segunda-feira, 10 de junho de 2024

Um amor em alto mar

Não é a primeira vez que digo que o cansaço, a depressão, ou como queiram chamar já que acho que se trata da existência mesma, me tirou o brilho e a vontade de viver. Percebo isso na melancolia em que me vi nos últimos dias, muito embora agitados, mas o corpo não segue o ritmo do coração e, ao ver coisas que deveriam me emocionar profundamente, eu apenas assenti internamente. 

Sei que, para além do cansaço, estava cheio de remédios e, portanto, anestesiado para muitas coisas, mas pensar nisso agora me causa certo desconforto, que os poucos momentos para o qual fico a espera, se tornaram também eles vazios. Não seria de surpreender que a isso também me tirasse já que, ao que me parece, o tempo tudo destrói. Mas isso não é nenhuma novidade, nem para mim e nem para o gênero humano. 

Desde a aurora dos tempos nos maravilhamos e tememos essa que é a verdade mais visível e assustadora de todas: o tempo que passa sem que nada possamos fazer. Não adianta que eu faça a barba com mais frequência e gaste em cosméticos japoneses, isso só atenua leve e superficialmente alguns sinais que, no particular, são sinal da força avassaladora da qual nenhum de nós pode fugir. Montanhas são aplainadas, oceanos secam, folhas caem e arvores gigantescas caem como se fossem pequenos gravetos. O tempo dobra até o aço mais forte como se fosse papel, o que ele não faria com nossos corpos e nossa vontade?

Mas, talvez quando os índices de droga no meu sangue começavam a dispersar, uma cena me chamou atenção. 

Aquele homem irritado, naquela ilha contra sua vontade, finalmente demonstrara alguma reação além do tédio e da absoluta contrariedade. Navegando em alto mar ele corria de um canto a outro do barco, não parecia em nada o reclamão de instantes atrás, apontava para as ondas do azul mais belo que ele já vira, para as montanhas da ilha deixadas para trás, cobertas de vegetação verde brilhante, do belíssimo céu que se estendia infinitamente diante dele, salpicado de pedacinhos brancos de nuvem. Ele brilhava então numa euforia que seu guia particular, aquele que seu amigo contratara e o que o irritara desde o primeiro instante em que colocara os pés naquele ilha no fim do mundo, não tinha visto até então.

O jovem guia, a joia daquela ilha, disputado por mulheres e homens não só por sua beleza, mas pela sua prestatividade, pela sua simpatia e carisma incontestes, estava encantado com aquele homem. Sempre irritado, com a ilha, com o sol, com seu dialeto, com sua prestatividade, mas ainda de uma beleza inigualável. Aquele visitante era ainda mais bonito do que ele, e ele não tinha como discutir com isso. Ficara maravilhado, embora não tenha demonstrado, ao ver as fartas porções de pele que ele havia revelado em troca de cooperação. O jovem escritor, que havia se perdido num de seus trabalhos, buscava inspiração para uma cena de sexo, e tentara seduzir o homem, que resistiu por alguns instantes, mas aquela cena, o outro de pernas abertas a sua frente, com apenas uma pequena faixa do roupão de banho cobrindo seu sexo, os ombros nus e o olhar convidativo... Aquilo ficaria em sua memória ainda por um longo tempo.

Naquele barco ele não queria provocar o escritor, o deixaria quieto em seus pensamentos, feliz como uma criança, e talvez ele conseguisse voltar a escrever, o que quer que fosse. E então ele foi pescar alguns mariscos, sendo também, é claro, o melhor mergulhador daquela região. Surpreendeu-se ao retornar e ver aquele escritor, que se rodeara de uma personalidade fria e distante, chorando, preocupado com o mergulhador que desaparecera silenciosamente. 

- Mesmo que eu te odeie, eu não quero que você morra. Ou por acaso você quer me matar do coração? - O tom não só irritado, mas quase desesperado, a angústia daquelas palavras e daquelas lágrimas mostraram o diamante da ilha que aquele companheiro guardava consigo algum trauma. Quem será que terá partido diante dele para que ele tenha tanto medo assim da morte de um desconhecido. 

Ele não pensou duas quando o abraçou com força, num consolador abraço de urso, os fortes músculos envolvendo completamente o corpo pequeno do turista que, tentando se desvencilhar da investida daquele gigante, lutava também contra o instinto de o abraçar e, em meio a um abraço e de protestos, deixou suas lágrimas rolaram pelas costas do outro, se misturando com a água do mar que ainda escorria da roupa de mergulho. Depois que ele começara a se acalmar, o outro lhe deu um beijo no alto da testa, mostrando mais uma vez não só a sua habitual receptividade, mas uma genuína preocupação, um gesto de carinho que ele mesmo não entendia muito bem, achava que poderia ser apenas atração, mas que logo mostraria ser bem mais do que isso: era o desejo que nascia no seu coração, de cuidar daquele homem ríspido, até que ele se abrisse novamente para a vida, para o amor. 

Um comentário:

  1. Uau, muito lindo !!! Captou exatamente o acontecimento dado o desespero do escritor, dado o desejo do guia .

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