pizzarias, e eu não tenho vontade de nada disso. Não quero sair com algum cara bonito e babaca como aquele de ontem à noite. A visão do homem cansa, a visão da minha vida mais ainda. Minha vida está uma droga. 

E eu não tenho nenhuma força ou vontade mudá-la.

Queria não soar fatalista, daqueles que dizem coisas como "o universo é hostil e a humanidade é inviável." Mas, ao dar uma olhada rápida na minha vida, isso é observável. Não é como se eu tivesse grandes sonhos que foram destruídos e esmagados pela realidade. Eu nunca quis nada muito grande, nada exagerado, e ainda assim cada pequeno desejo foi brutalmente esmigalhado diante de mim. 

Até mesmo agora, uma segunda, dia de folga, eu só queria poder ficar deitado e ouvindo música. Isso não envolve grandes somas de dinheiro, não requer uma evolução espiritual de décadas, não envolve um esforço de anos estudando. Não. Apenas um dia de folga de um homem medíocre num emprego medíocre, morando de aluguel com os pais numa casa medíocre. 

Mas nem mesmo o computador colabora. A música simplesmente pausa, e eu sei que poderia pesquisar o que fazer e, persistindo, levar na assistência técnica. Mas percebe como que sou privado de um prazer medíocre, até mesmo tosco, como se o universo estivesse tentando me provar algo. Se fosse pesquisar perderia horas, se fosse levar na assistência gastaria um dinheiro que não tenho para pagar o conserto. Mas por qual razão eu não posso simplesmente ouvir música como se isso fosse algum tipo de luxo anormal que carece de alguma lição superior para me ensinar humildade de perceber que a vida não faz nossas vontades? Eu sei que o universo não liga para mim. Não. Eu não sou importante assim.

O universo.

Deus.

O Tudo e o Nada.

A Verdade.

E até as pessoas ao meu redor, inclusive o idiota de ontem a noite.

Todos são absolutamente indiferentes a mim!

Droga! Eu só queria poder ouvir música sem ser incomodado. Mas que caralho de vida é essa que nem isso é possível? E ainda querem que eu tenha amor a ela? Que cuide dela? Dessa miséria sem fim? Que viva para mim mesmo mesmo quando sou privado até das coisas mais mínimas e que ainda tenha a ousadia de sonhar e sonhar grande? É um absurdo.

A insistência na vida só pode ser fruto de uma coisa: ignorância e desespero. No fim, a vida se encarrega de acabar com cada um de nós. Não há razão para tentar fazê-la feliz. Não há razão para buscar ou esperar alguém. Não há. 

Aceitemos o fato de que vivemos para sofrer e sermos levados sem nenhum alento, conforto ou recompensa. Que vivemos para o desespero constante da solidão. A vida é um vórtice infinito de dor. A única diferença é que, na escala das misérias, há aqueles miseráveis mergulhados em pequenas misérias como eu. Não perdi uma grande riqueza, não tive meus sonhos esmagados, não tive que tenho destruído num desastre natural, não tive a vida decepada por uma doença terrível (ainda), mas não consigo nem mesmo a porra de uma tarde simples ouvindo música. Inferno!

~

"Num verdadeiro círculo de Amizade, cada pessoa é simplesmente aquilo que é: ela representa a si mesma e mais nada. Essa é a sublimidade da Amizade. Não tenho nenhum dever de me tornar Amigo de quem quer que seja; e ninguém no mundo tem o dever de ser meu Amigo. Não existe obrigação, nenhuma sombra de necessidade [...] entretanto, é uma dessas coisas que dão valor à sobrevivência." (C. S. Lewis)

domingo, 8 de setembro de 2024

Mais um Domingo de Melancolia

Identidade. 

Continuo usando a foto de um ator tailandês no meu celular, visível assim para os meus contatos. Agora é o Ford Arun, mas já foi o First Chalongrat e o jogador coreano Lim Sungjin. E por vezes preciso falar com pessoas novas que não me conhecem pessoalmente. Aliado ao nome Kaoru, isso já me rendeu alguns momentos engraçados, como ser chamado de "falso coreano" pela assistente de uma artista com quem precisei falar por alguns meses antes de vê-la de verdade. Comecei por uma grave deficiência de autoestima, normal, mas agora isso se deve mais ao fato de querer dissolver a minha identidade num arquétipo asiático inexistente. Só quem me conhece pessoalmente sabe como eu sou, mas, se depender de mim, vou aparecer cada menos, o que vai resultar num questionamento para esses também: quem é Kaoru Gabriel? 

