sexta-feira, 14 de junho de 2024

Dicotomia do querer

"Flores, tristes flores" de Maria Helena Saparolli

O que fazer quando o coração quer uma coisa e a mente quer outra? E quando se sabe que se pode ter nenhuma delas?

Meu coração quer continuar amando. Minha mente diz que é melhor nunca mais amar. E eu sei que ambas as coisas são impossíveis.

Para um apaixonado como o amor é uma realidade da qual não se pode fugir. O meu coração sempre vai tender ao amor, mesmo quando já tão desgastado e dolorido que esse amor se revele em formas menos agradáveis que as do doce amor. Já não o conheço sob essa forma, o amor me é hoje amargo, não como um remédio, no entanto, mas como veneno que enfraquece pouco a pouco. 

E minha mente, por mais que se inebrie em devaneios niilistas, sabe que não pode se furtar a sentir. Essa é minha condenação, minha luta: eu estou fadado a sentir demais. Com intensidade demais, o tempo todo, até que o sentir perverta a mente de tal modo que se revele no corpo as marcas daquilo que sente. Eu sou a superfície clara e translúcida de um abismo profundo, eu sinto o tempo todo. 

Não é como se eu tivesse o olhado o abismo por muito tempo, não, é mais como se eu olhasse, do fundo do abismo, e não visse mais a luz, tão perdido e absorto em mim mesmo. 

Só queria fechar os olhos e não pensar em ninguém. Só queria que minhas mãos não procurassem por ninguém nas noites escuras e frias, só queria não me arrepiar com a eletricidade entre mim e um estranho completo no ônibus só porque nossos braços se tocaram levemente. Só queria não sentir, por um minuto que fosse, que não preciso de alguém para preencher esse vazio que, de tão grande, já é maior do que eu mesmo. 

Mas, como faço eu agora para parar de sentir quando me vejo pior do que os vermes? Afinal os vermes também hão de tocar e devorar sua carne enquanto eu jamais poderei me aproximar de ti. E que desventura por pensar antes que não era o bastante por não ser... Mas agora sei que nem mesmo como homem eu sou o bastante. E por isso também sinto muito, sinto demais.  Só queria que houvesse um modo de não ser tão eu. 

Pensei muito sobre isso, mas cheguei a mesma conclusão de Machado de Assis: "...preferi dormir, que é um modo interino de morrer."

Ensaio sobre a dor

Ardor, a dor que arde em fogo. 
Véu que vela e que revela. 
Flores que se fecham, dobram sobre seus corpos, enrijecem os seus caules, de luto se vestem. 
Chovem pro alto em busca do abrigo, 
do abraço, 
do colo, 
do ninho que não mais encontram. 
Flores, tristes flores. 

Maria Helena Saparolli

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