quarta-feira, 31 de julho de 2024

Sombra


"Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar..." 

(Álvaro de Campos)

Tomado por aquele pessimismo de novo, daquela desesperança tão profunda que me faz olhar tudo ao redor com profunda apatia, tédio pela perspectiva mesma da existência. Bom, dizer que é algo que me toma de novo não é bem preciso, não, essa sensação está sempre presente, apenas revisita com um pouco mais de intensidade às vezes.

A vontade é de ficar o dia inteiro na cama, sem responder a ninguém, como fiz ontem, aquela escuridão acolhedora, tão semelhante à escuridão do meu próprio coração. Mas infelizmente não é possível. A desgraça da vida social. Dormi a maior parte do dia, acordei brevemente para ouvir a Sinfonia N° 1 de Brahms e a de N° 6 de Tchaikovsky antes de adormecer novamente, voltando à doçura da inconsciência. 

Não houve sequer tempo, ou disposição do espírito para uma meditação mais profunda, sobre o que quer que fosse. Já há alguns dias pensei em esboçar um ensaio sobre o gnosticismo em Fullmetal Alchemist Brotherhood, mas me falta exatamente ter disposição a começar. 

Disposição.

É uma palavra sem sentido para mim. Olho pela janela e vejo carros passando e uma ou outra pessoa andando, a maioria se escondendo do frio. Mas todos estão trabalhando, correndo para compromissos, acordos, namoros, encontros. Eu nem quero responder meu WhatsApp, a visão de falar com quem quer que seja me cansa: ninguém vai entender e eu não vou entender ninguém também. 

De onde todos tiram tanta disposição?

É preciso trabalhar para viver, mas acho que eu estou fazendo isso errado. Apesar de tanto trabalho, nunca me sobra dinheiro para ir ao cinema ou simplesmente tomar um chopp no fim de semana. Não que eu tenha alguém para fazer isso, é que às vezes ao menos pensar nessas possibilidades me fazem pensar que talvez valesse a pena viver, pelo menos por um breve instante que seja. Talvez tenha algo de essencial na vida que eu tenha entendido errado. Sigo nessa existência entediante e vazia, ansioso pelo fim.

Queria conseguir aderir aquela posição de Sto. Afonso, em que a felicidade nessa vida realmente é uma idealização tosca, no entanto, é possível ser feliz apesar de toda dor e sofrimento tendo em vista a vida feliz da eternidade. O santo doutor na sua sabedoria, herdeiro da tradição católica, é claro, conseguiu o que eu não consegui. Minha posição é mais próxima a de Schopenhauer, de que a vida pende entre o tédio e a dor, não sendo possível a felicidade, ainda que o filósofo dê alguns conselhos em seus aforismos, talvez de modo a pelo menos atenuar a sofreguidão que é essa existência. Eu não consigo olhar mais adiante que isso, apenas a lama atual em que me encerro.

"Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?"

(Álvaro de Campos)

terça-feira, 30 de julho de 2024

Olhar Sensível

É preciso muita sensibilidade para perceber o outro. Para perceber uma sutil mudança no olhar, indicação de uma profunda lembrança dolorida que veio à superfície e que a pessoa conteve com tudo de si. Perceber as mudanças nas palavras, ainda que substancialmente não tenham mudado, e ter a empatia de entender e respeitar o lugar do outro, de admirar à distância ou de oferecer-lhe verdadeira companhia, ou a simplicidade de um sorriso, ou toque confortador. 

Isso me veio à mente num episódio de Takara's Treasure. Obras japonesas costumam trazer essa temática da sensibilidade afetiva à tona, e talvez eu quisesse que mais pessoas ao meu redor conhecessem. Numa sociedade onde o espaço pessoal é tão valorizado, as obras tentam buscar nas pessoas o calor humano de que as relações necessitam. A iluminação é sempre natural, um pouco mais quente, e os ambientes internos aconchegantes e acolhedores, mesmo quando as séries e filmes são gravados no inverno: eles têm como objetivo compartilhar o calor que justamente lhes falta no dia a dia. 

Ao meu redor tenho muita dificuldade de me aproximar das pessoas. E já me referi a isso muitas vezes. Mais recentemente, até mesmo das pessoas de que já era próximo eu acabei me afastando. Isso porque eu tenho me revoltado assustado com todos traumatizados, irritados, cansados demais para perceber o outro com essa delicadeza, com esse acolhimento de coração. Até de quem amo vou pouco a pouco me afastando.

Há aqui certa dose de incompreensão. Eu sou do tipo que diz o que sente, que deixa clara todas as minhas intenções, e nem todos o são. Mas, algo acontece com o mundo, algo acontece ao meu redor, que ninguém se entende, que ninguém parece sequer ver o outro. Daí chegamos ao extremo de negar até mesmo o sentimento mais puro que pode ser oferecido. 

Isso chegou ao ápice nos últimos dias quando disse que percebia que ninguém queria contato, ninguém queria toques, ninguém queria aproximação, ninguém queria invasão do seu espaço, ao mesmo tempo que todos reclamam da solitária existência. Se você é amigável demais, é intrometido, é assim que os outros me enxergam. Se você é mais quieto, é metido. No fim, não temos nunca esse olhar delicado de ver o outro, suas dores, perceber suas necessidades. Não olhamos mais para o outro. 

Me impressiona ainda, caminhando para o fim dessa breve reflexão, o quanto perdi toda e qualquer vontade de fazer as coisas que antes gostava. Depois de literalmente meses eu consegui terminar um dorama que, por não ser BL, tive dificuldae de acompanhar, mesmo sendo excelente. Ao fim, descobri que já foram lançados os novos episódios de outro dorama, também com o Lee Do-hyun, um de meus atores favoritos, e ainda tenho tempo para assistir mais hoje, mas ainda assim prefiro simplesmente ir dormir. 

Talvez continue na outra semana. Ou nem isso. É um dia perfeito para dormir a tarde toda, já que a vida, o trabalho e os desamores me sugaram toda e qualquer vontade de fazer alguma coisa. Até tenho brevíssimos vislumbres de algo melhor, como fazer um chocolate quente em dias frios como esse, mas logo passam, como fumaça por entre os dedos. 

Tenho preferido então a solitária contemplação. Até mudei os planos para hoje, ao invés de assistir um pouco mais na minha folga, vou voltar a dormir, meio bêbado e dopado, pois me encanta estar inconsciente nesse mundo tão horroroso. 

Me encanta não receber olhares frios e de desprezo como ontem à noite. Me encanta não esperar por mensagens e respostas que não virão. Me encanta poder, pelo menos por algumas breves horas, me ausentar de mim mesmo, não precisar olhar no espelho e ver que minha barba já torna a crescer bravamente, diferente daquela pele lisa e perfeita dos asiáticos que assisto, que meu cabelo está uma bagunça, que meu corpo ao menos no inverno fica escondido nos casacos, me encanta estar longe de tudo isso. 

Me encanta nem mesmo sonhar, já há tempos não sonho acordado também.

Me encanta estar inconsciente. 

A vida não é a doce cena de uma série japonesa.

Não vale a pena.

"Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?"

(Álvaro de Campos)

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Quieto

Acordei com a chuva leve batendo no telhado vizinho, um dos melhores sons da natureza. É uma segunda fresca, e me pergunto se dormiu bem - eu adormeci assim que me despedi, e me preocupo em como será sua semana, a começar por hoje, que é sempre o dia mais difícil. 

Têm sido dias distantes para nós, muita coisa acontecendo, interna e externamente, e tenho preferido ficar quieto, ao invés de te dizer tantas besteiras. Já basta o estado escrupuloso em que te deixei e que tanto te machuca e que me machuca também, ao ver o quanto você luta não só contra as tentações, mas contra a si mesmo também, o que é bem pior. Mas ainda é melhor que eu fique quieto. 

Eu já fiz besteiras demais. 

Só posso dizer que me preocupo com você em muitos sentidos, com sua saúde nessa rotina tão exaustiva, com seus sentimentos tão feridos nessa batalha constante contra tudo e todos e principalmente contra você mesmo. Temo que você não aguente muito tempo, tanto física quanto mentalmente, e com isso não resista também espiritualmente.

Só posso dizer que queria poder ajudar de verdade, mas eu só atrapalho sempre e nem ouvir consigo, sem posso ficar em silêncio ao seu lado também. É cruel poder ver você se machucar sem que eu possa fazer nada. 

É dolorido ver quem amamos sofrer, é como uma espada que transpassa nosso coração. E você sabe, assim espero, o quanto te amo. Mas, infelizmente, é um amor imperfeito e insuficiente, um amor que não te serve de nada. Um amor que te é um incômodo, mas que é tudo que eu tenho. 

Se pudesse nunca mais sairia de casa, e se essas coisas que escrevo me dessem algum dinheiro eu ficaria quieto escrevendo sem precisar ver a ninguém. A chuva recomeçou, ainda mais forte. É uma linda manhã chuvosa, acho que vou voltar a dormir. É melhor assim.

domingo, 28 de julho de 2024

Aforismos

"Mas quando nada mais subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício da recordação.(Marcel Proust)

Não sei porque em algum ponto de mim ainda restava um resquício de esperança de ser reconhecido e recompensado. 

Besteira. 

Os idiotas que me rodeiam só enxergam outro idiota. Deus como essa sociedade sobrevive com tanta imbecilidade? Deus, por qual razão deste seu Filho único por nós? Nenhum de nós merece salvação, pelo contrário, olhando bem, pro meu íntimo, e para todos que me cercam, penso que mil infernos ainda seriam pouco para o que merecemos. Tamanho nosso desprezo, tamanha nossa baixeza. Os homens são criaturas vis e insignificantes, não merecemos um salvador, Satanás é o único que deveria ter alguma influência sobre nós, a bondade tendo passado bem longe de nossos corações, incapazes de fazer ou até mesmo de reconhecer o bem. Somos monstros, piores do que demônios, pois nem o conhecimentos destes possuímos. O homem é nada, e deveria se contentar em voltar ao nada, mas não, continuamos, de geração em geração, dando continuidade a essa humanidade maldita.

E me odeio por perceber as tantas vezes que me esforço para ser reconhecido por pessoas tão toscas, tão baixas, tão... 

Sou peixe de águas profundas. E solitárias. Nado sem rumo, em busca de algo que não sei o que é, e quando passam por mim, riem de eu continuar nadando. É que se fecho os olhos e penso em alguma coisa, só consigo vislumbrar as profundezas desse oceano, água obscuras que não consigo ver nada. Essa é apenas a imensidão do que sinto, quando me afogo em meus próprios sentimentos, em meu próprio amo. Não os culpo, os que me olham como alguém que sente em vão, que ama em vão, que apenas se machuca em vão. Também acho que continuo nadando em vão. Se vou morrer de todo modo, devia parar aqui mesmo, e só esperar pelo fim. 

Não é?

Sou muito onde há pouco. 

Expressão tosca com feitio de frase feita por adolescente idiota, do tipo de que lê Rupi Kaur e acha o máximo. Talvez eu também achasse, não tenho muitos critérios. Sou muito sentimento, muitas palavras onde deveria haver silêncio. Julgo conhecer e compreender quando, na verdade, não conheço, apenas arranho a superfície de oceanos que me são repletos de segredos, mistérios insondáveis... 

Eu sou um grande idiota.

Eu estou francamente cansado de todo mundo.

As pessoas não gostam de carinho, nem de aproximação, nem de contato, não gostam que seja muito amigável porque é muito intrometido, não gostam que seja quieto porque é metido. Mas ainda exigem que gostemos delas, mas não demais. Só que eu não quero mais gostar de ninguém. 

Eu estou francamente cansado de todo mundo. 

Inclusive de mim mesmo.

Fico pensando num amor inexistente. Me distraio por alguns minutos com o rapaz bonito que vi tocar saxofone no lançamento de um livro de poesias, mas logo o esqueço, e descubro que é casado. Minha mente volta. O coração não estremeceu nem um pouco, continuou amando, e sendo machucado, pelo silêncio, pelas esperanças infundadas. 

Meu amor e minha melancolia são minhas constantes. 

Recebo palavras hostis e um olhar pouco amigável, já me fecho em mim mesmo, esperando a aprovação daquele garoto que provavelmente só me despreza e eu nem sei o motivo porque nos vimos pouquíssimas vezes. 

Torno a pensar no oceano profundo, ponho a mão no peito, sinto o calor do meu sangue a pulsar...

"É assim com nosso passado. Trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência permanecem inúteis. Está ele oculto, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca." (Marcel Proust)

sábado, 27 de julho de 2024

Um Século de Amor

Foram cem anos. 

Um século de noites solitárias, em que todas as feridas se abriam em brasa ardente, uma lancinante tortura que só diminuía lentamente com o nascer do sol. Tudo isso suportado pacientemente para que o amante pudesse novamente encontrar sua amada. 

Eis que finalmente se deu o tão esperado encontro. Já não havia mais dor. Depois da aceitação de que aquele rapaz era sua amada, depois de aceitar que não poderia viver sem ele, depois de entender que seu corpo, sua mente, seu espírito, tudo o fazia girar em torno daquele rapaz... 

Depois de cem anos, o toque apaixonado, o toque que se encerrou por todo esse tempo, o toque que eles nunca tiveram. O olhar revelando todo o desejo que guardou também. Ambos despindo um ao outro com delicadeza, observando atentamente cada pequenino detalhe de seus corpos. O beijo no lugar onde sua amada levara o tiro, nas mãos que o salvaram, o aconchego no corpo que lhe ensinara o que é o amor. 

Depois de um século inteiro de espera, eles finalmente se entregaram, finalmente seu amor pudera se expressar, finalmente puderam conhecer o que significa tornarem-se um só. Como descrever uma noite que demorou tanto a chegar? Que tantas vezes pareceu se perder num céu de negritude? Que era apenas dor e saudade, sem fim?

Novamente o olhar cheio de significado, 
o carinho de cada toque, 
o perfume daquele corpo, 
a troca de sorrisos, confiança
a gentil sinergia: 
toda aquela espera consumada naquela noite.

Finalmente a espera acabara, os amados se reencontraram.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Superando barreiras

O medo de perder seu amor o fez tomar uma atitude, uma atitude que desse vasão a todo aqueles sentimentos conflitantes que ele passou a dar mais atenção quando aquele médico, aquele com a aparência idêntica ao homem que tirou a vida de sua amada há cem anos, apareceu novamente na vida daquele que, supostamente, seria a reencarnação dela.

Então, na eminente possibilidade de ver perder mais uma vez seu amor, ainda que não aceite que ele é seu amor, o homem de cem anos resolveu agir e, lutando contra seus ímpetos, preconceitos, deu um passo diante dele e finalmente se aproximou. 

Cem anos! Um século inteiro de espera. E agora, diante de seus olhos, o mesmo homem que destruiu a possibilidade da felicidade, ameça levar para longe aquele que apareceu, que é um incômodo, é verdade, mas que de algum modo o fazia flutuar sempre para o seu lado. Ele não podia permitir. Não, isso não é uma possibilidade. A ira que brotava de seu coração desde que aquele novo homem aparecera agora fazia mais sentido. Embora ele ainda não entendesse o que era aquele sentimento por outro homem, tudo que ele sabia é que não podia permitir que lhe afastassem daquele rapaz de novo. É um sentimento de possessão? Ciúmes? Certamente são ciúmes, mas se é isso, só pode significar uma coisa... E ele então, percebendo isso, se aproximou.

Se aproximou rompendo parte daquela imensa barreira que erguera entre ambos, não importava mais, ou ele se aproximava daquele rapaza, transmutando seu nojo em carinho e deixando finalmente vir ao sol o sentimento que reprimira até ali.

Em momentos assim se consegue vencer esses medos, essas incertezas. Em momentos assim só o amor, ali, diante de seus olhos e ao alcance de suas mãos, importa. 

Não conseguiu consumar o beijo, mas tocou sua mão, entrelaçando os dedos, amado e amante: naquela aproximação o coração de ambos finalmente perto um do outro após cem anos! 

Claro que isso me fez pensar também na distância do meu amor, dos muros que nos separam, das minhas dúvidas, das coisas que não entendo... 

Me fez pensar nas minhas besteiras, em todas as minhas conclusões, em todas às vezes que provoquei raivai porque pensei demais, porque passei por cima do que sentiam e não conseguiam dizer, porque, no fundo, eu só queria ser amado, amado como San amou e esperou por sua amada por cem anos, por um século suportando as dores terríveis de cada noite, por dez décadas na esperança de que na manhã seguinte ele finalmente a encontrasse.

~

Inspirado no episódio 5 de Century of Love, com Daou e Offroad

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Nossa verdade

Eu entendi, isso é tudo que pensa de mim. Alguém que pode ajudá-lo a trilhar o caminho da vida intelectual. Em nenhum momento os sentimentos que tenho por você são considerados. Isso machuca, mas é a verdade, o que amor que sinto não é importante, não entra nas suas equações. Meu amor não é amado, é simples assim.

Eu entendi, tudo o que pensam de mim é como um meio descartável para se chegar aos seus objetivos. Nada mais que isso. Bem, em verdade, não somos todos muito mais do que isso, não é?

Foram dias nublados, difíceis, dormi a maior parte do tempo, quase não vi nada ao meu redor e, quando estava desperto, só conseguir ficar consciente das dores no meu corpo, na minha garganta e no quanto gostaria de voltar a dormir. 

Vagamente desperto, eu lidava com uma ira quase inexplicável, como se estivesse revoltado com minha própria doença. Ao fim de tudo era apenas uma gripe, nada com que se preocupar e nem que justificasse minha ida ao hospital, mas infelizmente acabei perdendo meu tempo com isso. 

Meus sonhos eram imagens dispersas, como quase sempre o são, mas ainda me recordo vivamente de tê-lo em mente, e me lembrava do texto que escrevi antes desse. Você tem noção de que aquela era a imagem que tenho do meu amor por você? Talvez tenha notado, ou talvez não. De todo modo a imagem que tem de mim é diferente. Eu tenho uma imagem que condensa e abarca todas as outras. Para você, embora algumas fronteiras não sejam tão claras, ainda há limites que são intransponíveis. 

E essa é a minha, nossa, verdade.

"As paixões cozinham e recozinham na solidão. É encerrado em sua solidão que o ser de paixão prepara suas explosões ou seus feitos." (Gaston Bachelard)

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Algum lugar

É algum lugar afastado das pessoas, da agitação ansiosa a que estamos habituados. Só ouvimos o canto de pássaros desde bem cedo e podemos sentir o calor do sol entrar pelas fretas de uma cortina fina, beijando nossos corpos e nos enchendo daquele calor agradável, delicado. 

Gosto de ver você dormir, ainda mais assim, nu ao meu lado. As pontas dos meus dedos passeiam pela sua pele, por todo seu corpo, explorando cada parte de você e me fazendo pensar cada vez que aquela visão do seu corpo iluminado por raios de sol é uma visão idílica, é o paraíso. 

Depois poderíamos levantar devagar, as canecas de café fumegando, e então iríamos à praia, ou a uma cachoeira, apenas os dois, não há mais ninguém aqui para nos incomodar. Podemos ficar à vontade, e posso ver seu corpo se tornar parte da paisagem, e não apenas isso, mas cada lugar, ao receber a adição de sua silhueta, se torna o mais belho de todos os quadros, como uma tela pintada por anjos, mas aqui nem mesmo os anjos podem nos constranger. Somos apenas você e eu, num mundo nosso e de mais ninguém, onde títulos e nomes não importam, só o que importa é poder ver seu sorriso, o nosso silêncio confortável. Não há escrúpulos, e você pode andar como quiser, de shorts ou sem nada, porque não há pecado e nos ameaçar, há apenas o amor puro, simples e sem a malícia que corrompe a bela visão que temos um do outro.

Essa talvez seja a única forma que consegui encontrar para descrever como me sinto com você. Depois dos dias de profunda escuridão, o calor que você me passou, as palavras que me disse, o conforto que me deu, tudo isso é como uma canção de amor, uma ode à alegria de ter alguém, de ter você. 

Por essas paragens não há nada além do meu amor por você. É o meu Eldorado, minha cidade das maravilhas, Jerusalém de torres fortificada onde ninguém pode entrar. 

domingo, 21 de julho de 2024

Depois

 
"Quem és? Perguntei ao desejo.
"Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."

(Hilda Hilst)

Depois da tempestade, o céu se abrindo lentamente, ainda nublado, mas com nuvens mais claras, mais leves, ao menos aquela negritude e o som brutal dos trovões e dos raios cessou, agora estão longe. Não é como se fosse um belo dia, é mais como se estivesse numa praia nublada e fria, olhando a ressaca do mar depois de uma grande tempestade. Tudo que há é o silêncio, o vazio, o nada.

Ainda quero dormir, mas é como se aquele peso saísse de minhas costas. Isso me ensinou que preciso aprender melhor a lidar com os momentos de baixa frequência. Preciso saber lidar comigo mesmo, ainda sou um problema para mim. 

Ainda sou um problema. 

Ainda sou vazio.

Depois da tempestade, 
depois do vulcão, 
depois do desespero, 
das lágrimas, 
da desesperança, 
do fim, 
ainda sou nada.

sábado, 20 de julho de 2024

Quase

Hoje eu quase tirei a minha vida. E ainda não descartei essa hipótese. 

Não consegui pensar direito o dia todo, mudava de assunto, corria de um lado a outro desbaratado. Me tranquei no banheiro sujo e deitei no chão para chorar, engoli a comida de qualquer jeito, como um animal faminto. 

Se fecho os olhos ainda me vem o gosto amargo que queria fazer sumir. Era tudo que eu queria, sumir. Queria chegar em casa e tomar todos os remédios, deitar e dormir, mergulhando na escuridão profunda. Para sempre. Foi apenas nisso que pensei o dia inteiro. 

E ainda quero isso, esse é o meu desejo profundo, desaparecer, nunca mais voltar aqui, não ficar nesse lugar apertado resolvendo problemas que não existem. Queria, de todo o coração, que a morte me levasse hoje, para qualquer lugar. Que me açoitasse, que me flagelasse até arrancar a pele de minha carne, qualquer coisa, qualquer dor ou sofrimento deve ser melhor que esse inferno. E digo isso consciente de ser uma inverdade inventada pela minha depressão, mas nem por isso deixo de pensar. Como eu queria desaparecer! Mas hoje eu sobrevivi a um dos piores dias da minha vida, só não sei se isso é algo bom.

Passou a noite, mais um dia, e hoje é sábado, o último dia da criação. Em mim permanece, no entanto, o ímpeto da destruição. Um vazio que se tomou conta do meu ser. O esperar pelo fim se tornou minha única esperança. Coisa contraditória a se dizer da esperança, talvez, mas já cansei de buscar o que é certo. Já não busco mais nada, e talvez busque o fim, o longe e a miragem. 

Busquei refúgio no sono, no álcool, no sorriso doce do querido Fourth que, talvez ontem, foi meu herói. Como criança, eu olhava para ele e sorria, no escuro, ainda no escritório, os olhos marejados, enquanto encontrava alguma força para simplesmente ir embora. 

Ontem foi um dos dias mais difíceis da minha vida. Minha cabeça rachada e vazando apenas esse líquido viscoso: a vontade de morrer.

Mas eu sobrevivi. 

Só não sei ainda se isso é algo bom. 

Eu sobrevivi. 

Sobrevivi?

"Sou um homem comum
       de carne e de memória
       de osso e esquecimento.
       Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim
       pânica
       feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
       cessar."

(Ferreira Gullar)

sexta-feira, 19 de julho de 2024

O Perfume de Ylang Ylang

A dor lancinante de lutar contra os próprios sentimentos, de não aceitar aquilo que há por debaixo das aparências imediatas. A dor de esperar cem anos e não encontrar a sua amada como esperava. Essa trajetória mostrada em Century of Love tem me encantado. Como o corpo de San responde à ausência de Wee agora que ele o encontrou, depois de o ter esperado tanto tempo. Mas ele ainda não aceita, não aceita, embora saiba que, na verdade, está apenas negando aquilo que sabe no íntimo de seu coração desde que viu o jovem pela primeira vez: ele é a sua amada! 

Não demorará muito para que o sorriso doce desse rapaz tão novo, mas que já sofreu tanto, possa conquistar o ancião que ainda tem aparência de jovem moço irritado. E ele aceitou as desculpas assim, com algumas latas de cerveja e um momento de companhia na sacada. Quem sempre teve pouco e sofreu muito tende a ser feliz na simplicidade, e ama com a sinceridade de corpo e alma. Wee vai ensinar o San que esperou e se amargurou a sorrir de novo, e San vai ensinar a Wee a transcendência do amor. Apesar de todas as tragédias e percalços que ainda vão acontecer, o coração de ambos já está entregue. O pequeno Wee ainda vai se machucar e San pode continuar a teimar até perceber e aceitar e abraçar com toda vontade, espero que não tarde demais, que o garoto que o irrita tanto é, na verdade, a sua amada. 

X

O cheiro intenso e exótico de Ylang Ylang se desprende do meu colar, e eu espero que ele possa me ajudar a superar essa fase de mudanças de humor. Fico na expectativa de que ele diminua a tensão e me ajude a relaxar nesses dias de intensidade hipomaníaca. Dizem também que é afrodisíaco, nesses dias me vejo sem nenhuma reação desse tipo, ou seja, todo meu corpo se encontra em desequilíbrio. Apelo então para todas as possibilidades. É como se buscasse refúgio nas pétalas dessa pequena flor, na sua delicadeza, no seu perfume...

