segunda-feira, 6 de maio de 2024

O Ermitão

St. Paul at his Writing Desk, Rembrandt

"O segredo de uma boa velhice não é outra coisa senão um pacto honrado com a solidão." (Gabriel García Márquez)

Grande sabedoria essa que o escritor do realismo fantástico conseguiu imprimir em tão poucas palavras. Grande futilidade a minha ao perceber o quão longe estou de estar pactuado com a solidão, embora ela seja minha companheira mais fiel. E eu percebo isso em dias como esse, em que sinto como o pesar de uma velhice que ainda não chegou, olhando para o mundo ao redor com tamanha apatia e desinteresse que poderiam julgar que já vi de tudo e, tendo uma longa e agitada vida, agora contemplo a solitária velhice em tédio profundo. Não o vivi, isso é fato, mas é também verdade que nada no mundo, afora o amor não correspondido, me chama atenção, de resto nada mais me agrada, para nada e nem ninguém me volto com real atenção quando chamam meu nome. Eu simplesmente os olho com apatia, enquanto ignoro seus votos de que eu melhore, ou quando me pedem para me animar. 

Eles olham longe, fazem planos e mais planos para o futuro, não percebem que estão apaixonados por uma miragem, alimentam sonhos que crescem como monstros que os devorarão depois. Acreditam em mentiras como o amor, a família, a justiça, a bondade. Ou se enganam que acreditam, não acho que alguém de fato acredite nisso, mas, aceitar essa verdade é tão dolorida aos mais jovens, que eles então se refugiam em seus sorrisos, e então me pedem para lançar longe o desânimo, para me contentar com meu corpo jovem e sadio, para sorrir. Eles não percebem.

Não estou desanimado, não estou triste. 

O que eu tenho, se é que isso tem um nome, senão que apenas posso balbuciar uma conceituação, é um profundo desgosto pelo ser mesmo. Não é que eu apenas não queria estar aqui, ou lá, hoje, não. Em verdade gostaria de poder não estar. Me contentaria se, com fumaça, me desfizesse ao menor sopro de vento. 

Mas, enquanto isso não acontece, sou como ancião que viveu todas as eras, observando o nascimento e morte dos grandes nomes, das grandes potências, de tudo que faz o homem se sentir importante, e então, tendo visto como as coisas silenciosamente se desfazem e chegam a parecer como se jamais tivessem existido, como os grandes viram pó tanto quanto os célebres desconhecidos, eu observo a tudo e a todos com olhar descrente, distante, apático, com uma certeza profunda no coração: essa realidade, o ser, a existência, tudo isso é uma desgraça. 

Essa resolução advém então de um profundo descontentamento com o mundo mesmo, e como a terra seca onde um dia já correu um rio. 

Terra seca, pois as águas de amor que um dia ali brotavam e corriam, se foram, se perderam, não voltam mais. 

Terra árida,

coração seco.

Escrevo como um velho ermitão da montanha, com o papiro alumiado por umas ceras que logo se dissiparão, já não forço a vista, não há nada que valha a pena ser visto. 

Espero logo me apagar como essas velas que me deixam mergulhado em profunda escuridão.

"Em dias mais jovens, de manhã eu ria
De tarde chorava; agora, já mais velho,
Começo o meu dia em dúvidas, porém
Sagrado e sereno me é o seu final."

(Friedrich Holderlin)

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