quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Da ferida de amor

E quanto ao amor? O que fazer quando ele aparece sem avisar, marchando em nossa direção não como um sonho de uma noite de luar estrelado, mas como um exército prestes a tomar para si nosso ser, derramando no chão frio o nosso sangue? 

Oh amor, tu ages como um carrasco, sedento pelo sangue dos enamorados e ébrio de morte por todos aqueles que se entregam ao seus braços. Oh coração, tu respondes ao chamados doces e idílicos dessa cantante do amor como se dele dependesse sua existência, e busca aquilo de que nunca precisou. 

Aquele que disse que flecha de amor não dói, mentiu, e mentindo acreditou que se tratava de amor. 

Quanto mais fechamos os olhos, quanto maus fugimos e nos escondemos ele sempre nos encontra. Até mesmo nos cantos mais remotos de nosso próprio mundo não há como fugir do amor. "O coração quer o que ele quer" dizem os homens, e essa máxima cai como um golpe de martelo, frio e duro, sob a certeza de que não há como fugir da dor.

Mais uma vez tomo para mim as palavras de São João da Cruz, que disse que ferida de amor jamais se cura, senão com a presença e a figura, isto é, a figura, ou a presença, dá poder ao amado sob o amante. Poder de curar, mas também de ferir. 

Não há como fugir do amor, quando este não pode sê-lo senão mais do que apenas deveria ser, mas há como fugir das figuras que nos apresentam como sendo amor. Não é a mais fácil das fugas, fugir daquilo que tem sobre nós um poder claramente sobrenatural que muitas vezes supera e muito nosso próprio entendimento, mas é a única coisa que a alma amante, como cervo ferido, pode fazer. 

Onde buscar conforto, se o conforto desejado é nos braços do amado? Há na terra exílio para quem ama assim? 

Há na terra conforto apenas nos braços do amor, do mesmo de quem fugimos, mas que em outra pessoa se encarnou. Há na figura, diferente da figura que um dia nos matou. Há que se encontrar num outro amor, que pode muito bem estar dentro de nós mesmos. E assim dize-nos o amor "e se me encontrar quiseres, a mim, buscar-me-às em ti"!

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