Teria a flor de Ylang Ylang, em seu exótico perfume, nojo de mim, de quem sou e de minhas práticas como você? Teria a flor de Ylang Ylang o odor capaz de me tornar homem de novo? Mas sendo homem você teria nojo de mim. O que eu posso fazer então senão fechar os olhos e me concentrar nessa inebriante fragrância na débil esperança de que ela me arranque do torpor?

X

Talvez tenha chegado a hora do derradeiro fim, de colocar um ponto final nessa história que há tanto se estende e que ninguém mais lê. Não haverá triunfo do herói que, vitorioso, se ergue dos escombros pisado sobre os corpos de seus inimigos. Não. Só o que posso fazer é desejar que, assim como tem sido essa minha longa vida, que eles tenha uma morte eterna e dolorosa. Só posso me entregar a imaginar a sorte de tormentos que eles merecem. Talvez Dante os tenha descrito melhor, mas imagino algo como tendo sua pele arrancadas por tenazes incandescentes por um tempo sem fim, o que é mais ou menos o que sinto todos os dias. 

Quero chegar em casa, entregar as coisas que comprei para minha mãe, ver um episódio do BL mais recente dos Fourth e Gemini tomando algo doce na caneca cor de rosa que fiz deles e depois encher a cara com todos os remédios que tenho. O que mais querem de mim? O que mais querem arrancar de mim? Não quero mais, não aguento mais ouvir nem uma palavra sequer, nem uma cobrança estúpida, nem uma ideia idiota, nada mais, eu não quero nada mais. 

Já não sinto mais o cheiro das flores de Ylang Ylang, tudo se desfez em rancor profundo, é tudo escuridão. Tudo escuridão. Não vejo saída, apenas o fim.

Sei que eu sou fraco. Não aguentei essa vida. Podem me chamar de covarde, de extremista, não me importo. 

A caneca cor de rosa será usada só uma vez. As que comprei para usar na máquina de café nem isso, ou talvez as use pra tomar com os remédios. Os livros e óleos que estão para chegar nas próximas semanas, bem, não sei e não me importo, ninguém se importa mesmo. 

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Esperando

Rembrandt, “Study of an Old Man”
"Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -
Porque não tinha que ser."
(Alberto Caeiro)

Até cheguei a sentar e colocar algo para assistir, mas acabei desistindo depois de uns trinta minutos, decidi simplesmente ir dormir. É essa a vida eficiente que todos esperam: que consiga dar conta de todas as demandas, todos os dias, independente das dificuldades, sem descanso, sem folga, e sem conseguir nem mesmo ficar algumas malditas horas acordado depois que chego em casa. O tempo de descanso é tão miserável e a qualquer sinal de queda de produtividade, já vêm as críticas, as cobranças. São todos patéticos, todos eles. 

Com essa euforia eu me sinto um idiota, imparável, com ideias que não se aquietam nunca. Gastos e mais gastos, sem parar, sempre afundando mais e mais. E o vazio, que não para de aumentar nunca. Apenas vazio. E como falar de vazio quando tudo parece girar freneticamente o tempo todo? Parece tudo menos vazio, mas não o é. Justamente por ser vazio, o que parece preencher é apenas o meu lancinante e quase permanente grito de pavor diante da existência. 

Permaneço e profundo contato com o vazio do amor que acabou. Acabou comigo, no caso. Foi Edgard Abbehusen que disse que "todo dia alguém deixa de amar alguém por não se sentir cuidado." Mas a verdade é que eu já sabia, sabia que o sentimento era apenas meu, e eu deixei crescer, crescer demais, a ponto de se tornar um vácuo tão poderoso a me destruir, a me consumir. 

O amor que acabou, no entanto, não foi o amor por ele, mas o amor que eu era capaz de sentir. Olho para os rapazes bonitos agora e não sinto mais nada além do desejo de tê-los longe de mim. A solidão se tornou tão comum, mesmo sendo tão assustadora, que agora é minha única companheira inseparável. Nenhum deles fica. Aquele me beijou o alto da cabeça se foi, o que encontrei no ônibus e abracei há alguns dias, se foi, todos se foram. E acho que não posso amar mais ninguém. Mas já cheguei a pensar que nunca mais amaria também. Mas nunca foi assim, tão puro, tão verdadeiro, sendo que antes era apenas obsessivo, me deixava doente, agora quando penso nele fico feliz. Talvez eu não consiga amar outra vez. Ou talvez não consiga amar outro. Não agora. E bem que ele ficaria feliz em se ver livre de meu amor que é um grande estorvo. Imagine só, o amor de um maníaco-depressivo!? Louco e alucinado.

São dias caóticos. Na semana passada eu faltei um dia de trabalho porque a depressão simplesmente não me deixou sair da cama, e nem responder mensagens eu conseguia. Hoje, por outro lado, estou acordado, desperto e atento desde às quatro da manhã. Cheguei duas horas mais cedo no trabalho, fiz um empréstimo e gastei tudo em menos de uma hora. 

É sempre assim, esse descontrole total, ou depressivo, pessimista, querendo morrer a todo instante, descontente com tudo e todos ou assim, inconsequente, super eficaz e fazendo todos pensar que eu dou conta de tudo, quando não dou. Não dou conta de nada, é simples assim. 

E ainda tenho coragem, depois de tudo, de me humilhar perguntando se ganharia um beijo. Assim como não ha limites para as mudanças de humor, também não há para o quanto esse meu coração pode se humilhar. Droga.

As cobranças não param de chegar, nunca, nunca. Mas eles não respondem, não se responsabilizam, não dão a cara pra bater, aparecem, sorriem e acenam e vão embora. Os homens são ridículos e ainda querem que sejamos gratos por toda essa porcaria. 

Gratidão! Que coisa mais absurda! São todos ridículos, patéticos, miseráveis!

Por isso meu semblante, embora não o percebam e talvez achem que sou apenas estranho, é de um velho moribundo, sempre à espera da morte, esperando, cabisbaixo, desiludido e cansado. 

Dessa vida. 

Do amor. 

De tudo. 

Até quando ainda? 

"A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade." (Friedrich Nietzsche)

quarta-feira, 17 de julho de 2024

O Nome Esquecido


"... e durante as minhas mortes
só o travesseiro
a bebida
e os remédios
estiveram comigo.
Não espere 
que eu ligue tanto
para sua presença

Sobrevivi todo o massacre sozinho"

Esse é o motivo do meu silêncio prolongado, sempre estive sozinho, então agora percebo que não há nada tão importante assim a ser buscado ou preservado. Amigo se vão com a mesma facilidade e rapidez com que chegam. Amores? Duvido que existam. Por isso fico em silêncio, não há nada muito importante que precise ser dito, ou que queiram ouvir. 

Não há muito mais que dizer além da constatação de minha solidão: como um ancião que vive sozinho em sua choupana, acendo um velho candeeiro e coloco sobre a mesa, olhando dali para fora, as estrelas que estendem infinitamente acima do orbe, sem que possa dizer a ninguém o que acho daquela visão. O olho não deve durar mais do que alguns dias, mas as minhas forças também não. O manto da noite então será a única testemunha de quem perecerá primeiro: a vida desse velho ou aquela luz trêmula. A disputa é acirrada, o óleo barato queima e desprende no ar um cheiro ruim, o velho, cujo nome todos já se esqueceram e há tanto vive ali que ninguém sequer imagina que naquele lugar haja uma pessoa, já se esqueceu ele mesmo seu nome, nunca mais o disse a ninguém. Quantos anos se passaram ali? Trinta, quarenta? O próprio tempo parece passar de um jeito diferente quando se vive longe dos homens, quando a humanidade passa sem notar sua presença. 

Aquilo que não tem nome, não existe. De um lado há a porta que dá para vastidão de Nix, do outro um grande e velho espelho, marcado pelos tempos imemoriais, quantas imagens já devem ter sido refletidas nele? E agora, diante do espelho, sem reconhecer o velho à minha frente, eu me pergunto: quem sou eu? Olho para o lado e vejo a pequena chama começar a se esvair. 

terça-feira, 16 de julho de 2024

Guerra e Melancolia

Não consigo ficar em silêncio, digo, sem ao menos escrever, conquanto consiga e até goste de ficar sem falar com os outros. Atualmente inclusive tenho preferido ficar só e tenho usado o silêncio a meu favor. Já não insisto mais em amizades; vejo os jovens da igreja sorrindo juntos nas fotos, saindo juntos toda semana, e não participo de nada disso, eles só se lembram de mim quando precisam de algo, aliás como a maioria das pessoas. 

