Ele estava diferente hoje, em vários meses em que o vejo pela manhã nos ônibus da vida, é a primeira vez que o vi esboçar um sorriso. Não sorriu de verdade, mas enquanto fitava atentamente a tela do celular seu semblante não era o sério e sonolento de sempre, mas desperto e algo contente. Em algum momento inclusive vi um certo esboço, os lábios pálidos se contraindo nas bochechas. Com quem será que ele conversava? O que essa pessoa teria lhe dito? Não me preocupei em pensar tanto assim, mas admito que sorri ao ver aquela imagem.
Sei que ninguém jamais deve ler as minhas mensagens sorrindo assim, então me contentei em ver aquela cena breve, durante duas ou três paradas antes de meu trabalho. Simples, um quase sorriso matinal.
Bem, continuei seguindo meu caminho nessa terça-feira fria, com menos agasalhos do que deveria. Me recordo que, no último fim de semana, concordei em começar a cantar com mais frequência na igreja, o que significa mais compromissos, e hoje já temos um ensaio marcado. Só devo chegar em casa por volta das 21h. Não deveria ter concordado, já estou mentalmente cansado agora, queria poder voltar para minha cama, mas não queria levantar amanhã, queria poder simplesmente ficar lá. É tão quentinha.
Qual o problema das pessoas em querer que eu saia de casa? Eu devia ter enchido a cara no domingo e me entupido de remédio por cima do álcool. Droga. Se tivesse ficado doente ou morrido, não precisaria levantar e ver pessoas.
X
Breve reflexão sobre o tempo: tudo tem seu tempo, e geralmente somos incapazes de ver o quadro geral das coisas. No todo, cada particular passa a ter sentido. É apenas então diante do todo que as partes encontram seu significado. Muitas das dúvidas, injustiças, tendências, nos parecem estranhas, e caímos então no desespero de olhar ao nosso redor e ver apenas a destruição e a decadência por toda parte. Mas no conjunto isso deve fazer algum sentido. Com o tempo, como canta Oswaldo Montenegro, as coisas que antes escondíamos se tornam bobas, sem nenhuma importância. "Quantos segredos que você guardava? Hoje são bobos, ninguém quer saber."
O tempo é essa coisa então que nos obriga a viver para nos oferecer algum sentido. Vivemos nessa terra confusa e depois jogam um punhado de terra sobre a gente. E isso lá é resposta?
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
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