domingo, 2 de junho de 2024

De profundis clamavi

Tenho lidado com essa complexa realidade aqui na comunidade, muito embora tivessem me avisado das dificuldades que enfrentaria, mas agora já percebendo que, na verdade, os defeito e problemas que me apontaram são na realidade apenas sintomas de uma doença ainda mais profunda. 

O que tenho notado é, nada surpreendente, a completa perda do sentido do sagrado na paróquia. Os movimentos, as pastorais, as pregações e todas as ações se resumem a uma realidade imanente, aquela já denunciada por Romano Amerio ao apontar as mudanças profundas na Igreja durante o século XX e observo agora de forma particular como essas mudanças chegaram até os locais mais longínquos das decisões e reformas conciliares. 

As pessoas não sabem mais diferenciar o que está acima ou abaixo, perderam completamente o senso das proporções, resultado de uma educação deficiente e uma catequese mais deficiente ainda, resultado daquela flexibilização típica das últimas décadas da Igreja que, ao deixar os fiéis sem um referencial metafísico, isto é, sem uma cosmovisão da obra cristã e da própria concepção de Igreja, faz com que a atividade se resuma e encontre seu ápice apenas no âmbito moral, dado o esvaziamento dos sentidos mais elevados da religião. 

Trocando em miúdos com um exemplo bem forte: uma das iniciativas mais difundidas pela diocese é justamente a reflexão bíblica, no entanto, num modo que mescla a interpretação da Sagrada Escritura feita pela Teologia da Libertação, com a livre interpretação protestante. Um brevíssimo exame dos materiais oficiais usados pelos grupos de reflexão apontam uma leitura materialista, de teor completamente imanente e não cristão. Todas as passagens são resumidas as suas acepções mais baixas, no sentido humano: os milagres não milagres em si, mas figuras de linguagem para a ação na sociedade. As curas miraculosas, por exemplo, não retratam mais uma vontade do Cristo em perpetuar a memória do seu poder e de operar uma cura em todos os níveis do gênero humano que culmina na cura do pecado e na operação da graça, isto é, na salvação das almas. Aqui todas as passagens são resumidas ao amor ao próximo, mas não com uma preocupação com a alma do próximo. Ao falar da fome e das doenças, eles não conseguem mais conceber o desejo da alma que busca a Deus nem tampouco os males causados pelo pecado, mas se referem apenas e tão somente a fome e a cura corporais mesmo. 

A paróquia não é mais lugar onde se houve a Palavra e se recebe os Sacramentos que nos ajudam a chegar a plenitude da vida eterna, mas é apenas a assembleia reunida e fechada em si mesma. Isso porque sem os valores elevados, os quais são a essência da Palavra Revelada, até mesmo a ação puramente humana se torna incompleta e imperfeita. 

O resultado é uma comunidade que se destrói desde dentro, pois a concepção puramente humana não traz nenhum referencial acima dos homens e, sem um exemplo ou indicativo do bem, do belo, do justo, da diferença entre o certo e o errado no sentido universal, a forma de ver essas coisas no plano particular é deficiente. Se multiplicam as contendas, disputas por cargos. Os leigos, que antes prestavam serviço, seja como acólitos ou músicos, hoje são ministros, na prática, igualando padres e o rebanho de fiéis. Os bispos já não ensinam mais e confusos, os fiéis se idiotizam uns aos outros, tentando agir meio que as apalpadelas. 

Se ocupam então das coisas mais supérfluas, como vestes, velas e detalhes toscos, enquanto o Sacramento perde sua reverência, enquanto a celebração perde toda e qualquer sacralidade. Já não se ajoelham diante do Santíssimo Sacramento, a comunhão é recebida na mão e a comunhão na boca recebe piadas e é vista como sinal de boçalidade. Não há zelo com o sagrado, não há preparação no celebrar, há apenas a maldita criatividade que coloca o homem no centro de toda a ação celebrativa. A paróquia não é mais lugar de encontro com Deus, mas de homens com outros homens que acabam por se odiar por cobrarem uns aos outros, as impossibilidades morais que nenhum deles pode cumprir. 

A Igreja urge por pastores que realmente ensinem, que apontem o caminho, que cuidem das ovelhas perdidas, de pastores que apontem que as realidades vividas aqui são apenas sinal das realidades eternas. Do contrário, estamos condenados a cair cada vez na burocracia eclesial, nas reuniões que se multiplicam sem chegar a lugar nenhum e na mais opressiva perseguição moral, que justamente marca uma mudança do eixo ao redor as coisas se organizam. 

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