Mas continuo tendo algo a dizer. Coisas aleatórias. Sobre como achei a luta entre Gilgamesh e Enkidu sensacional em Fate strange Fake, com aqueles inumeráveis disparos de armas vindas dos Portões da Babilônia e a dicotomia entre o princípio e o fim que ambos carregam. 

Gilgamesh tinha em si o desejo da vida eterna, mas sua imponência como rei o fazia sinônimo de morte aos inimigos. Sua jornada em busca da vida eterna cruza com a criatura dos deuses, Enkidu, cujo único propósito era destruir o Rei de Uruk, Mas, após uma longa batalha que liberou poder equivalente para destruir e reconstruir o mundo diversas vezes, eles descobriram um no outro uma amizade profunda.

Gilgamesh que mataria a todos para se tornar eterno, já que a essência de seu povo consistia de sua própria essência, ainda que todos perecessem, seu povo permaneceria nele. Esse homem, o primeiro herói, se sacrificou para salvar aquele que fora enviado para lhe matar. 

Enuma Elish, o mito babilônico da criação, se tornou então o grito de guerra desses dois amigos, guerreiros, ambos contendo em si a criação e a destruição. 

Também tenho outras percepções, como mais vez perceber que venho sonhando e me ocupando demais com ideias materiais, esquecendo-me do que é realmente importante. O imanente tem me dominado, e preciso me esforçar para voltar o pensamento ao transcendente. 

Me concentrei um pouco num episódio de Melancholia, a série coreana que tinha parado de assistir quando minha conta na plataforma fora cancelada. Me recordei de como gostei da atmosfera depressiva dessa série, onde os protagonistas lutam para reencontrar suas paixões e assim sair desse estado de apatia que o destino os colocou. Isso e, claro, a beleza inigualável do Lee Do-hyun que é, por si mesma, um remédio contra a depressão. 

Quero falar ainda daquele abraço rápido que dei ao me despedir ontem após a missa. Me senti confortável para fazê-lo e talvez o tenha deixado sem graça, embora não tenha demonstrado. Me senti confortável por todas às vezes que ele me chamou antes da missa, por parecer confiar em mim e buscar apoio e segurança. Mais tarde descobri que era apenas a segunda vez dele servindo naquela posição de responsabilidade, e o fez magistralmente bem. Será que, numa próxima, ele me abraçará? Devaneios de quem quer aquilo que não pode ter.

Por fim, antes de mergulhar na melancolia do sono nessa segunda chuvosa, triste, solitária e silenciosa, me recordo de mais um, o último espero, amor não correspondido, e com o coração magoado, triturado, adormecerei lentamente enquanto o céu chora a minha sorte, ou melhor, chora a minha escolha.

Vou adormecer com o gosto amargo na boca de que ainda sou um problema para mim mesmo. Distante da maturidade necessária a um homem de estudos: sou uma criança com um pouco de cultura filosófica, mas ainda uma criança.

"Eu te olhava e pensava: será o amor da minha vida ou a dor mais forte que eu já senti na vida. Você foi ambas as coisas e a culpa é toda minha que te deixei ser." (Fernando Machado)

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Livre

Me sinto livre, mas acho que não entendem o que isso significa.

Eu escrevo sempre aqui, derramando em palavras torrentes de como me sinto em relação a tudo, a mim, ao outro, ao meu redor. Mas eles não entendem, acham que sou um pessimista exagerado, que sou como uma criança birrenta que reclama de tudo. 

Escrevo sobre meu amor, mas ele não acredita, enxerga apenas a dependência emocional ou carência, não entende.

Quando falo sobre como as coisas andam caóticas na igreja, acham que estou sendo superficial, que me apego a detalhes sem importância. Imbecis. 

Por isso me sinto livre, posso dizer o que quiser que ninguém entende nada, para eles são só palavras, em nenhum momento compreendem a profundidade delas, que saem do meu mais íntimo, que são reflexo do que penso o tempo todo. 

Me sinto livre, pois olhando a realidade, compreendo os limites do meu agir, e entendo também que se aproxima a hora da derradeira decisão. 

Não são só palavras, são a expressão de uma alma atormentada, mas eles não sabem disso. 

Meu amor? Palavras. 

Minhas críticas? Palavras.

Minha existência? Palavras.

São todos idiotas demais para entenderem o que essas palavras querem dizer. 

Por isso me sinto livre, posso continuar a dizer, mas como Cassandra, sem nunca ser ouvido, e posso tomar aquela derradeira decisão sem que se importem. E ainda dirão que não pedi ajuda ou que não conseguiriam ver nada. Idiotas.

Mas afinal, o que quero dizer com essas palavras? Sei que não vão entender, mas direi mesmo assim:

"Um coração vazio e sem alma;
Uma mente confusa e aborrecida;
Os dias nublados do inverno;
A chuva penetrante;
A rua deserta;
Não me escutam quando eu chamo;
Me faço de desentendido quando falam comigo;
Sinto a tristeza me abraçar como um cobertor pesado carregado de frustrações;
As lágrimas que corriam de meus olhos na infância, hoje congelam no meu rosto de profunda solidão;
Não sei se estou feliz;
Não tenho certeza se estou triste ou apenas passando por uma fase difícil;
Parece que tudo vai desmoronar e ao mesmo tempo vai tudo continuar igual;
O mundo é ruim, a vida é uma ilusão de felicidade, e os sentimentos são coisas da nossa mente;"
Nada é real a não ser a dor;

(Eliazer Steuernagel)

sábado, 13 de julho de 2024

A Escolha de Amar

"Não importa quantas vezes eu tenha que escolher, eu sempre escolho a mesma coisa." (My Stand-In)

É sábado a noite, chove sem parar desde cedo, parece que a cidade toda está chorando. Ou talvez seja apenas eu. 

O amor é uma escolha, talvez não do tipo imediata, como se olhássemos alguém e decidíssemos amar. Pode ser também, mas, em geral, o amor é lenta e pacientemente construído, não raramente trata-se de uma decisão que só é percebida quando já tomada e levada às suas últimas consequências. 

Escolhemos amar, escolhemos construir esse sentimento, escolhemos deixar o outro se aproximar, lentamente, e ir a conquistar espaços, quase ao modo do Príncipe e da Raposa do livro de Saint-Exupéry. Escolhemos permitir que o outro cative algo de nós, e nos tornamos cativos de seu olhar.

Mas o amor também é uma decisão do outro. Também é escolha dele tomar posse do sentimento que ele fez nascer, e deixar-se ser amado. Como também é escolha dele não fazer nada, ficar em silêncio e simplesmente não corresponder.

Em alguns casos a escolha do amor pode ser bela, apesar de dolorosa, como o Jo que sempre escolheu voltar para o Ming não importando o quanto aquele relacionamento já o havia machucado: ele sempre escolheria amar Ming. 

Em outras ocasiões pode não ser assim, em outras ocasiões, sendo uma escolha, o amor pode vir de apenas uma das partes, o amor pode acabar se perdendo na indiferença, o amor pode ser uma escolha em que o amado pode escolher não amar. 

No íntimo, naquele ponto em que ninguém mais pode ver, o homem pode assentir ou não ao amor, pode-se escolher... Pode-se escolher o amor da vida ou pode-se escolher lutar contra esse mesmo amor, como se ele nada fosse ou como se fosse um inimigo a ser aniquilado. 

Eis a parte mais complicada. 

Só queria eu, amante inveterado, ser capaz de escolher não amar também. Mas ao que me parece não me foi dada essa escolha. 

Sou condenado a amar.

Mas o amor é uma escolha. E jogá-lo fora também o é. Não era pra ser, porque uma escolha disse que assim o seria.

É sábado a noite, chove sem parar desde cedo, parece que a cidade toda está chorando. Ou talvez seja apenas eu. 

"Somos parecidos"

Não é verdade. Eu escolhi amar e agora estou preso a esse amor. Em contrapartida, fui descartado. 

É sábado a noite, chove sem parar desde cedo, parece que a cidade toda está chorando. Ou talvez seja apenas eu. 

Realmente somos parecidos. 

Ambos escolhemos sofrer. 

Você por não me amar e eu por insistir em amar você.

Acho que sentimos, mesmo à distância, o perigo do lugar para onde a conversa poderia nos levar, e que causaria ainda mais dor em ambos. O silêncio foi nossa melhor escolha.

