quinta-feira, 30 de maio de 2024

O vaso partido de Ganimedes

Tem uma roda de leitura para participar hoje à noite, e amanhã de madrugada tem a confecção dos tapetes de Corpus Christi, e é claro que meu corpo já protesta a tudo isso. É claro que minha única vontade é de ficar deitado, sem fazer nada e, se possível, dormir de novo. Eu só queria dormir, e não me preocupar com mais nada, apenas isso. É possível um mundo em que eu possa me acabar de dormir, e nunca mais me preocupar com nada? Como faço para que me esqueçam? Vivo então, entre querer ser lembrado por uns e esquecido por outros, por aqueles que só me trazem problemas. É pedir demais poder viver em paz? 

O primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceirou amor passou, disse o poeta. Mas cada um deles levou algo consigo, como uma parte de mim, e se antes a bela ânfora adornada de pedras preciosas podia despejar aos pés dos amados os perfumes mais delicados e sublimes, agora já não é mais do que um vaso que se quebrou e perdeu seu valor. Não há Kintsugi ou ressignificação que possa mudar isso. Porque não há apenas imperfeições acidentais a serem aceitas, mas uma imperfeição essencial, profunda, que é a própria forma do meu ser. Já não há nada que fazer além de aceitar, aceitar que não fui, não sou e nem serei bom o bastante para ser escolhido.

Também aquele outro jovem não me escolheu, sorri agora timidamente ao lado de uma moça. Mais uma vez. Não sei mais quantas já se somam. 

Não cheguei há tempo e ainda me esqueci completamente da roda de leitura. Fiquei no vácuo por duas ou três pessoas que não me responderam. Coloquei o despertador para quatro e trinta da madrugada amanhã, quando os termômetros deverão marcar por volta de 8° ou 9°. Talvez a exigência da vida em comunidade possa suprir brevemente minha necessidade de remoer minhas próprias misérias. Coloquei trinta ou quarenta gotas de tintura de valeriana e colonia, misturei com vinte gotas de Rivotril e um comprimido de Zolpidem 10mg. No difusro, luz lilás com gotas de óleo essencial de Copaíba e Ylang Ylang, por fim uma playlist composta em sua maioria de nomes asiáticos, como Eric Nam, Jeff Satur, Joong Archen , Fujii Kaze e Boy Sompob. 

Espero ao menos adormecer, mas antes disso, meu último questionamento, ao universo que seja: será que não mereço ao menos uma resposta? Ainda que dura e fria, para que assim pudesse o vaso quebrado tornar-se apenas cacos espalhados e, ao menos, ir ao lixo sem que daí reclamem comigo por me atear fogo a mim mesmo? Poderia simplesmente me tornar uma estrela como Ganimedes. 

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