terça-feira, 24 de setembro de 2024

O Avançar das Sombras

Não foi um episódio depressivo, eu não senti o mundo ao meu redor ficar mais lento e nem uma lente anuviou e minha visão. Não, foi outra coisa. De repente, uma tristeza imensa tomou conta do meu coração e logo se espalhou por todo meu corpo. Eu queria então sair dali, sair correndo. 

"Você está bem?" 

Li um tempo depois numa notificação. Não, não estava bem, eu só queria desaparecer. 

Passei uma parte da celebração olhando um jovem abraçado com a namorada. Em outro dia eu teria provavelmente ficado com ciúmes, já que o observo há tanto tempo, mas não fiquei, antes disso, não senti nada. Olhei ele bem no fundo de seus olhos, como fiz tantas vezes cheio de desejo, mas dessa vez eu não sentia nada, indiferença até ao olhar dele que encontrou o meu várias vezes. 

Outro olhou para a cruz por um bom tempo, e acho que tudo ao redor sumiu naquele instante. Ele já me ignorou várias vezes, na maior parte parece nem se dar conta da minha presença, mesmo que estejamos próximos. Mas ali, enquanto de pé ele olhava o Cristo crucificado, e eu o olhava, parecia que tudo ao meu redor sumira também, e senti uma angústia profunda. Acho que compartilhamos a solidão daquele instante. Talvez no coração dele também ecoava "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"

Não sei o que foi isso, mas sei que uma escuridão tomou conta de mim, apenas isso, e mesmo agora eu quero apenas ficar quieto e em silêncio, já que não me é permitido desaparecer completamente. 

Talvez, depois de apenas dois dias, eu tenha entrado num episódio depressivo de novo, já que é tão escuro assim. E é escuro, e frio, e parece avançar cada vez mais rápido. E parece que nada vai sobrar. Será que eu finalmente vou desaparecer?

Percebo agora como os dias passaram. Minha casa está suja, vejo sinais de bolor por conta da umidade, cabelo no chão, embalagens de remédio vazias, até o notebook em que escrevo isso está sujo e cheio de gordura. Parece que as últimas semanas demoraram meses inteiros, e eu fui descendo cada vez mais no fundo do poço. 

Eu tinha perdido peso, pouco mas já era alguma coisa, e me olhando no espelho vejo que estou ainda pior agora. É isso que a depressão faz comigo.

Não quero falar, responder ou me humilhar. Não estou mais indo dormir por prazer, apenas para não ver os dias passarem. Trabalhar é uma tortura e ficar em casa também o é, isso porque todo aspecto da existência se tornou penoso. 

Não fiz as escalas da festa ainda, preciso organizar mais ensaios, eu mesmo ainda não estou completamente afiado em todas as músicas, mas completamente indisposto de todas essas coisas. Enfim, é como se eu não estivesse realmente presente. Mas também não estou ausente, pois isso implicaria que eu conseguisse desaparecer. E eu estou numa espécie de limbo da existência. Rodeado de vazio e silêncio. Contemplando o crucificado e rezando baixinho "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?"

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"Nem dez pessoas iam aos últimos recitais do poeta espanhol Blás de Otero. Mas quando Blas de Otero morreu, muitos milhares de pessoas foram à homenagem fúnebre feita numa arena de touros em Madrid. Ele não ficou sabendo." (Eduardo Galeano)

Um comentário:

  1. É como sentir na pele o que você está sentindo. Que a Virgem Maria, lhe acariciando como uma delicada flor no jardim do mundo, lhe mantenha firme.

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