sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. V

That Gentleman, Andrew Wyeth

Me sinto sufocado, e não é pelo clima quente e abafado dos primeiros dias da primavera. Embora o ar esteja úmido e pesado, acertando como um tapa ao sair do ambiente condicionado, o que sinto é o corpo voltando aquela letargia depressiva. Entendo agora que as últimas semanas inteiras têm sido um episódio depressivo maior com alguns traços mistos que me fizeram achar que já estava passando. Na realidade não estou tão ruim quanto estava, mas ainda assim tem sido bem difícil. 

Nesses dias qualquer coisa que aconteça é maximizada. Acabei me atrasando ontem, cheguei em casa mais de quarenta minutos mais tarde, cansado, irritado, e só queria então assistir e dormir. Acabei me emocionando e chorando com os dois episódios que assisti. Hoje, para levantar aqueles minutos foram como um eterno suplício. Centenas de milhares de anos se passaram até que eu conseguisse reunir forças o suficiente para sair da cama. Dormi durante boa parte do caminho, a cabeça batendo no vidro da janela do ônibus, o exemplar da Epopeia da Criação amassado no colo. 

Amaldiçoei o mundo, o universo, todas as pessoas, mil vezes, quando ouvi a campainha tocar, pontualmente às nove da manhã, indicando que já haviam pelo menos trinta crianças me esperando. Desci cada degrau proferindo impropérios, esconjuros e imprecações. Agora, duas horas depois, quase sem voz, estou tomando meio litro de chá-verde para ver se consigo tirar alguma energia para terminar o dia que, a despeito disso, está só começando. 

E as pessoas estão irritadas, e apressadas, e confusas, e tudo é urgente. Eu não sei se hoje queria voltar para a cama, acho que não. Estou me sentido sufocado com o ambiente fechado, e ainda nem começamos o verão. É meio claustrofóbico assim. Acho que queria comer algo diferente, mas também não sei o que é. Para além do apetite minha alma também clama por algo, que também não sei o que é. 

"Memorizo todo o meu passado e involuntariamente me pergunto: para que vivi? Com que fim nasci?" (Mikhail Liérmontov)

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