Eu também não sei. 

É aquele da Igreja? Não se sabe. 

Ele enlouqueceu, ficou rico e se mudou para um chalé no interior de Urubici ou está viajando com um amante pelo Mar Egeu sem usar uma única peça de roupa? Aos poucos eu vou deixar de existir e passar a ser apenas uma ideia, 

uma abstração, 

um conceito. 

X

É um domingo que promete esquentar bastante mais tarde. A neblina amanheceu intensa hoje, e já aprendi que isso significa um aumento considerável de temperatura aqui. Queria que esse clima fresco se mantivesse por mais tempo. Não é frio o bastante para ser incômodo, como precisar usar aquecedor no banheiro. Gosto do clima fresco, poder usar um casaco ou cachecol ocasionalmente. Não transpirar tanto, a pele menos oleosa. 

Mas também é um domingo que promete melancolia. 

Vejo seu esforço em me dizer o que se passa em seu coração. Dias de silêncio pensativo, até que consiga transbordar. Também fico apreensivo e fico, especialmente, com saudades, querendo te abraçar, consolar, te ajudar de algum modo. Mas acho que, na torrente de problemas de sua vida, eu sou mais um incômodo apenas. 

Queria que meu amor lhe fosse útil. Mas não é suficiente, não sou bom o bastante. Se o fosse, mesmo com os empecilhos do sexo, ainda conseguiríamos caminhar juntos rumo a santidade, mas estamos parados, sem evoluir muito. 

Identidade, 
unidade

Queria poder ser um que possa ser o único para você. Mas estamos tão distantes, no espaço, na mente e, principalmente, no coração, que não sabemos onde estamos. Eu não sei por onde vou ou para onde vou, mas sei que meu coração sempre aponta para você. 

E sabe o motivo disso? 
É porque te amo.

E vou dormir, com esse amor ardendo no peito. 

sábado, 7 de setembro de 2024

Feras

Minha cabeça está em branco, o que não acontece com muita frequência. Estou mais acostumado a ficar com o coração vazio. Talvez seja efeito de ter ido dormir um pouco cansado depois da noite de ópera ontem, ou de estar trabalhando num feriado ainda cinza e sonolento, e espero que continue assim, pois não quero muito movimento hoje. 

Estava exausto quando me deitei ontem, e irritado por ter que trabalhar hoje, e um pouco irritado também por concordar em marcar compromissos sábado e domingo à noite, mais uma vez vendo surgir aquela tendência de me isolar e dormir o fim de semana inteiro. Sim, era isso que eu queria, mas bem sei que se deixar isso acontecer sempre, vou acabar por mergulhar num abismo de melancolia do qual não vou conseguir sair, como foi alguns anos atrás, muito embora as perspectivas de socialização não sejam exatamente muito melhores. 

Acho que não acredito muito em mim mesmo, e não sei até que ponto acredito nos outros. Comecei a conversar com mais frequência com um rapaz, sem interesse romântico, mas sempre tenho a impressão que estou incomodando. Sempre encontro alguma razão, não tão razoável, para ficar quieto e isolado. Não devia ser assim. As constantes decepções, os olhares de desprezo, de frialdade, me deixaram com medo de tentar. E então meu estado atual é esse: o de não tentar mais. 

O homem é um animal social, acho que isso já é totalmente aceito, não é? Mas, dentro de mim, sinto a luta de dois animais, duas feras, duas bestas: uma que deseja partir ao deserto e entregar seu corpo, sua vida, ao sol excruciante, num fim solitário e silencioso, pouco a pouco desfazendo seu ser. E outro que deseja ainda acreditar, acreditar que pode ser feliz, que pode encontrar alguém, que pode fazer amigos, voltar a confiar. 

Meu coração se tornou então o campo de combate entre essas duas feras, mas de todo modo, o único a ser devorado serei eu.

