sábado, 7 de setembro de 2024

Feras

Minha cabeça está em branco, o que não acontece com muita frequência. Estou mais acostumado a ficar com o coração vazio. Talvez seja efeito de ter ido dormir um pouco cansado depois da noite de ópera ontem, ou de estar trabalhando num feriado ainda cinza e sonolento, e espero que continue assim, pois não quero muito movimento hoje. 

Estava exausto quando me deitei ontem, e irritado por ter que trabalhar hoje, e um pouco irritado também por concordar em marcar compromissos sábado e domingo à noite, mais uma vez vendo surgir aquela tendência de me isolar e dormir o fim de semana inteiro. Sim, era isso que eu queria, mas bem sei que se deixar isso acontecer sempre, vou acabar por mergulhar num abismo de melancolia do qual não vou conseguir sair, como foi alguns anos atrás, muito embora as perspectivas de socialização não sejam exatamente muito melhores. 

Acho que não acredito muito em mim mesmo, e não sei até que ponto acredito nos outros. Comecei a conversar com mais frequência com um rapaz, sem interesse romântico, mas sempre tenho a impressão que estou incomodando. Sempre encontro alguma razão, não tão razoável, para ficar quieto e isolado. Não devia ser assim. As constantes decepções, os olhares de desprezo, de frialdade, me deixaram com medo de tentar. E então meu estado atual é esse: o de não tentar mais. 

O homem é um animal social, acho que isso já é totalmente aceito, não é? Mas, dentro de mim, sinto a luta de dois animais, duas feras, duas bestas: uma que deseja partir ao deserto e entregar seu corpo, sua vida, ao sol excruciante, num fim solitário e silencioso, pouco a pouco desfazendo seu ser. E outro que deseja ainda acreditar, acreditar que pode ser feliz, que pode encontrar alguém, que pode fazer amigos, voltar a confiar. 

Meu coração se tornou então o campo de combate entre essas duas feras, mas de todo modo, o único a ser devorado serei eu.

"Mas, como o humano é frágil e perecível, teremos sempre de buscar ao redor de nós pessoas que amaremos e por quem seremos amados: privada de afeição e de simpatia, a vida não tem qualquer alegria." (Cícero)

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