sábado, 11 de maio de 2024

Tarde demais

"Por isso eu tomo ópio. É um remédio. Sou um convalescente do Momento. Moro no rés-do-chão do pensamento e ver passar a Vida faz-me tédio" (Álvaro de Campos)

Você é um grande idiota, isso sim! Enquanto eu tentava, a todo custo, vencer suas barreiras e me aproximar, você era apenas indiferentismo, e então se mostrou violento, como animal ameaçado. Um grande imbecil, e pensar que, mesmo depois de todos esses anos, ainda tinha em minha mente aquela visão de você calmo e choroso perto de mim, querendo me agradar, dizendo que queria ser meu amigo. Quando foi que se tornou esse idiota? É certo que já faz muitos anos que não o vejo, mas tenho certeza que aquele olhar, aquele olhar gentil de antes, desapareceu em meio a essa arrogância. 

E então olho para a minha mesa, e vejo os frascos cor de âmbar com tinturas de colônia, valeriana e outras plantas que aquela senhora preparou para mim, e em nenhum momento eu tentei me aproximar dela, e ela cuida de mim com esse carinho, como se fosse minha mãe, e me aconselha a descansar, a me cuidar enquanto é tempo. 

Engraçado, e digo isso de um modo mórbido, como algumas vezes recebo hostilidade praticamente gratuita em troca do carinho que dei e, outras vezes, recebemos cuidado de onde menos esperamos. 

Só é uma pena que talvez seja tarde demais. E o talvez tem nessa frase efeito eufemístico: definitivamente é tarde demais para mim. Já sinto no meu corpo os efeitos de todos aqueles remédios, inclusive os que acabei de tomar na esperança de dormir um sono pesado e não pensar naquele grande idiota.

Ontem em meio aos estranhos no ônibus eu chorava, e chorei baixinho até dormir também, mas o que era tristeza pouco a pouco se transforma aqui dentro em revolta, e se antes queria acariciá-lo e protegê-lo de um mundo que não o via e que o assustava enquanto apenas eu o via tão bonito mas tão fechado em si mesmo, agora quero mais o esmurrar até que essa ira se vá. E então, com a cara dele cheia de sangue, quem sabe eu me sinta um pouco melhor, ou talvez um pouco menos do que o lixo que me sinto agora. 

É, com certeza é tarde demais. 

Já me encontro nos umbrais da condenação eterna…  

Nenhum comentário:

Postar um comentário