"Mas, como o humano é frágil e perecível, teremos sempre de buscar ao redor de nós pessoas que amaremos e por quem seremos amados: privada de afeição e de simpatia, a vida não tem qualquer alegria." (Cícero)

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Um Raio de Sol

Sun in an Empty Room, Edward Hopper

“Há um momento na vida de todo homem em que ele se pergunta: ‘Qual é o sentido de tudo isso?’ E então, ele percebe que a vida não lhe oferece respostas, apenas mais perguntas. Mas talvez essa seja a beleza da existência: viver sem saber, explorar sem encontrar, e ainda assim continuar a sonhar com a verdade.” (Franz Kafka)

Seu silêncio, sua distância, ambos me ferem. Sabe como gosto de dias assim, acinzentados, com um pouco de chuva. Eles combinam com a minha melancolia cotidiana. Mas sem você hoje é apenas um dia cinza, triste, silencioso e solitário. Se fecho os olhos só consigo pensar em te abraçar, em te conter em meus braços, encostar a minha cabeça em seu peito e, sentindo seu cheiro, ouvir as batidas de seu coração. 

Mas acho que não é possível. 

Seu silêncio, sua distância, ambos me ferem. É como se faltasse algo de mim mesmo. Porque meu amor por você se tornou tão grande e tão parte de mim que, com efeito, sua ausência é como se fosse ausência de mim. 

É engraçado o quanto meu coração se expande ao pensar em você, aquela ânsia de amor de que falava S. João da Cruz. Em poucas horas eu fiz questão de dar mais demonstrações de carinho do que uma pessoa normal recebe em toda a vida. Não o fiz pensando em te consolar ou algo assim, não, é antes um impulso próprio, uma vontade que não tenho como controlar. 

É assim com as coisas do coração, coisas que são maiores do que nós. E então eu me inflamei ainda mais quando foi sua vez de dizer que me ama, e que me ama muito. Sabendo da dificuldade que tem para falar dos seus sentimentos, isso se torna ainda mais significativo para mim. 

Então, eu, que já não vivo em busca de nada, que já não dou muita importância para nada e nem ninguém, torno a ver uma luz e, nela, a sua silhueta. Mais uma vez, como disse o santo, como uma luz que me guiava com mais clareza que a do meio-dia, mas, no meu caso, como um raio de sol iluminando aquele quarto frio que, no entanto, não é mais vazio.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Os Últimos Dias

Mas, afinal, o que aconteceu com você nos últimos dias? 

Para muito além de um episódio depressivo, descrito um ou dois textos atrás, que resultou num pânico social incômodo, se apossou de mim aquele vazio tremendo, uma desesperança tão profundamente impregnada no meu ser que, em verdade, eu desejaria não ter sobrevivido a esses dias. 

O sentimento de não ser amado, o desejo de o ser, a solidão tão enraizada em mim, beirando quase o desespero total. Sinto como se minhas reservas de amor tivessem sido esvaziadas pelos próximos cinquenta ou sessenta anos. Muitos confundem com um mero humor ruim, mas não era isso. Outros acham que, por ser um episódio depressivo, era apenas uma fase em que meu coração se encontra descontente com tudo. 

Também não era apenas isso. 

Era, em verdade, um aprofundamento daquela consciência primeira, tão profunda, mas que ainda consegue se mostrar não nova, mas atualizando-se a cada dia: a perspectiva da solidão humana, da mentira do amor, de tal modo que, sendo essa coisa de amor tão falada e colocada em tão alto posto que, a decepção com sua reação face, a da indiferença, é como uma descida ao inferno, mais ou menos aos moldes de Dante, na qual se vê a miséria humana em sua face mais absurdamente maligna. Não tenho medo de dizer que essa solidão é, sim, fruto do demônio. 

Era a consciência brutal do meu amor que fora negado.

