sexta-feira, 21 de junho de 2024

O perfume do chá

Ta aí, hoje eu só queria poder ficar quieto. 

As dores de cabeça intensas de uma ciclagem recomeçaram. Exatamente uma semana. Droga. Mas, como sempre, ninguém o sabe, então só posso, porque é tudo que consigo, ficar de cara feia, fingindo que estou entendendo tudo quando, na verdade, só estou presente, mas em nada atento. E as pessoas continuam falando, e falando alto, e falando muito, e falando sobre coisas que não quero falar... Eu só queria que fosse socialmente aceitável ficar alguns dias quieto, sem contato e em silêncio. É absolutamente necessário para mim e absolutamente incompreensível para todos. Tem algumas coisas que eu preciso fazer, mas estou incapaz de resolver isso agora. 

Como posso proceder?

Como eu queria desaparecer! 

Como um cão covarde eu escolho e desejo no meu profundo sempre a saída mais fácil. Sim eu não quero resolver, eu não quero enfrentar, eu não quero lutar, eu não quero tratar, porque todas as soluções que se me apresentam, exigem de mim um esforço que eu não tenho a possibilidade de fazer.

Passei em frente ao telejornal rapidamente. As pessoas estão morrendo de calor na Índia, um incêndio em Atenas, plantações na China praticamente fritadas pelo sol, no Rio Grande do Sul as chuvas fizeram algumas cidades alagarem novamente. Não dá para assistir isso. Não é o fim do mundo, mas com certeza dá para ver daqui.

Queria poder conseguir te ajudar mais. Tomei uma quantidade grande de remédio e nada me fez dormir, vou ter que passar pela ciclagem acordado mas, pelo menos, a dor diminuiu. Mas eu não posso te ajudar, e queria poder que pode alugar um quarto perto da sua faculdade para não ficar seis horas por dia num ônibus cheio, queria poder te ajudar com as dívidas ou pelo menos ouvindo um pouco mais, queria poder te convidar para passar as festas de fim de ano com comigo em algum lugar especial, quem sabe em algum lugar da serra catarinense, aqui num devaneio onde eu não só tenho dinheiro mas também tenho sua vontade em passar algum tempo comigo. 

Levantei apenas para dizer essas palavras, que tenha calma nos próximos dias, respire fundo, faça uma chá, lembre que eu te amo e anote tudo que precisa fazer para se organizar. 

Precisei vir para casa, impossível suportar tanta dor dessa vez, ainda mais acompanhada de todo o turbilhão de um episódio misto que marca as minhas ciclagens, 

enfim, 

quero poder ficar quieto e dormir, 

no escuro me esconder, 

desaparecer. 

Tudo o que posso fazer no dia seguinte, no entanto, é aproveitar o perfume de uma caneca fumegante de chá.

"(...) Quando ando no meio de outras pessoas não me sinto bem. O que elas falam e o entusiasmo que demonstram nada têm a ver comigo. O mais curioso é que justamente quando estou na companhia delas é que me sinto mais forte. Me vem a ideia seguinte: se podem existir só com esses fragmentos de coisas, então eu também posso. Mas é quando estou sozinho e todas as comparações se reduzem a mim mesmo contra a história, contra o meu fim, contra as paredes, contra a minha própria respiração, que começam a ocorrer coisas estranhas. Sou um sujeito evidentemente fraco. Experimentei ler a bíblia, os filósofos, os poetas, mas para mim, de certo ponto, erraram de alvo. Ficam falando de uma coisa completamente diversa. Por isso há muito tempo desisti de ler. Encontro um pouco de conforto na bebida, no jogo e no sexo, e dessa forma me assemelho bastante a qualquer membro da comunidade, da cidade e do país; a única diferença é que não tenho o menor interesse em “vencer”, constituir família, ter casa própria, um emprego respeitável etc e tal. Portanto, lá estava eu: sem ter nada de intelectual, de artista; nem tampouco as raízes redentoras do homem comum. Me sentia dependurado com uma espécie de rótulo indefinido e muito receio, sim, que isso marcasse o início da loucura." (Charles Bukowski)

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