terça-feira, 25 de junho de 2024

O Dia Seguinte

"Stapleton Park near Pontefract Sun", John Atkinson Grimshaw

"A quem, como eu, assim, vivendo não sabe ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por modo e a contemplação por destino?" (Fernando Pessoa)

Passou como um raio, apenas dois dias para descansar, ou pelo menos é o que dizem os hipócritas. Amanhã recomeça o inferno de novo, as cobranças desmedidas, a lentidão dos processos, como se a vida inteira fosse composta por pessoas que podem trabalhar muito, ter resultado de menos e receber quase nada. Mas, pelo menos nesses dois dias em que posso descansar, posso dormir, e esquecer que ele chamou alguém para sair, que enquanto eu penso nele ele pensa em outra pessoa. E que existência miserável essa. Eu devo ter perdido alguma coisa, será que só eu não sei porque as pessoas insistem nessa vida tão mesquinha, tão ridícula? Ainda agora, me pergunto como todos não optam pelo suicídio ao se darem conta do quão miseráveis são. Que inferno. Acho que eles nunca se dão conta. O que eu não sei também é porque eu mesmo ainda não fui embora. Ainda fico aqui me submetendo a toda essa humilhação. 

A chuva cai fina e constante lá fora, por volta das três da tarde havia escuridão por todo canto. Minha mãe reclama em dias assim, diz que são tristes, eu concordo, mas me identifico com a melancolia desses dias. Enquanto todos se preocupam com outras coisas, eu penso apenas na imensa miséria humana. Sim, eu sei, é mais pessimismo do que qualquer um pode suportar, por isso estou sozinho, por isso dormi o dia inteiro e por isso amaldiçoo o amanhã porque sei que terei que levantar e continuar a viver essa vida patética. Se eu ao menos não fosse tão covarde, poria um fim nisso e não veria mais um maldito nascer do sol.

Eu estava sozinho, eu estou sozinho, não importa o que digam, eu serei logo substituído por alguma garota, ou garoto, porque qualquer pessoa é mais importante do que eu.

Rezei com o coração completamente aberto naquela noite, meus dedos deslizavam pelas contas do terço como as lágrimas pelo meu rosto caíam no travesseiro. Minha prece eu a repeti até cair de sono, mesmo tendo dormido pelo dia inteiro: que não acordasse no dia seguinte, 

que não acordasse no dia seguinte, 

que não acordasse no dia seguinte.

Mas cá estou eu, 

acordado, desperto, 

e já sendo cobrado, 

no fatídico e maldito dia seguinte. 

"Me matando só o suficiente
para continuar vivo

Me pergunto se não estou vivendo
só o suficiente para morrer"
(Lucas Lopes)

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