segunda-feira, 8 de julho de 2024

Esperando Um Século de Amor

Na expectativa da estreia de Century of Love na próxima semana, que vem trazendo uma trama mais madura para o casal Daou e Offroad em sua segunda série como protagonistas. Algumas vezes, no entanto, o simples passatempo de assistir algo, ou ler algo, é mais do que meramente um entretenimento, mas, com efeito, é um ato profundo e consciente da faculdade de conhecer. Falei a um amigo sobre a profundidade psicológica que a obra parece que vai dar aos personagens.

A trama se trata de um rapaz que, ao perder sua amada, que falecera muito cedo, procura por meios mágicos de estender sua vida até a próxima reencarnação dela. Assim então ele busca uma pedra mágica que o faz viver por mais cem anos, onde ele pacientemente esperou para descobrir que ela reencarnou no corpo de um rapaz que, embora o atraia, vem com a questão: o que ele realmente amava nela e que o fez esperar por um século inteiro? 

Essa profundidade, que vai da psicologia ao moralismo, é o ponto que me atrai. Aqui é importante diferenciar então o que é o entretenimento simples, naquele sentido em que eu vejo algo apenas por ver, mas sem um exame aprofundado do conteúdo que contém, de um entretenimento de segundo nível, por assim dizer, quando além dos momentos agradáveis da obra eu tenho também uma reflexão posterior a partir da mesma. Claro que, para o homem de estudos, nenhum entretenimento é meramente isso, mas tudo é uma ação do intelecto e, com efeito, também é assim comigo, o que muda é apenas o tempo e o esforço que passo extraindo de uma obra o que me pode ser útil. Isso significa que eu não assisto algo e fico sempre refletindo e tentando encontrar ali profundidade onde não tem, mas que, algumas vezes, eu assisto e mergulho de verdade no que vejo.

No caso em questão a perspectiva psicológica já é de cara a que me atrai, e por isso ele me perguntou a razão de eu gostar tanto. E eu estou na expectativa justamente pela questão central que isso coloca: afinal o protagonista, um Daou orgulhoso de se ver apaixonado por uma linda mulher e disposto a esperar um século inteiro para revê-la, amava seu corpo ou uma essência que a mesma possuia e que ele poderia preterir em lugar de sua aparência? O choque dele ao ver que ela reencarnou como um homem, um rapaz que inclusive o irrita, mas que se revela atraído por ele sem chances de botar em cheque a veracidade do fenômeno ocorrido, revela que o personagem terá que se livrar desse empecilho se quiser viver ao lado da sua amada de novo.

Deverá ele descobrir então o que naquele garoto que também havia na mulher que ele amava, fechando olhos ele enxergara novamente com os olhos do coração para reconhecê-la, para então abrir os olhos e enxergar nele o amor que antes tinha por ela. É um caminho de mudanças íntimas.

Mas o que isso pode ter a ver comigo? Ora, a questão entre a relação de aparência é essência é uma das mais importantes da filosofia e tem grande impacto na minha formação, especialmente quando percebi que muito do meu inconformismo com a realidade era, na verdade, resultado de uma forma de pensar Kantiana, coisa que eu, quando descobri, passei e entender de modo mais profundo minha própria percepção e as consequências que tirava daí. 

Procuro sempre então enxergar a íntima relação que há entre a essência e a aparência das coisas, de modo a não cair nem no idealismo e nem tampouco num relativismo absoluto. As coisas refletem uma essência, da qual elas fazem parte, mas que as abarca e transcende imensamente. A realidade é expressão real de relações que, não vendo a princípio, estão lá e estão moldando a forma como vemos o mundo. 

De maneira mais prática, a relação entre o que as coisas são e como elas se apresentam. Se eu sempre quero, por exemplo, buscar uma reforma da liturgia de modo a se aproximar mais do rito antigo, refletindo assim a continuidade histórica e respeitando a sensibilidade dos fiéis aos que é visível, audível e tudo mais, é porque acredito que a profunda relação entre os ritos e as realidades que eles significam são uma ação real de sua presença, realiza-se assim a profunda verdade dos ritos: eles não só tem efeito real e eficiente mas também seus símbolos deixam no homem uma impressão que ajuda ele a viver o efeito que lhe foi produzido na alma: é a mesma questão, mutatis mutandi, da dinâmica entre o que o personagem de Daou ama e o que ele vê, sendo que a sua descoberta deva ser exatamente o que naquele rapaz é a essência de sua amada. 

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