Isso em impacto em diversas outras áreas. Nesses dias também se abateu em mim um descontentamento geral, seja com a paróquia e suas invencionices toscas, ou com o trabalho, e a falta de respeito que encontro lá. Com efeito, já não digo que trabalho com orgulho e crente de que esse pode ser um bom lugar para mim, abrindo portas e experiências, antes disso, agora quando acordo só consigo desejar que não tenha que ir, que não precise encontrar todos os dias as mesmas pessoas, egoístas, expansivas e toscas. O resultado disso é que estou cada dia mais triste e desmotivado, e se multiplicam as crises de ansiedade. No trabalho quero sempre voltar para casa e, em casa, quero apenas dormir. 

Já há várias semanas que eu não tenho o menor vislumbre do que é viver. 

O que é a vida? Não sei a resposta, mas certamente não gosto dela. 

"Me submeti às vontades do mundo em que vivo, que se esforça para que todos se esqueçam das lembranças de uma vida com hábitos mais simples, como se fossem uma coisa de mau gosto." (Annie Ernaux)

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Catarse ou Purgação

Gosto como as músicas ajudam a criar certos ambientes nos quais nos sentimos mais ou menos confortáveis. Evito sempre músicas altas no geral, gosto da coisa mais ambiente, e minhas variações se dão então mais no estilo que me ajudam a manusear certos humores em dias mais complicados. 

Durante um dia da última semana eu precisei começar uma tarefa que, não só vinha adiando há muito, como percebi que ela seria ainda mais chata do que de costume. Escolhi então para ouvir o dia inteiro os meninos do Stray Kids. Embora goste bastante deles, admito que as músicas são, em sua maioria, agitadas demais para mim, até agressivas (no bom sentido), e isso me ajudou a criar certa disposição, aliado também a combinação dos óleos essenciais de menta piperita e laranja doce. O resultado foi uma atmosfera mais confiante, a atenção mais desperta, o trabalho fluindo com mais clareza. 

Em dias de mau-humor eu prefiro ouvir um pouco de rap, por exemplo, o TARA (que foi protagonista de dois BLs bem fofinhos) mas que tem uma fixação por bundas e seios fartos, então ele canta coisas como

"I like the way you walk in
Big fat ass I give her my ten
She could suck a soul out my ting"
(TARA)

Embora o conteúdo seja meio bobo, Tara parece um adolescente com os hormônios a flor da pele mas com uma voz grave o bastante para fazer rap e ser bem recebido por isso, mas gosto do estilo meio bélico que ele produz em mim, uma espécie de catarse ou purgação dos meus próprios sentimentos. 

Para hoje, embora eu acreditasse que deveria ouvir músicas ainda mais densas, como as sinfonias 5 e 6 de Mahler, acabei optando pelo Concerto para Piano N° 3 de Rachmaninoff, com Yunchan-Lim como solista, e o Concerto para Piano N° 1 de Chopin, por Seong-Jun Cho. Há algo nessas interpretações, ambas gravadas em concursos internacionais que me cativaram. Para além da aparência dos solistas, afinal Yunchan-Lim é um verdadeiro príncipe, mas a combinação entre as orquestras maduras, sob a regência de maestros experientes, e nomes de idade ainda terna, interpretando peças de uma profundidade emocional gigantescas. Não surpreendendo que essas peças figurem entre as mais executadas do repertório ocidental, mas, em especial o compositor russo, algumas das mais desafiadoras para o instrumento. 

Essa melancolia de ambas as peças. A depressão explorada ao extremo pelo russo e a melancólica visão dos campos de camélia na Polônia geram em mim uma calma. Afinal, meu coração tem estado em afetação constante, em sentimentos conflitantes, 

Em se tratando de Rachmaninoff, o seu 2° concerto foi um grande sucesso dada a profundidade melancólica do compositor em conseguir transpor os sentimentos de sua depressão profunda, após um colapso nervoso, nas partituras. Posso imaginar a plateia atônica assistindo aqueles golpes poderosos do início do primeiro movimento, seguindo do tsunami da orquestra: a depressão que tudo domina. Mas esse concerto é uma escalada, uma passagem do inferno e o purgatório ao céu, culminando nas notas derradeiras que declaram: eu venci. 

Mas em sua próxima obra ele decidiu explorar ainda mais esse lado, ainda tendo algo de triunfal ao fim, mas, de certo modo, se aprofundando nessa melancolia, expressa pela aura, pelo nevoeiro provocado pela orquestra. O que acompanhamos então é a intimidade desse compositor, que em cada nota depositou sua experiência, o seu vazio e até os momentos de maior agitação e desespero. 