A chuva caiu mais forte por alguns minutos, acho que eu deveria tentar dormir, já passam das três da madrugada, mas agora não restou nem mesmo uma garoa, apenas as gotículas de água refletindo a luz dos postes na rua. Ainda parece que a cidade toda está chorando, ou talvez seja só eu.

Bobo. 

Somos parecidos.

~

PS.: amanheceu um domingo choroso, triste, cinza. Mas algumas palavras e um abraço ao fim da missa me deixaram ligeiramente mais contente. Sorriso e abraços simples. Volto pra casa para dormir, talvez com a sensação do corpo dele contra o meu, talvez me acalentando, mesmo sem que ele o saiba. 

Renovação de Desesperança

Depois da depressão profunda, de um dia inteiro na cama, veio a euforia. As ideias brotando, a mente sem parar, a empolgação. O que mais vem também é uma espécie de renovação da desesperança total quanto ao meu redor. 

Vejo, por exemplo, decorações de diversos tipos, que combinariam com casas de formas diversas, mas ai eu olho ao meu redor e vejo quantos quadros eu tenho que estregaram porque nunca os colocamos na parede, a espera da tal casa ideal. Sonho tosco e distante, impossível de se realizar. Me vejo então envolto sempre em bagunça, bagunça... Essa casa nunca chega, são adesivos de caderno das crianças que sempre esperam pelo momento certo, e ele nunca chega, porque ele não existe. E até tento fazer do momento atual o único que existe, o único que importa. Mas parece que também não tem dado certo. Estamos apertados, estamos sufocados, estamos endividados, estamos acumulando coisas sem sentido, estamos sem esperança nenhuma. 

Poderíamos mudar? Talvez sim. Reorganizar as coisas, tentar melhorar um pouco, mas parece que ninguém percebe isso. Parece que todos estão acostumados e satisfeitos com isso. Mas eles não percebem que isso está nos matando? Mas como pode algo aparentemente tão tosco ser tão destrutivo?

Tenho uma reunião logo mais, com as pessoas mais obtusas que já conheci. Espero ficar em silêncio, não quero nenhum tipo de relação com eles. Raça de víboras! Transformaram a igreja num circo e o Cristo fizeram de palhaço. Encheram de luzes como uma festa barata, cantaram, gritaram, bateram palmas como se fosse uma festa barata, em nenhum momento silenciaram. Ignoraram tudo que disse e ensinei em nome de uma pretensa evangelização. No domingo seguinte a igreja, apesar de durante seu evento ela estar completamente cheia. 

É a minha provação de paciência. 

"Tenho um apreço tremendo pelas minhas ideias e pelo meu trabalho, mas, na realidade, pense no seguinte: todo este nosso mundo não passa de um pequeno bolor que cresceu na crosta do planeta. E pensamos que pode haver em nós algo grandioso, ideias, obras! Tudo isso são grãos de areia." (Liev Tolstói)

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Primeiras impressões: Century of Love

A ansiosa espera acabou, e o primeiro episódio de Century of Love já está entre nós. A segunda série que conta com Ou Pittaya e Offroad Kantapon de Love in Translation como protagonistas, numa pegada bem mais madura, no estilo dos tradicionais lakorns. 

Antes de falar do lakorn em si, é importante falar dessa diferença entre lakorn e as séries que estamos acostumados a ver. O lakorn tem uma forma narrativa um tanto quanto diferente: mesmo que as produções tailandesas sejam, em geral, mais leves e afetadas que as demais da ásia, os lakorns têm características próximas das novelas indianas e até mexicanas. Os ambientes variam dentre a pobreza das cidades até as suntuosas mansões das grandes famílias, as intrincadas intrigas familiares tornam a narrativa mais densa em comparação com os BLs onde a história gira em torno de um casal com evento que atingem a eles diretamente. Um lakorn apresente uma grande gama de personagens, todos contribuindo para uma crescente complexidade da história que comumente se entrelaçam de modo que a resolução vem apenas aos últimos minutos dos episódios. E tudo isso num episódio mais longo, com a composição geral, trilha sonora, jogos de câmeras, tudo construído para dar uma maior dramaticidade. O resultado é muito interessante.

Em Century of Love a história começa cem anos atrás e vemos San (Daou) se apaixonar por uma jovem que o salvou de uma perseguição. A gratidão dele pela moça se torna em veneração e, logo, uma paixão correspondida. Mas a jovem já fora prometida em casamento a outro rapaz (o belo Pond Ponlawit, de 180 Degrees Longitude Between Us). Os dois fogem, mas acabam sendo pegos e, num ato desesperado, ela se joga na frente do amado, levando um tiro em seu lugar e falecendo no local. O jovem desesperado San procura ajuda de um sábio do templo de uma famosa deusa que, não podendo ressuscitar a jovem, mostra ao rapaz um ritual onde ele pode permanecer vivo por mais cem anos, até que se encontre com a reencarnação de sua alma gêmea.

Cem anos se passam e ele já encontra impaciente, afinal se após esse período eles não se encontrarem, San morrerá. Com a ajuda do novo sábio do templo da deusa, o quarto após aquele que ajudou os jovens cem anos atrás, ele tem a chocante surpresa que a reencarnação da jovem é, na verdade, um garoto, Vee (Offroad) que acabara de se mudar. O choque é iminente. San recusa veementemente que aquela seja sua amada, mas não consegua negar a proximidade sobrenatural entre ambos. Ele salva o jovem de uma queda, depois o reencontra no templo e, numa confusão, acaba perdendo o anel que usara para pedir a sua amada em noivado, e que vai parar nas mãos de Vee, servindo perfeitamente. Nesses encontros os dois se tocam brevemente e, embora San não aceite, Vee está realmente ligado a ele. 

Vee tem a personalidade oposta a de San, enquanto este é um velho ranzinza no corpo de um jovem, está sempre sério e impaciente, ao passo que Vee é como um pequeno raio de sol, de sorriso doce e cativante, jeito meigo e alegre, enchendo o ambiente de calor onde quer que esteja. Essa afetação de Vee também contrasta com a imagem que ele tinha da amada Wat. 

Nos próximos capítulos devemos acompanhar a dicotomia de aproximação e negação de San em relação Vee. Na tentativa de descobrir que foi um engano, eles vão se aproximar cada vez mais e, com a abordagem mais íntima, podemos prever muitas lágrimas, pois as pessoas confusas de seus sentimentos tendem a machucar umas as outras. 

Algumas outras surpresas também se mostraram interessantes, como a presença do meu querido See Parattakorn de Laws of Attraction e mais da química e DaouOffroad que, já no primeiro episódio demonstraram aquela química única em tela. 

A primeira impressão não poderia ser melhor: a série parece que vai combinar o drama e o romance típico dos lakorns além, é claro, de doses de comédia e vão explorar ao máximo a inquestionável sensacional química entre os DaouOffroad. Ansioso pelos próximos capítulos.

Lentidão

As coisas foram ficando mais lentas diante de meus olhos conforme o dia avançava. Como se diminuíssem a velocidade de um vídeo. Passei algumas horas trabalhando em cima de um contrato, mas depois de um tempo as palavras já não faziam mais efeito. Eu as lia, assim como escutava as pessoas ao meu redor, mas já não fazia sentido. Também a força dos meus membros foi diminuindo. De repente levantar o copo de água na minha mesa se tornou um esforço grande demais, preferi ficar com sede. Pensei em todo esforço necessário para ir embora, e pensei em simplesmente deitar no chão e esperar as forças voltaram. Pensei em ter de voltar amanhã, e me pergunto qual seria a punição se eu ficasse na cama o dia todo. Eles não entenderiam. Tentei pensar em coisas que me fizessem feliz, ou que me despertassem. Hoje tem a estreia da nova série dos OffRoad, Century of Love, e também tem episódios novos de The Rebound, We Are e I Hear the Sunspot, meu dia favorito na semana, mas mesmo assim, só penso em chegar em casa, ignorar as aulas da Escola Tomista que, depois de quatro meses, eu voltei a pagar, e me enfiar embaixo das cobertas, sem hora para acordar. Tentei pensar nele, e em como aquelas imagens ficaram fixas na minha mente durante todo o dia, o corpo dele nu e eu o percorrendo com meus lábios, minha língua e meus dedos. Senti então meus dedos gelados se enrijecerem, e caí na real: é apenas um dia frio em que voltei a um episódio depressivo, mais forte que os das últimas semanas, mas igualmente incompreendido. Sozinho. Encontrei uma figura conhecida ao voltar para casa, depois de dormir por quarenta minutos num ônibus. Assim como aconteceu mais cedo, o seu sorriso ao me cumprimentar passou lentamente, e fiquei imaginando ele colocando a mão por sobre a minha no meio de todas aquelas pessoas. Fiquei olhando para nossas mãos próximas, a minha no protetor da cadeira de rodas e a dele no encosto do banco, se eu movesse o braço alguns centímetros poderia tocá-lo, mas não o fiz, apenas fiquei observando até ser abruptamente interrompido e lançado para longe dele que, ao descer, quase não me dirigiu o olhar. E tudo continuava passando lentamente, e eu sozinho. 

quarta-feira, 10 de julho de 2024

A escalada do Amor

Infelizmente marquei um compromisso hoje, quando cada fibra do meu ser implora para ficar na cama e voltar ao calor daquela inconsciência que me é tão cara. Não será possível, infelizmente. Terei de encarar o outro, esforçar meu corpo, fazer-me cantar, enquanto sonho com a tal cama, com o fim, com o descanso, o sossego do silêncio.  

