segunda-feira, 24 de junho de 2024

Imagens e um pouco de Tomismo

Rembrandt

Ganhei um beijo no alto da cabeça, rapaz alto, me abraçou enquanto estava desprevenido. Mas logo em cima vi que cumprimentou outros assim também, a educação dele me desconcertou por um breve instante. 

Não, não me apaixonei. 

Mas, como alguém sensível, admito que ele realmente me desconcertou um pouco, mas logo passou.

O outro garoto, o que encarei por meses, finalmente vi um olhar diferente nele. Apaixonado? Não sei, mas certamente doce, quase feliz. Mas não era para mim que ele olhava e sim para a moça ao seu lado e segurava a sua mão fazendo leves carícias com os dedos. Me irritei com eles. Talvez eu sentisse algo por aquele garoto, mas não foi como esperava que seria. Me irritei, é verdade, mas virei o olhar e a vida seguiu. 

Acho que depois de tantas decepções as pessoas passaram a significar menos, ou quase nada, para mim. 

Aqueles dois, que se conheceram há poucos dias, e passaram metade deles no quarto fazendo sexo, agora observavam o céu, o céu que um deles nunca tinha parada para observar e que o outro amava por ser uma das vistas mais lindas daquela ilha. Ele preparara aquele momento especial, forrou a areia com uma manta de cor azul, parecido com o azul do mar naquela noite, ao refletir o brilho da lua, e espalhou algumas velas ao redor deles. E então, apoiando no braço do seu novo amante, ele se desculpou pelas palavras grosseiras, e contou um pouco de sua história, de como não tinha lembranças de viagens em família para recordar, e que ali, ao lado daquele homem tão estranho, tão impetuoso, que faz o que lhe dá na telha a todo momento, ele começa a colecionar boas memórias. 

Mergulharam juntos, jantaram em lugares românticos, viram paisagens que ele não conseguiria descrever nem mesmo se parasse de escrever romances e passasse a descrição paisagística. Em poucos dias fizeram sexo mais vezes do que poderiam contar, numa fome que parece nunca cessar. É que, na verdade, ambos encontram nos braços um do outro, uma parte da cura que tanto buscaram a vida inteira. Confiança. Um encontra a confiança que o pai nunca lhe deu e o outro, a confiança que o pai quebrou. 

O beijo inesperado, o casal observando o céu estrelado. Eu acordo e percebo que, na realidade, a concepção de que o amor é apenas uma invenção sem força suficiente para existir e transformar-se de modo a permanecer para sempre, é a verdade dura da vida. O amor não existe e, no entanto, eu sigo amando. 

Tenho me aprofundando um pouco mais na teologia tomista e, nos últimos momentos, na moral tomista, e me surpreendi em ver como ela é uma moral positiva, mais no sentido de engenharia da santidade, se afastando um pouco daquela moral apresentada por S. Afonso que, embora de inspiração tomista, por necessidade precisou retomar um sistema moral muito mais prescritivo do que o apresentado por S. Tomás. 

Aquelas páginas então me soam como um grande chamado, contrariando a onda antitomista que defende a frialdade inorgânica do aquinate. Não, S. Tomás está sistematizando um chamado profundo à santidade: a moral é o meio pelo qual o homem ordena a sua vontade para amar mais e melhor. Não apenas uma lista infindável de pecados que cai, na melhor das hipóteses, num escrúpulo tão destrutivo que coloca o próprio homem em cheque pela impossibilidade do sumo bem. S. Tomás, pelo contrário, procura colocar as bases firmes e sólidas de como podemos, partindo da fuga das ocasiões de pecar, chegar ao extremo da santidade por meio do exercício das virtudes: não se trata tampouco de um trabalho que mostra que o esforço do homem é que o faz santo, não, mas mostra como podemos tomar com eficiência as virtudes e os dons, a graça santificante dos sacramentos, e com isso, com esse presente divino, ir construindo o nosso castelo interior. Qual foi a minha surpresa ao perceber com mais profundidade a íntima relação entre a sistemática moral tomista e a profunda mística carmelita.

S. Tomas nos ensina a amar mais, da melhor forma possível: purificando aquilo que comanda as demais ações do homem. Ele ensina, embasando fortemente e criando depois uma catedral inteira com essas bases, as muitas formas de se amar, repito, não apenas dizendo o que não se deve fazer, mas abrindo um universo inteiro de possibilidades. S. Teresinha, por exemplo, nos apresenta a pequena via de santidade, em que fazendo as pequenas coisas tendo em vista a Deus podemos chegar às grandes realizações, que não são apenas as grandes coisas feitas, mas as grandes transformações na alma que se configura a Deus. Essa concepção carmelita, que já estava em perfeita harmonia com os mestres carmelitas S. Tereza e S. João da Cruz, está ainda em igual harmonia com a síntese moral tomista.

Parece então que dei um salto quanto ao início do texto e seu fim, mas ambos se tratam da mesma coisa: S. Tomás fala da necessidade de amar, os mestres místicos ensinam como amar, mas, ao observar o mundo, só consigo ver o quanto renegam esse amor. Me encontro então como o São Francisco que, entre prantos, dizia "o amor não é amado." Assim como a constatação de que o mundo ignora o amor de Cristo angustiava Francisco, a constatação de que também meu amor é ignorado pelo mundo, me traz a sensação de ser cortado por aço frio. O meu amor não é amado. Eu quero amar você mais, tudo que tenho feito é para conseguir te amar de um jeito melhor e mais sublime. Devia me dedicar a amar a Deus, mas não consigo tamanha abstração sendo objeto de nojo e desprezo de suas criaturas que preferem morrer a me amar. Sou um daqueles que angustiava Francisco. 

Tenho pretensões de amar, mas tudo que conheço do amor é a dor.

As desilusões não cessam jamais, seguem-se uma a uma. 

Reconheço com clareza o meu erro: enquanto os santos, místicos ou teólogos, falam do fim último, do bem supremo, ao se referirem ao amor, eu estou preso ao amor do outro, do outro que se me nega, do outro que... Do outro que eu, por mais próximo que seja, nunca serei amado. 

As desilusões não cessam jamais.

No fim das contas, não adiante o quanto eu ame, meu amor é baixo, falho, humano demasiado humano e sequer pode alcançar o coração de outro homem. O meu amor jamais será amado. 

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