quarta-feira, 12 de junho de 2024

Olhando o passado

Pablo Picasso

É que de repente fiquei triste, por pensar em tantas coisas ao mesmo tempo. Triste por não ter economizado o suficiente, triste porque não consegui me organizar o bastante, triste porque não fui bom o bastante, porque continuo sempre cansado, porque tudo que tento fazer continua sendo medíocre, porque continuo sendo um ninguém, porque não realizei nada, minha casa não é minha, minhas coisas não são boas, eu não aprendi nada, não fiquei mais forte, nem mais inteligente, nem mais bonito e não estou ficando mais novo.

Fiquei triste porque fui rejeitado de novo e não quero amar de novo. Triste porque minha folga acabou, triste porque descansei, mas não o bastante. 

O bastante. 

Nunca é o bastante.

Não inteligente o bastante, ou bonito o bastante. 
Meu amor não é o bastante.

Amanhã começa tudo de novo. Essa rotina desgraçada. Ônibus cheio, pessoas chatas me enchendo de trabalho e dificultando tudo pra mim. Queria simplesmente desaparecer, quem sabe voar nessa brisa que entra pela minha janela, e nunca mais ter de ver nenhuma dessas pessoas.

Estou preso no eterno retorno. É uma sorte maldita.

Por isso fiquei triste do nada. Não foi do nada. Fiquei triste por ser esmagado pela verdade. Essa existência é uma droga.

E não foi uma tristeza qualquer, foi profunda, como se de repente fosse lançado num abismo oceânico e lá, no fundo, não vendo mais nem sinal da luz, só ouvia a voz dele, cada vez mais e mais distante.

Hoje o romantismo está no ar, afinal é Dia dos Namorados, mas isso também só faz eu me lembrar de que não fui o bastante. Olho para minha história então como um velho olharia, e veria que nada fez, nada realizou, nada foi suficiente. Agora, ao cabo dessa existência, resta apenas uma casca seca. 

"Também é preciso
regar
os jardins de pedra"

(Jorge Sousa Braga)

Nenhum comentário:

Postar um comentário