Já quanto a Chopin, a contraposição entre piano e orquestra, a melancolia e a agitação do mundo, revelam um dilema comum aos artistas, almas capazes de registrar as experiências humanas mais profundas, em especial na música que nasce dos cantos mais profundos da alma. O homem contempla os longos campos de canola, uma memória de tempos mais simples e felizes, que me recordam aquelas paisagens de Combray descritas por Proust (não conheço muito da literatura polonesa para encontrar lá algum paralelo, fico com Proust mesmo). E, assim como Proust muitas vezes dilui a consciência dos seus personagens nas longas descrições que os cercam, Chopin também se perde entre sua história e a agitação da orquestra. Tudo é feito, no entanto, com tamanha delicadeza que o resultado são obras que, com um pouco de atenção, refletem o que acontece de real, dessa nossa dicotomia entre o que vemos, o que queremos, o que sentimos... 

Ambos parecem lamentar-se sobre seus instrumentos, e é belíssimo, cada nota soa como uma lágrima, um lapso ou fragmento de memória que bate à janela... São belas imagens. A música, sendo a arte que nasce da alma, é um bom refúgio. 

domingo, 1 de setembro de 2024

Ondas

Pacific, Alex Colville

“Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo.” (José Saramago)

O meu sumiço não vai provocar nenhuma comoção. Não canso de repetir, porque essa impressão não se cansa de voltar ao meu peito, que eu não sou importante assim. Não é como se eu colocasse palavras na sua boca, de outras pessoas, é apenas a verdade, e a prova disso é o silêncio. 

Eu sou um momento ínfimo, algo tão passageiro e insignificante na vida de todos que, como algo que tenha sido observado por um ser onisciente e presenciado outros fenômenos tão próximos do nada que nem sequer pode-se dizer com certeza que eles existiram. Assim é comigo também. 

Sempre que me afasto, então, não é sequer notado, todos pensam que eu apenas estou dormindo, porque sim, porque é um capricho qualquer, porque sou preguiçoso ou depressivo. Mas não entendem que o dormir é, para mim, fugir dessa percepção: todos continuam suas vidas normalmente sem mim. Ainda que sejam vidas miseráveis. 

"(...) A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece." (Clarice Lispector)

Eu sei que esse silêncio é justamente um sinal da minha insignificância. Como um átomo a mais que se levantou, uma pequena pichação num muro despedaçado que logo será enterrado pelas folhas altas do mato que cresce descontroladamente. Ainda que continue lá, ninguém percebe, ninguém se importa.

Entende que é isso que quero dizer ao me referir que meu amor foi negado? Isso porque as pessoas sempre aceitam apenas uma parte dele, uma parte ínfima, menor, e dizem que isso é tudo. Vejo a maioria me procurar quando precisa de algo, eu sou uma solução para seus problemas, esquecido tão logo eles acabam. Eles querem apenas essa parte de mim. 

Eu, 

meu eu, 

completo, 

todo amor,

indivisível,

o eu que ama com a própria vida, 

esse amor não é amado, 

esse amor é apenas tolerado, 

um incômodo exagerado, 

porque eu só sei amar sem medidas,

um amor doentio.

Quando então aparece alguém que oferece aquele amor mais conveniente. A atenção de alguém que interessa mais, alguém mais bonito ou que se conforma melhor com os ideais morais kantianos mais toscos e idiotas, quando surge qualquer idiota que se encaixa nessas categorias, o meu amor se torna um amor de segunda classe, um tipo exótico, um tipo que as pessoas sabem que podem confiar até, mas não o tipo que se quer ao lado. Um tipo esquecível. 

É como observar as ondas do mar, o que me recorda que já faz vários meses que não caminho perto ao trapiche do Porta do Mar, aqui perto de casa. Observo as ondas irem e virem, em alguns dias mais agitadas, outras tão calmas que parece até que o mar está a dormir. Mas ondas que vêm e vão, tantas e tão numerosas que nenhuma delas chega a ser tão importante. Virão outras, e depois outras, e mais outras ainda, por milhares de anos têm sido assim e continuará por muitos milhares, então nenhuma delas é tão importante assim. 

