sábado, 4 de maio de 2024

Abertura de Consciência

Esse texto é apenas uma tentativa de te ajudar e, sendo assunto tão complicado, é como um aceno, um esforço que faço, como seu padrinho e amigo, a superar uma vida de consciência tão pesada que eu mesmo causei, portanto, peço, antes de tudo, que me perdoe a limitação e que Deus me ajude a não comete nenhuma injustiça. 

Na minha última reflexão apelei a uma consciência para a respiração, bem como sua simbologia profunda, tão antiga que inclusive se encontra até mesmo nas crenças pagãs, apelando aqui a Santo Agostinho que disse "Nam res ipsa, quae nunca christiana religio nuncupatur, erat apud antiquos nex defuit ab initio generis humani." (Pois a que agora se chama de religião cristã estava entre os antigos, e não faltou desde o começo do gênero humano).*

O meu ponto principal a ser desenvolvido é justamente o da consciência, da percepção que se abre e que amadurece, o que São Paulo se refere que "quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Agora que sou adulto, parei de agir como criança. O que agora vemos é como uma imagem imperfeita num espelho embaçado, mas depois veremos face a face" (1Cr 13, 11-13), isto significa, é dever do cristão amadurecer em sabedoria conforme a graça que nos é dada nos sacramentos, especialmente a Confissão e a Eucaristia. 

O que acontece é que a prática da confissão, no sentido sacramental, deve ser acompanhada de um constante exame de consciência, não feito apenas antes da confissão em si, mas que só pode se dar por meio de uma abertura real para a graça santificante. Assim como no artigo anterior me referi a uma realidade que sua consciência ainda não tinha adquirido, assim também como toda conversão é a tomada de consciência de uma realidade que antes não tínhamos, ou tínhamos apenas em potência, a saber: a passagem do pecado para a graça. 

Mas em que tem a ver uma coisa com a outra? É que uma consciência limitada é sempre angustiada em si, isto é, o pecador cai no erro de pensar não no perdão que lhe é oferecido, mas apenas se desespera do pecado cometido ou, pior ainda, do pecado possível. Aqui o eixo de atenção é deslocado: já não se pensa mais em Deus, mas no pecado. Há, portanto, linha tênue entre a preocupação em andar na graça e o risco de cair nos escrúpulos que causam desespero. Como equacionar isso então?

A abertura de consciência, o amadurecimento intelectual, possibilita que enxerguemos não os pecados enumerados como que em lista, tal como se apresentam no catecismo e nos manuais de confissão, inclusive no que eu mesmo enviei a você, mas passamos a ver as raízes mais profundas do pecado que permanecem em nós como concupiscência, raízes estas que, não raramente, fazem com que assumamos comportamento distante de Deus justamente por nos fazer pensar mais no pecado do que na graça de Deus, sendo que a elevação da consciência não se detém nem mesmo na graça de Deus, mas numa contemplação posterior, do próprio Deus, o que São João da Cruz explicou com muito mais eficiência do que eu posso fazer. 

Então estou dizendo que os manuais de confissão estão errados e que o catecismo também ao enumerar os pecados? Não, eles o fazem justamente para mostrar, de forma mais sistemática, aquilo que Santo Agostinho o fez nas suas Confissões: a busca de uma abertura tão grande para a ação divina que nos mostre as raízes de nossos pecados e como eles podem se mostrar nas ações mais toscas, como na masturbação ou no olhar luxurioso. Isso significa dizer que essas listas são, na verdade, a ponta do iceberg, mas que não devemos nos fixar a elas somente. 

Mas se há coisas ainda mais profundas, há ainda mais pecados a serem descobertos? Sim e não. Mais uma vez recorro a Santo Agostinho, que diz que os pecados são feitos da mesma matéria que as virtudes, algo que Chesterton, para apontar um autor mais próximo de você, também o disse ao mostrar que o mundo, na verdade, se encontra em decadência por conta das virtudes cristãs enlouquecidas. Isso significa que o passar do pecado para a graça, que se manifesta sacramentalmente na confissão como marco, se dá, na verdade, como uma longa transmutação alquímica que se dá na alma, no Eu do cristão. Isto é, na contemplação da plenitude de Deus a nossa mancha se torna tão evidente que então nos conformamos a ela, mas se focamos apenas nas nossas manchas, estamos como que de cabeça baixa, sem saber o que há ao nosso redor, que nos abarca e transcende infinitamente.

Se as coisas são como descreveu o Bispo de Hipona, quer dizer que devemos buscar a raiz do pecado e transformar em algo bom. Não no sentido superficial como, o que na pornografia pode ser bom? Não, mas o que foi o conjunto de coisas que nos levou a pornografia e que se encontra tão profundo em nós que já nem mesmo percebemos? Há coisas que devem ser mudadas na base, outras que precisam apenas de uma aplicação melhor. 

Portanto, a minha argumentação é esta: a contemplação de Deus em sua totalidade, que se dá por meio da abertura aos atributos divinos, ou seja, ao que é bom, belo e verdadeiro. Tenhamos em mente que Deus é perfeitamente Bom, sumamente Belo e ele é a própria Verdade, por isso, tudo que há de bom, belo, justo e verdadeiro, nos personagens da literatura, na vida dos santos, na sabedoria da filosofia e da teologia, está dado perfeitamente em Deus, então ao se abrir a essas imagens, elas apontam a perfeição de que são reflexos, como o hino dos três jovens na fornalha ardente, e o cântico das criaturas de São Francisco, que exaltam o que de belo há no mundo criado por Deus. 

A minha proposta, imensamente difícil reconheço, é a abertura, a esses tesouros, e não a contemplação dos seus pecados ou das suas possibilidades de pecar que, em verdade, te fecham e te afastam de Deus. Que os instrumentos da Igreja o ajudem a abrir a consciência, mas não que te façam se acostumar a uma confissão infantil, que apenas enumera pecados como quem paga boletos e pega recibos em troca, mas que apontem as realidades profundas que em ti precisam ser modificadas. E por isso Santo Agostinho é um exemplo tão grandioso, pois, ao demonstrar em suas Confissões, muito mais do que listas de pecados, mas uma abertura a Deus tão imensa que lhe fez perceber até aos pecados cometidos na mais tenra idade. Mas ele não se fixou nisso, senão que usou para executar essa transmutação profunda, e transformar o pecado em ensinamento perene, tão importante que, cá estou eu, falando da graça alcançada por Santo Agostinho, tantos séculos após sua morte corporal, e não dos seus pecados. 

Mas, o que em verdade tenho tentado dizer e que gastei tanta tinta e ainda não consegui é o conselho sintetizado por S. Pe. Pio: "Reze e não se preocupe!" 

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*Retratactiones, I, cap. 13.

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