Quando finalmente pude ficar sossegando, aproveitei o silêncio. Me declarei em silêncio e meditei profundamente o meu amor. Tentei não permitir que o pensamento flutuasse demais para áreas que pudessem te fazer infeliz, me atentei então para algumas cenas esparsas, apenas isso. Cenas da pele pouco a pouco revelada, de olhares e gemidos tímidos, de toques apaixonados, de lábios que buscam tocar cada parte do corpo amado. No meu silêncio se desvelaram essas cenas de prazeres profundos, onde se conectavam mais do que corpos, muito mais do que desejos: amores. 

Qualquer outro olhar, que não soubesse o que há por trás dessa ação, diria se tratar de um pensamento meramente físico, corporal, reflexo de um desejo sexual, apenas e tão somente. Em verdade, o que quero dizer quando me refiro a isso, e o que realmente se dá em mim, é o amor que perpassa o campo fisiológico, fenômeno químico e interno. Depois sobe ao sentido do objeto de desejo, no sentido da concupiscência escolástica, então no terceiro nível tem a impressão geral, não definida e nem localizada, que compreende o que comumente chamamos de beleza ou charme, algo quase como uma aura mágica que recobre o outro. Passa ainda pela paixão, por esse posto onde o objeto amado se torna presente e insubstituível na alma do amante. Depois, tudo isso, como num círculo concêntrico, há o enamoramento, o desejo conjugal propriamente dito, o desejo constante da pessoa amada, mas adicionado de tons morais. No fim disso tudo há o amor propriamente dito, um desejo de bem da pessoa amada. No fim disso tudo, o amante compreende tudo o que estava em jogo anteriormente, pois o amor abarca e transcende tudo o que está abaixo dele, não podendo ser resumido a um mero pensamento erótico, por exemplo.

Toda essa escala de ambiguidades que se solucionam a si mesmas e que vão ascendendo, tornando o amor mais genuíno à medida que o amante a ele todo se dedica, está presumido na minha visão, coisa que poucos podem compreender. 

Daí, para mim, ter tanto valor o toque, o carinho, os lábios beijando a carne quente, o corpo que estremece não apenas pelo toque, mas pela perspectiva de toda a eternidade. Esse é um pouco do conteúdo que há nas minhas palavras ao dizer "Eu te amo."

Então, espero que não me entenda errado quando penso em ti, quando penso em nossos corpos juntos, quando penso em tocá-lo, em sentir sua pele na minha, quando penso em tê-lo junto a mim. 

É porque te amo.


terça-feira, 9 de julho de 2024

Dias de Folga

Ksenia Istomina

São apenas dois dias de folga. E alguém decidiu que depois de uma semana inteiro de trabalho esses dois dias seriam suficientes. Malditos! Tão cansado que só penso em dormir o dia inteiro, fiz isso ontem e já tomei os remédios pra fazer isso hoje também. Estar inconsciente me fascina. Não penso nas distâncias que nos separam, nem nas amizades que não fiz, nem nos olhares de desprezo que me lançam mesmo quando faço meu melhor. Eles não se importam, não entendem e só querem que eu desapareça. 

Não os julgo, tudo que eu queria também era desaparecer, não ser, voltar ao nada se isso fosse possível. 

Eu não faço parte desse mundo, algo em mim me impede de ficar próximo dos outros. 

Sou apenas um pária. 

Por isso prefiro a doce inconsciência do não ser, apesar de continuar longe de todos e desprezado por todos, se estou a dormir eu não sinto. 

Não sinto nada. 

E os dias passam, um a um, em uma sequência que nos parece infindável. As pessoas vão se conhecendo, fazendo novas amizades, se aproximando, namorando, descobrindo novas paixões, e eu continuo no mesmo lugar, olhando ao redor com a mesma apatia de sempre, com a mesma monotonia. 

Não tenho nem mesmo imagens claras na minha mente nesse momento. Apenas alguns flashes esparsos que tento fixar. 

Antes de dormir eu me concentro um pouco na música que já repeti três vezes. True Love, do Nunew. A inquestionável aura de romance, a voz tão doce e carinhosa do Nunew, os delicados acordes que se combinam com ela. Tudo isso forma um panorama visual cor de rosa, como um jardim formado pelas flores mais afáveis que se pudesse achar, plumérias, sakura, dálias, orquídeas, numa composição terna e encantadora. Perfeito contraste entre elas e a minha realidade fria e brutal. 

Vou me entregar ao sono profundo. 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Esperando Um Século de Amor

Na expectativa da estreia de Century of Love na próxima semana, que vem trazendo uma trama mais madura para o casal Daou e Offroad em sua segunda série como protagonistas. Algumas vezes, no entanto, o simples passatempo de assistir algo, ou ler algo, é mais do que meramente um entretenimento, mas, com efeito, é um ato profundo e consciente da faculdade de conhecer. Falei a um amigo sobre a profundidade psicológica que a obra parece que vai dar aos personagens.

A trama se trata de um rapaz que, ao perder sua amada, que falecera muito cedo, procura por meios mágicos de estender sua vida até a próxima reencarnação dela. Assim então ele busca uma pedra mágica que o faz viver por mais cem anos, onde ele pacientemente esperou para descobrir que ela reencarnou no corpo de um rapaz que, embora o atraia, vem com a questão: o que ele realmente amava nela e que o fez esperar por um século inteiro? 

Essa profundidade, que vai da psicologia ao moralismo, é o ponto que me atrai. Aqui é importante diferenciar então o que é o entretenimento simples, naquele sentido em que eu vejo algo apenas por ver, mas sem um exame aprofundado do conteúdo que contém, de um entretenimento de segundo nível, por assim dizer, quando além dos momentos agradáveis da obra eu tenho também uma reflexão posterior a partir da mesma. Claro que, para o homem de estudos, nenhum entretenimento é meramente isso, mas tudo é uma ação do intelecto e, com efeito, também é assim comigo, o que muda é apenas o tempo e o esforço que passo extraindo de uma obra o que me pode ser útil. Isso significa que eu não assisto algo e fico sempre refletindo e tentando encontrar ali profundidade onde não tem, mas que, algumas vezes, eu assisto e mergulho de verdade no que vejo.

No caso em questão a perspectiva psicológica já é de cara a que me atrai, e por isso ele me perguntou a razão de eu gostar tanto. E eu estou na expectativa justamente pela questão central que isso coloca: afinal o protagonista, um Daou orgulhoso de se ver apaixonado por uma linda mulher e disposto a esperar um século inteiro para revê-la, amava seu corpo ou uma essência que a mesma possuia e que ele poderia preterir em lugar de sua aparência? O choque dele ao ver que ela reencarnou como um homem, um rapaz que inclusive o irrita, mas que se revela atraído por ele sem chances de botar em cheque a veracidade do fenômeno ocorrido, revela que o personagem terá que se livrar desse empecilho se quiser viver ao lado da sua amada de novo.

Deverá ele descobrir então o que naquele garoto que também havia na mulher que ele amava, fechando olhos ele enxergara novamente com os olhos do coração para reconhecê-la, para então abrir os olhos e enxergar nele o amor que antes tinha por ela. É um caminho de mudanças íntimas.

Mas o que isso pode ter a ver comigo? Ora, a questão entre a relação de aparência é essência é uma das mais importantes da filosofia e tem grande impacto na minha formação, especialmente quando percebi que muito do meu inconformismo com a realidade era, na verdade, resultado de uma forma de pensar Kantiana, coisa que eu, quando descobri, passei e entender de modo mais profundo minha própria percepção e as consequências que tirava daí. 

Procuro sempre então enxergar a íntima relação que há entre a essência e a aparência das coisas, de modo a não cair nem no idealismo e nem tampouco num relativismo absoluto. As coisas refletem uma essência, da qual elas fazem parte, mas que as abarca e transcende imensamente. A realidade é expressão real de relações que, não vendo a princípio, estão lá e estão moldando a forma como vemos o mundo. 

