quinta-feira, 13 de junho de 2024

Manifesta escuridão

"Saturada de males se encontra a minh’alma, minha vida chegou junto às portas da morte." (Sl 87)

É impressionante como a vida dá errado nos mínimos detalhes. 

Essa máxima pode sair dos lábios de um pessimista ou de uma criança mimada, não me oponho que me considerem um e nem outro, de todo modo eu ainda vou olhar ao meu redor e notar a grande miséria que me rodeia e vou dizer, ainda que para mim mesmo em meu íntimo: é impressionante como a vida dá errado nos mínimos detalhes. 

De quem terá sido a ideia de uma existência tão patética, tão miserável, tão baixa, a ponto de ainda querer que os homens sejam o auge de alguma criação. Não, o homem não é a medida de todas as coisas nem tampouco é algo abaixo dos anjos, não, o homem é a mais baixa das criaturas. Os animais, em sua brutal estupidez, são infinitamente superiores ao homem que, em seus rompantes de racionalidade, é capaz de espalhar apenas a destruição e a mais completa decadência. A destruição provocada pelo tempo ou pela natureza não é nada se comparada com aquilo que podemos fazer. 

O homem é uma criatura patética, e é impressionante como a vida dá errado nos mínimos detalhes.

E o que eu, alguém que vê o erro em cada maldito detalhe, e que já abandonou qualquer resquício de esperança, deveria fazer?

Adormeci na força do ódio, por assim dizer, pensando apenas em mergulhar na profunda escuridão. Em verdade tudo o que havia no meu peito era isso, escuridão. E nem consigo dizer exatamente o que foi. Talvez tenha sido a mera comparação da centelha de alegria, talvez, por uma pequena conquista, em comparação com a imensidão da miséria humana, da absoluta pequenez do espírito. 

Não quero incorrer aqui, no entanto, no erro de apenas compactar a experiência humana nessas fórmulas que, expressando esse pessimismo quase niilista quanto a gênero humano, se não explorada, na verdade não quer dizer nada. Elas precisam ser aprofundadas e usadas como símbolos que apontam para uma série de outras realidades, essas, sim, expressas em formas compactas. 

Mas o que me marcou foi, uma vez mais, a constatação de que minha vida se resume atualmente a uma miserável existência: trabalho e durmo. Cansado demais para qualquer outra coisa, não consigo encontrar momentos, amigos ou dinheiro para sair. Não tenho a menor disposição. Passo o dia esperando e desejando apenas a minha cama e, quando chega a noite, quero apenas mergulhar em escuridão pois, como já disse, só quero de algum modo externar essa que tem sido a escuridão que ocupa meu peito. 

Nos últimos dias tive contato com um de profundo niilismo, que encontra valor na exploração de diversas questões sociais, ambientais, filosóficas, enfim, mas que não se importa em absoluto com a beleza. Ele mesmo o disse que não gosta de coisas belas e que não dá a mínima pra isso. Vi em nossas conversas que ele havia desistido de tudo, renegando a beleza e abraçando apenas o que lhe parecia importante por esse ou aquele ponto de vista. Eu, por outro lado, pensei que ter abrido mão de tudo o mais e ficado apenas com a beleza, mas não sei se isso é verdade. 

E já não vejo mais alegria em nada, e as risadas dos outros me incomodam, elas parecem não enxergar a estupidez que as cerca. Mas de fato são mais felizes. Será que ainda é possível ser feliz? Mas nem pensar demais nisso eu quero, eu só quero dormir. 

FUGA

Tudo se resume ao medo
de não suportar o peso
do mundo.

(Fabrício Oliveira)

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