segunda-feira, 27 de maio de 2024

Verdade ignorada

Por algum ângulo talvez eu tenha dormido demais, ou pelo menos, foi isso que me disseram em casa. Dormi ontem por volta de duas da tarde, e acordei só hoje, perto das nove da manhã. Não acho que foi tanto assim. Mas o que eu faria acordado? Graças a crise de alergia eu não conseguiria ler ou ouvir aulas, de modo que nem mesmo conseguiria assistir, já que a televisão estragou e não gosto de ver pelo notebook. Sem amigos para ligar e sem dinheiro para sair, o que mais eu poderia fazer?

Foi então a decisão simples de um homem que se viu sozinho. O velho Buck teria enchido a cara de cerveja ou whisky, e eu até tenho algumas garrafas de vinho guardadas, mas tampouco tinha disposição para abri-las. Enfim, minha opção foi pelo sono profundo, o que sempre tomo como uma espécie de antessala da morte, um prenúncio do fim. Enquanto para todos os outros a morte é um tabu e o suicídio é algo de revoltante, para mim é o que há de mais próximo de uma esperança: é a possibilidade de ver findar essa existência miserável, rodeado de pessoas miseráveis e eu mesmo sendo miserável, escrevendo infindáveis cartas de amor ao modo de Fernando Pessoa, isto é, ridículas. 

E as pessoas não cansam de mostrar eu estou certo ao pensar isso. Uns que só se preocupam com os títulos e receber bem as pessoas, patéticos, e outros que se preocupam com tudo o mais, onde tudo é interessante, mas que não percebem nada de realmente importante ou valioso. Não há como olhar para essa humanidade senão com desânimo e nojo. Como pôde Cristo sentir compaixão de nós quando cada ação humana implora pela destruição eterna?

Ele não se cansa de me mostrar o quanto somos diferentes. Enquanto penso nele, tudo o mais ocupa sua mente, tudo menos eu. Voltando então a minha esperança, assim como dormir um dia inteiro não faz com ninguém sinta minha falta, a ausência prolongada seria logo esquecida, substituída, assim como já hoje não ocupo a mente de ninguém. Até mesmo essas palavras se veriam subjugadas as areias do tempo, não veriam a luz jamais pelas páginas de um livro lido ao anoitecer, apenas se veriam gravadas nas paredes do Ser, onde ninguém jamais lê.

Ignora então o óbvio que pulula aos seus olhos. Explora as muitas possibilidades de fracassar e ser medíocre, a essas chances o homem nunca decepciona. Ignora o amor, ignora o saber, ignora a santidade, ignora a beleza, prenda-se a tudo que é passageiro, idiota, fugaz, prenda-se aos sonhos mais toscos enquanto ignora os campos elísios que se abrem diante de ti. Ignora a verdade que luta para não ver jamais. 

Melhor mesmo é dormir, sem ter hora para acordar. 

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