Há aqui uma perspectiva cretina da minha parte: essas reclamações, essas lamentações, partem do princípio que não deveria ser assim. Mas quem disse isso? Eu permiti que meus sentimentos chegassem aqui, eu permiti que as coisas ficassem assim. Eu permiti me tornar intenso assim, eu me tornei um incômodo para outro e um algoz para mim mesmo. Ele não pediu meu amor, pelo menos não em toda sua completude, como ofereci, e tomou a parte que lhe cabia, mas o que faço com o resto? É um problema meu, um problema que eu preciso resolver. 

Uma parte de mim quer pedir perdão, de novo, por ser assim. Outra parte quer apenas seguir em silêncio, afinal não sou tão importante assim. Uma outra ainda gostaria de tentar mais, insistir. E uma última tem medo da resposta, da resposta coberta de toda a moral imposta desde cedo, de todo o medo que envolve essa questão, ou da simples verdade: ele não me ama como eu o amo. São amores diferentes, se é que existem amores diferentes e não apenas diferentes formas de demonstrar.

Me incomoda ser ainda tão independente de um amor, ao mesmo tempo que sou tão amargurado com essa coisa toda. Reclamar sempre do amor é coisa de quem nunca foi amado, ouvi isso alguns anos atrás, numa festa, de madrugada, e me lembro que doeu muito ouvir isso. Mas hoje vejo que é verdade. Eu nunca fui amado. Eu não sou suficiente para ser amado. É um grande sinal de imaturidade pretender entender complexas questões filosóficas e teológicas quando algo assim ainda é um problema tão grande para mim. Preciso crescer. 

Minhas ondas continuam. Meu silêncio continua. Meu amor continua. E nenhum deles é importante. Só recebo em troca o silêncio.

[...] Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.

(“Sou” de Jorge Luis Borge)

A Confusão Mental de Cada Dia Dai-nos Hoje


"O início da Instrumentalidade.
O que as pessoas perderam. 
As mentes que desapareceram, afobando-se para preencher o vazio da mente.
A complementação. 
A Instrumentalidade que fará todas as coisas se tornarem inexistência, já começou!" 
(Neon Genesis Evangelion)

Acordei por volta das 5h da manhã, domingo. Tinha deixado a playlist rolando no automático e, quando acordei, começava a tocar The Moon Represents My Heart, o clássico de Teresa Teng, na voz do elenco de Moonlight Chicken, Earth, Mix, Fourth, Gemini, First e Khaotung. Sei que acordo essa hora por causa de um tipo de insônia específica do episódio depressivo, falta algo na produção de serotonina que, numa pessoa normal, seria produzida a essa hora, e então o corpo simplesmente desperta, pulando essa etapa do ciclo do sono. Mas, mesmo assim, acordar ouvindo uma obra-prima dessa, é algo que realmente deixa meu coração melhor. E continuei feliz quando vi que a música seguinte era do Jeff Satur, afinal era uma playlist que mesclava faixas aleatórias com as dele. Talvez não seja um indicativo da melhor saúde, mas certamente foi uma boa forma de começar o domingo. Daqui a pouco já é hora da missa, melhor continuar acordado mesmo. 

Levantei, fui, mas já na missa eu sentia vontade de sair correndo, me esconder debaixo das cobertas, não falar com ninguém. Queria, se pudesse, não ter falado, não ter ficado ali. Não por algo que tenha acontecido, pelo contrário, hoje foi ordinariamente normal, mas eu não estava. Me veio aquele ímpeto contraditório, tanto de me permitir crescer, no sentido de uma personalidade mais expansiva, ao mesmo tempo que queria correr e não precisar mostrar essa personalidade, ou nenhuma. 

Hoje a tarde tem mais uma visita do grupo de jovens ao lar de idosos, e eu queria ir, queria mesmo, tanto pela já conhecida e mais do que válida experiência de contato com a fragilidade humana, bem como a sabedoria adquirida pelas décadas, tão necessária em nossos dias. Mas veio aquele click, me dizendo que eu não deveria ir, que estar lá seria ruim para todos, que não poderia ser boa companhia para eles.