De maneira mais prática, a relação entre o que as coisas são e como elas se apresentam. Se eu sempre quero, por exemplo, buscar uma reforma da liturgia de modo a se aproximar mais do rito antigo, refletindo assim a continuidade histórica e respeitando a sensibilidade dos fiéis aos que é visível, audível e tudo mais, é porque acredito que a profunda relação entre os ritos e as realidades que eles significam são uma ação real de sua presença, realiza-se assim a profunda verdade dos ritos: eles não só tem efeito real e eficiente mas também seus símbolos deixam no homem uma impressão que ajuda ele a viver o efeito que lhe foi produzido na alma: é a mesma questão, mutatis mutandi, da dinâmica entre o que o personagem de Daou ama e o que ele vê, sendo que a sua descoberta deva ser exatamente o que naquele rapaz é a essência de sua amada. 

sábado, 6 de julho de 2024

Sábado de melancolia

Sábado nublado, dia de pura melancolia em que as nuvens declamam Schiller, Pessoa, Moraes e Dos Anjos. Cânticos de amores não correspondidos, de destinos infelizes e tristezas profundas. Disseram-me que o frio é incômodo, discordei em silêncio. Me sinto confortável no frio, em dias que favorecem o silêncio, mas concordo que esses dias não cantam os versos de Homero, não, os guerreiros lutam ao sol, os homens tristes escrevem sob a sombra.

Vim mentalizando essas palavras, enquanto passava pela cidade, silenciosa, dormindo depois de mais uma semana interminável de trabalho. Essa cidade tem uma aura cansada, uma combinação da melancolia constante das nuvens e da grande quantidade de fábricas na região, todo mundo parece sempre cansado, querendo chegar em casa e dormir o máximo possível. Não observo, por exemplo, aquela vontade das pessoas que via em Brasília, de chegarem e saírem para beber no fim de semana. No fim de semana todos aqui querem ficar quietos na cama e se esquecerem do fato que precisam acordar cedo e dispostas no dia seguinte. Não parece uma vida fácil.

O que me intriga um pouco é que todos parecem sempre nervosos, irritadiços, o tempo inteiro. Não creio que seja essa a influência dos colonizadores alemães, mas uma consequência dessa rede de trabalho incansável que, no entanto, faz com que todos estejam sempre cansados demais, por isso todos estão sem paciência. 

Não posso dizer que estou infeliz hoje. O dia está lindo assim e, claro que eu adoraria poder ficar um pouco mais deitado ou vendo filme tomando chocolate quente, mas não posso reclamar da manhã calma e silenciosa. Gosto da paz, do silêncio, do aparente vazio que incomoda os outros, os outros que chegam falando alto e animados por mais um dia, o vazio que incomoda os outros mas que é a única coisa que eu tenho. Talvez ao ver o vazio que ha dentro e fora eu me sinta mais confortável. 

Gostei de ouvir sua voz ontem, e de me encontrar no seu silêncio e no seu cansaço algumas respostas que procurava. Sinto que poderíamos ficar em silêncio na companhia um do outro. Acho que isso também é uma resposta para muitas perguntas que eu não sei se você chegou a fazer. 

"No fim, cada um tem uma coisa muito própria que não pode dividir com mais ninguém." (Hermann Hesse)

sexta-feira, 5 de julho de 2024

E o mais que faço

Como essas pessoas conseguem falar tanto? Eu já nem tento mais disfarçar a minha cara de absoluto desinteresse, por todos e tudo que eles têm a dizer. São todos um porre. E não digo isso com aquela imitação patética dos cacoetes mentais do livro que acabei de ler, não, mas como alguém que já ouviu tanto essas conversas e sabe que elas apenas escondem um vazio interminável, consciências toscas que são incapazes de se lembrar do que quer que seja, ao darem as costas a quem as ouviu. Por isso a minha cara de completo tédio, porque isso é o máximo que eu consigo. 

Peguei por alto quando falaram sobre depressão e pedidos de ajuda, de novo relembrando o acontecido de meses atrás. Eles não sabem de nada, idiotas. E ainda dizem que não há sinais, mas houveram sinais, e todos ignoraram. É mais fácil colocar a culpa em quem não aguentou mais, mas não percebem que não aguentou justamente porque o peso que colocaram foi grande demais. Essa vida é muitas vezes pesada demais. 

Há dias que levantar da cama e ver o maldito sol brilhar é pesado demais. Mas ninguém se importa, acham que são citações aleatórias ou um pessimismo fechado em si mesmo. Não entendem, por exemplo, que as citações são apenas uma catarse, uma condensação literária de uma experiência real que tive e que encontrei similares em espíritos de outras épocas  lugares. O fato de encontrar neles um pouco de compreensão, a mesma que os meus me negaram, é uma prova de que o outro me vê todos os dias sem nunca me enxergar. 

Por isso eu continuo em silêncio. Quieto. Com um olhar vazio e idiota que nada mais é que a exteriorização desse vazio e da opinião que tenho dos outros, grandes idiotas, e de mim mesmo, um idiota consciente, mas nem por isso menos idiota. 

Em algum momento de hoje ma falaram sobre esperança, e disseram isso também alguns dias atrás, e eu então assenti, quieto, mas por dentro consciente de que, hoje, sou completamente cheio de pura desesperança. Também não digo isso de um jeito a querer parecer mais realista ou mais pessimista, esse é o ponto em que eu queria chegar: todos querem ser ou parecer alguma coisa, conquistar alguma coisa. Eu já desisti de tentar, o que quer que seja. Me falam em namorados ou amigos e eu só sorrio de um jeito demente, me falam sobre cursos, trabalhos, e eu só consigo pensar em coisas mais imediatas, como dormir ou ver mais um episódio. A cada dia minha vontade é movida por esses ideais próximos: dormir ou ver mais um episódio, e o mais que faço não vale nada!

Não contemplo longe nem a miragem, amo o que é fácil. Enquanto as pessoas falam sobre ferramentas e coragem. Sobre planos e compras. Eu gastei todo meu dinheiro, que não era muito depois de ter pago os empréstimos, em chás e alguns cosméticos, não sobrou muito para os livros, ou as roupas, ou os planos. E eu sei que se buscar eu até poderia encontrar a saída para esse ou aquele problema, para essa ou aquela visão, mas isso implicaria ainda uma busca sutil por esperança, e eu já não tenho mais condições de buscar nada. 

"O sofrimento e a dor são sempre obrigatórios para uma consciência ampla e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes, a meu ver, devem experimentar uma grande tristeza no mundo." (Fiódor Dostoiévski)

quinta-feira, 4 de julho de 2024

E em silêncio

Não sei identificar se estou cansado, anêmico ou deprimido (talvez tudo isso junto), mas tem sido bem mais difícil acordar cedo pela manhã nos últimos dias. Dizem que preciso comer melhor, mas não sei. Continuo chegando em casa e só querendo ir direto para cama, durante o dia passo o tempo todo querendo apenas isso, a doçura do não ser. 

Voltei ao silêncio do meu pensamento, talvez por isso eu esteja preferindo músicas mais complexas esses dias, e fique repetindo o tempo todo, que é pra não ter que pensar muito em nada. Fico sentado, em silêncio, olhando o sol idiota voltando a querer brilhar com força, sem entender que no inverno deveria sumir e deixar o frio nos envolver. Olho pro pessoal passando na rua, em silêncio, e acho que nenhum deles sabe o rancor que guardo no meu peito. Volto no ônibus cheio em silêncio, e já nem olho para os homens bonitos que passam, eles não notam minha presença e eu já não os noto também. Chego, assisto e durmo, 

sozinho e em silêncio.

Me identifico com a percepção, negativa ao extremo daquele velho bêbado que não conseguia ver nada de bom em ninguém, exceto quando sabia que nunca mais ia ver aquela pessoa. A minha descrença com o próximo é bem parecida. 

E comigo também. Até essa percepção eu registro aqui, sentando numa mesa distante de todos, fingindo me concentrar em algo importante, mas escrevendo sozinho e em silêncio. 

"O problema era que você precisava ficar constantemente escolhendo entre uma opção horrível e outra pavorosa. (...) Por volta dos 25 anos, a maioria das pessoas estava liquidada. Uma maldita nação inteira de desgraçados dirigindo carros, comendo, tendo bebês, fazendo as coisas da pior maneira possível, como votar em candidatos à presidência que os fizessem lembrar de si mesmos." (Charles Bukowski)