sexta-feira, 28 de julho de 2023

Um sonhador e um pessimista

"O que cresce na solidão é o que cada um leva consigo, inclusive a besta interior." 
Friedrich Nietzsche

Acho que eu a choquei quando disse que eu já tinha desistido. Choquei ao dizer que já não esperava mais por ninguém. Mas é a verdade. Acontece que eu já me chateei tantas e tantas vezes, já senti tanta dor ao me apaixonar, ao me apegar, ao criar toda sorte de dependências emocionais, que eu já não consigo mais. 

Hoje no caminho pro trabalho eu encontrei um rapaz que sempre costumo ver na volta pra casa, só que havia uma diferença entre vê-lo de manhã e como o vejo após o expediente. Ele estava tranquilo, na sua alvura singular, sem se importar com o frio intenso, usava só um casaco fino e uma calça bege enquanto eu coloquei duas calças e quatro camadas de roupas para conseguir sair, e ele sorria sem conseguir se controlar depois de olhar para o celular, apertando os lábios pálidos que ficaram levemente rosados e molhados. Eu olhei para ele, que estava com um dos braços erguidos segurando no apoio do ônibus, o corpo reto, com um ar de simplicidade, os cabelos pretos mais ou menos penteados começando a se enrolar em pequeninos cachinhos e os olhos tão negros quanto uma noite escura, mas brilhantes e vivos, resultado, imagino, do que alguém disse e que o fez sorrir daquele jeito. 

Mas essa bela visão veio acompanhada de um bloqueio. Como se a imagem dele só pudesse avançar até certo ponto, como se, ao olhar seus olhos negros, eu imediatamente me fechasse a eles. Porque eu sei que aquele sorriso foi motivado por outra pessoa, porque eu sei que ninguém nunca sorriria assim por minha causa, porque eu sei que, por mais que eu tente, algo em mim afasta as pessoas, fazendo com que me torne sempre o amigo, o ouvinte, aquele que aconselha (mesmo estando sempre perdido), mas nunca o amor. Eu sou aquele que, como uma miragem, desaparece da vista quando perdem o interesse, eu sou aquele que só é procurado quando precisam, eu não sou aquele que se lembram no momento de descanso, de prazer, eu sou o companheiro da necessidade, e até me sinto feliz em ajudar, me sinto mesmo, mas eu queria ser alguém a quem chamam também nos momentos de sorriso. 

Quantas vezes por isso, por causa dessa distância fundamental entre dois universos, dessa distância tão abissal que faz com que talvez duas pessoas jamais tenham sequer se visto completamente, quantas vezes por causa dessa distância eu me fechei. Me fechei em histórias que, explorando o reino da possibilidade universal, me faziam sonhar com tudo aquilo que nunca tive e que nunca terei. Homens lindos de sorriso encantador, costas largas, corpo forte, personalidade cuidadora e atenciosa. 

E por isso que aquele belo rapaz no ônibus não passou dessa barreira, eu simplesmente não mais permitir me deixar encantar com ele, ou qualquer outro, porque tão logo vejo os seus olhos brilhantes ou sua postura altiva eu já sinto o gosto amargo de todas as decepções, de toda a dor e de todas as vezes, as muitas e inumeráveis, em que eu fui deixado, em que fui trocado, em que não conseguia alcançar o coração deles por mais que tentasse, sendo lançado quase ao desespero por isso tantas e tantas vezes. Eu não quero mais, então agora são eles que não alcançam mais o meu coração, jardim fechado e fonte selada onde, em suas águas cristalinas, se refletem os olhares que trago nas entranhas esboçados.

2 comentários:

  1. Cazuza escreveu
    “Pra quem não sabe amar
    Fica esperando alguém que caiba no seu sonho”
    (Pequeno diálogo para ajudar)
    O que é amar?
    _Demonstrar estima, apreço; gostar muito_
    Mas como?
    Expressando as manifestações mais convenientes ao seu perfil
    E quando faço isso?
    Quando encontrar alguém. Alguém, que antes de tudo, não seja idílico e irreal, um mero sonho de noites angustiantes. Alguém que tenha conexões com você , que se encaixe e que o queira também.

    O problema do medo e temor pelas feridas passadas, vem-provavelmente-, deste ‘querer amar/encontrar um sonho’, o que por si só já é errôneo. A ideia de sonho é fatal; imagine sonhar a vida inteira com alguém, cada nuance e detalhe imaginado, até que um dia, você a encontra. Em seus sonhos, tudo ocorre perfeitamente, mas e na realidade?! E se tudo der errado? E se ela nem olhar pra você ?Imagine o problemão. (Isto cabe a qualquer ocasião.)
    Amar pode ser uma perdição, mas a partir do momento que você apenas teve amores fadados a dor , você está portanto uma visão parcial diante da questão.
    Contudo, o principal problema do amor é este: ele é tão bom que sonhamos com ele a vida inteira, montando cenários que queremos viver um dia com a fantasia criada. São tão idílicos e utópicos, que quando aparece alguém que beira a normalidade, ofendemo-nos. Queremos fantasia e beleza, mesmo que a vida seja a antítese disto.

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    1. Esse é exatamente o pessimismo (ou seria realismo?) que me é tão caro e que convive comigo ao lado de igualmente irreal idealismo.

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