A modernidade é tediosa. O desejo pela inovação, seja no campo das artes ou das ideias, está cheio de gente que, querendo ter uma opinião, consegue no máximo expressar a imensidão de sua incapacidade. Qualquer cantor brasileiro que tem uma música divulgada internacionalmente se sente o ápice da realização cultural da nossa sociedade, só porque o funk do momento caiu em alguma trend do TikTok e os estrangeiros não sabem que se trata de só mais uma batida repetida pela milionésima vez com uma letra repetitiva que não quer dizer nada.
A inovação sempre existiu, mas ela como uma busca do artista pela expressão de alguma parte profunda do seu ser, alguma experiência que ele buscava traduzir de algum modo novo em sua obra justamente por ser uma experiência tão nova na própria vida que os cânones da época não conseguiam mais dar conta.
Quando o gênio de Beethoven compôs uma sinfonia de duração gigantesca, para os padrões da época, e que incluia uma marcha fúnebre inesperada, ele representava ali o espírito revolucionário que dominava a Europa, com sua ânsia pela destruição de tudo aquilo que antes estava consagrado à arte. Malgrado o insucesso e as devastadoras consequências da Revolução Francesa em todos os âmbitos da vida humana, o espírito revolucionário do compositor alemão fez uma orquestra e um coro cantarem a alegria de um jeito jamais visto, desde o ponto de vista daqueles felizardos que viviam nos Elíseos.
Muitos outros também encontraram novas formas de se expressar, e não é meu objetivo apontar o que está certo ou errado, mas apenas dizer, quando se busca apenas a inovação pela inovação, o choque pelo choque, a arte perde sua graça. Crítica social seguida de mais e mais crítica social, mas e a experiência individual, não aquelas experiências de grupo, já caricaturadas e diluídas.
Novamente eu volto ao tema da expressão individual, do ser que se livra das muitas camadas sociais que o recobrem e o protegem e que o fazem expor aquilo que há de verdadeiro no seu interior. Quantos conseguiram fazê-lo de um modo memorável.
Mahler usa de elementos inesperados em sua obra para expressar especificidades da sua personalidade que não se viam nas orquestras da época. O martelo grandioso do destino e seus golpes fatais, mas também o sino de vaca e a solidão do homem nas sinfonias 5 e 6 ou o gigantesco conjunto a cantar a redenção pelo amor na de número 8, Tchaikovsky e os sinos mostrando o apego a religião do povo em meio a guerra em sua Abertura 1818, Wagner e a imponência grandiosidade de sua obra repleta de contradições e dilemas morais que refletiam a própria moralidade turva do compositor.
Também nas artes visuais, o brutal assassino do Vampiro de Dusseldorf assobia enquanto comete o rapto de suas vítimas, se viu copiado uma centena de vezes no cinema colocando o assassino como um homem exótico e incompreendido, mas poucas vezes conseguiram repetir o drama da vontade pervertida incoercível do discurso final do culpado diante de seus juízes. Foi também válido colocar um mictório no museu ao criticar a aceitação de qualquer coisa que se diz arte, por mais tosca que seja, mas e quando isso só é repetido como se fosse uma grande novidade?
Dificilmente se encontra hoje uma peça, um filme, um livro de nossos tempos que não estejam repletos de mensagens de segundo grau, por assim dizer, por revelarem não a experiência pessoal de seus autores mas simplesmente uma vontade e um desejo grupal de realizar, sem parar, uma catarse social que já não encontra limites. Com isso a contemporaneidade se encontra diante de um volume de artistas que, no desejo de inovar, repetem mais e mais do mesmo, todos arrolando para si a percepção de algo que, não só é mentira muitas das vezes, como também já foi percebido, dito e medido por todos de tal modo que são esquecidos em dois minutos porque, de algum modo, todos já perceberam isso. A modernidade é tediosa.
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