Também poderia me aproximar mais de algumas pessoas, conhecer elas um pouco melhor e permitir que me conheçam também, se o quiserem. Quem sabe aquele moço que sempre passou reto por mim possa se abrir um pouco. Ou eu consiga desfazer a impressão que ele tem de mim. 

Talvez ele não tenha nenhuma e nunca tenha me visto. Talvez ele finalmente possa me ver, e me abraçar e sorrir! 

Mas não será hoje. 

Fui vencido pelo pânico social de um episódio depressivo.

Hoje eu vou me fechar mais uma vez. 

E na semana vou reclamar por estar sozinho. 

É sempre assim. 

Sozinho enquanto sozinho mesmo e sozinho mesmo em meio aos outros. 
Sozinho numa existência miserável, não é mesmo?

Falamos brevemente sobre isso não foi? Como você se sentiu sozinho quando seus amigos foram lá sem você. Também me sinto assim sempre que vejo todos sorrindo e acompanhados enquanto nós nos fechamos cada vez mais. 

Eu fui duro ao dizer que você, mesmo percebendo a miséria ainda nega meu amor que poderia te ajudar, porque o seu amor me ajuda. E você não gosta que tire essas conclusões por você. Mas são amores diferentes, ou ao menos expressos de forma diferente. Eu amo, e digo isso. Você ama. Por não ter uma resposta eu fico perdido demais, e então acabo falando por você, o que é estúpido, mas também é desesperado. Eu só queria que aceitasse que um amor pode ser mais do que uma amizade, e pode sim ser um relacionamento sem um contato sexual, com disse algumas vezes: intimidade não é sinônimo de sexo, eu só queria estar próximo do seu coração. 

Mas eu não sou o único culpado por falar por você, e falar demais. Você também o é por não falar. E não digo falar coisas vagas e de interpretação ambígua, nem mesmo de usar a objetividade para se esconder. Me refiro a falar a verdade, o que sente, como sente, quais são seus limites reais hoje e os potenciais a serem resolvidos. Sinceridade. 

Mas não posso exigir isso. Você nunca pediu que eu o amasse assim. É tudo culpa da minha cabeça, e é justo que eu sofra por deixar esse sentimento me dominar assim. 

Eis o panorama confuso da minha mente: 

Perdido numa igreja cheia de fiéis, chateado por pensar o quão péssimo formador eu sou. Quando as lideranças e coordenações me enviam mensagens do tipo "vamos fazer um mural ao lado do presbitério" ou ainda "vamos fazer dança litúrgica", eu me estremeço e me entristeço. Os últimos seis meses de formação não serviram de nada para entenderem que a liturgia não é feita de inovações criativas, mas de repetições solenes que vão, de modo helicoidal, nos aproximando dos mistérios divinos. A repetição pode parecer um suplício, mas me lembro das palavras de S. Paulo da Cruz:

"Quem me dera descrever 
O tesouro tão divino 
Que o grande Deus Uno e Trino
colocou no padecer."

Ele disse que não conseguiu, mas ainda foi mais feliz do que eu. Eu ouvi S. Paulo da Cruz, mas ninguém parece ter me ouvido, e as invenções não param de chegar. 

Confuso por me sentir sozinho e querer sair, conhecer e falar com mais pessoas. Confuso por saber que todas têm nenhuma ou alguma impressão negativa sobre mim, e que terá um grande muro nos separando. 

Campo A.T. 

Terror Absoluto. 

A barreira definitiva entre as pessoas. 

Confuso por amar, dizer isso e incomodar. 
Confuso por me incomodar com o que não é dito. 
Confuso por querer um beijo e um abraço apertado. 
Confuso porque tudo é complicado demais. 

Confuso. 

Vou dormir. 

Claro que enchi a cara de remédios, 
talvez acorde já à noite e abra uma garrafa de vinho. 
talvez eu devesse ter me esforçado para ir...

"O cigarro mais forte, o whisky mais antigo e o amor mais intenso. Sinto atração por qualquer excesso que possa acabar me matando." (Fernando Machado)