quarta-feira, 8 de maio de 2024

Vontade em ruínas

La Palude, Roberto Ferri

"E os sentimentos humanos foram-se esmaecendo mais e mais, e a cada dia que passava alguma coisa se perdia nessa já hasta ruína." (Nikolai Gógol)

Mais um dia, dentre tantos outros sobre os quais também escrevi, em que só espero ansioso pelo momento de poder voltar a dormir, profundamente, sem nenhum outro compromisso com a realidade. Mas, digamos que tenha visto essas páginas pela primeira e se pergunta: donde vem todo esse pessimismo, toda essa visão quase niilista que tanto te aflige?

Bom, a resposta é que, por tantas e tantas vezes, ao olhar o mundo ao redor e ver coisas como a prevalência da malícia sobre a inteligência, da completa falta de sentido no sofrimento ao passo que o mesmo sofrimento se faz cada dia mais e mais presente, e das mais diversas ordens, de um sofrimento profundo e verdadeiro, como de quem perdeu tudo numa enchente, como o meu, algo como um sofrimento intelectual pela absoluta completa e total banalidade do meio em que vivo, de um meio preocupado com dinheiro e aparências, de um meio onde se mente sobre estar preocupado com o outro, de um meio que se deixa corromper por promessas fáceis de sucesso em diversos campos quando, na esmagadora maioria das vezes, todas as pessoas jamais deixarão de medíocres. 

É olhar ao redor e, pior ainda, para dentro de mim mesmo, e não ver nenhuma possibilidade de melhoria, isto é, de crescimento. É como se os grandes sábios, santos e profetas tivessem ficado no passado. Não ficaram, disso eu sei, mas não os vejo andando por aí com frequência. Daí que continuar lutando bravamente pela virtude num mundo como esse parece-me um cansaço muito grande. Mas esse não é o ponto principal, já que uma das virtudes é justamente lutar pela graça quando tudo mais parece perdido. 

O ponto principal é de outra ordem: é que fui tão traído e machucado, e já tive que me reerguer depois de abandonado tantas e tantas vezes, que não sobrou no meu frágil corpo e nem na minha alma corrompida, a força necessária para buscar qualquer coisa que seja, virtude ou pecado, senão que essa sucessão de dores, de desamores, de destruições quando eu nem estava ainda totalmente de pé, a cada amor que perdia e que me diziam para esperar pelo próximo, e o próximo, e o próximo, isso me foi enchendo de uma desesperança tal que, quando me olho no espelho ou olho ao meu redor, não vejo senão a destruição, o que me enche de uma vontade tremenda de voltar ao nada.

É por isso, o meu olhar frio, distante, de quem olha para o todo e não vê nada além de ruínas. 

NÃO, NÃO É CANSAÇO…

Não, não é cansaço…
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo…

Não, cansaço não é…
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como…
Sim, ou por sofrer como…
Isso mesmo, como…

Como quê?…
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!…

Álvaro de Campos

Não, não é cansaço caro Álvaro, mas eu bem queria um lugar pra descansar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário