quarta-feira, 18 de setembro de 2024

A Condenação de Cada Manhã - Pt. II

"Ungi, arrota, 
che la lama guizzi, 
sprizzi fuoco e sangue! 
Il lavoro mai non langue, 
dove regna Turandot!" 

(Giacomo Puccini)

Levantei com muita dificuldade. Nem consigo descrever a força que me foi necessária para isso. Era como se precisasse erguer a abóbada do mundo sob meus ombros, mas não, não era nada disso, era apenas erguer o meu corpo da cama.

O tempo continua meio nublado, mas não aquele nublado belo, o aconchegante de que tanto gosto, não, é apenas triste, sem graça, pesado. Como se, mesmo brilhante, o verde do jardim diante dos meus ficasse opaco. Se fecho os olhos, só sinto o vazio a crescer e me consumir. 

Me arrastando por onde quer que passe, buscando algum conforto ou o mínimo de energia no café, ou no chá verde, sem muito sucesso. O sol até abriu um pouco, fazendo as folhinhas do jardim brilharem num verde vivo, mas eu as vi com uma lente cinza. 

Me disseram que eu deveria fazer terapia, acho que minhas alterações de humor voltaram a ser visíveis, ou talvez seja o fato de eu ter dito isso claramente, aliás acho que eu deveria tirar aquilo de lá. De todo modo só queria poder voltar pra minha cama e dormir. Até acho que a terapia seria algo importante mas, se fosse para salvar alguém que merecesse salvação, ou alguém que ainda tivesse salvação, mesmo que condenado. E eu já não tenho salvação. Eu tenho sono, e mais do que isso, uma vontade absurdamente entranhada no meu ser de simplesmente desaparecer, voltar ao nada.

Até acho que tenho algumas coisas pra fazer, mas não consigo me atinar muito a isso. Tinha planos de gravar alguns vídeos de poesia hoje, mas é impossível, não consigo também. 

Levantei com muita dificuldade. Nem consigo descrever a força que me foi necessária para isso. Era como se precisasse erguer a abóbada do mundo sob meus ombros, mas não, não era nada disso, era apenas erguer o meu corpo da cama. Mas eu consegui, depois de um esforço hercúleo. E cheguei até aqui. E só consigo pensar, até quando essa tortura chamada vida vai continuar. 

"Tu tinha os olhos tristes
como dois corpos cansados.
E quanta tristeza tinhas
em tuas mãos escondida!

Cheguei. Chegaste.

Esta vida
me foi melhor desde aquele 
dia em que tu me conheceste
que eu era triste também..."

(Pablo Neruda)

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