sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Encontro

À noite se espreita como uma serpente, e lentamente se aproxima de seu alvo preparando seu bote. É na noite que o pensamento se consolida e é na noite que nascem os sentimentos mais profundos do coração de um homem. 

Em algum lugar distante um jovem se encontra feliz em sua vida. Não anseia por mudanças nem deseja nada de novo. Apenas se contenta com o que tem e com o que conseguira com o suor de seu trabalho. No entanto, numa noite comum, ao voltar para casa depois de um longo dia de trabalho, ele se surpreende com uma visão num dos becos escuros e sombrios da cidade. 

Acabara se demorando por demais na taverna bebendo com albuns amigos após o expediente, e a essa hora as ruas jé estavam desertas. Todos já haviam se recolhido ao aconchego de suas casas, onde ao lados das lareiras ou debaixo das cobertas, fugiam do frio terrível que lhe fustigava seus ouvidos. O jovem moço pára então diante de uma longa escuridão ao vislumbrar um brilho carmesim no final daquele beco.

Sentira um estranho arrepio por todo seu corpo, não teve coragem de aproximar-se mas tentou enxergar melhor se havia algo no final daquela rua sem saída. Nada. Apenas um brilho vermelho vivo que logo desaparecera. Perturbado então ele retoma seu caminho, caminhando mais depressa dessa vez, com uma estranha sensação a abrasar seu coração. Embora as ruas estivessem completamente vazias e o vento rugisse forte em seus ouvidos, ele praticamente podia ouvir alguem a lhe seguir. Sabia ser apenas uma impressão errada pois se virara várias vezes e não havia nem sequer sinal de outra pessoa ali. Ainda faltava muito para que chegasse a sua casa e ele já corria, assustado pelo estranho brilho e arrependido por ter se demorado tanto a ir embora.

Próximo dele, por cima dos telhados das casas, um jovem misterioso observa atentamente aquele rapaz assustado. Coberto por um capuz escuro ele esconde seus olhos e cabelos da cor de um vermelho mortal e treme por saber que naquela noite, encontrara mais do que apenas uma presa comum. Suas mãos sempre firmes e cofiantes, sinal da experiência que os séculos lhe dera, agora tremiam como as de uma criança assustada e ele não conseguia compreender completamente os motivos por detrás daquela perseguição. Já se decidira por não matar o homem pois, naquele momento, durante o encontro no beco escuro, quando seus olhos se encontraram, uma força misteriosa se mostrou inquieta dentro dele. Em seus muitos séculos de vida ele nunca sentira algo parecido, como se dentro de si uma grande chama tivesse se acendido e ele agora tivesse sido transformado em brasa. Num ímpeto desse calor ele decidiu descer dos alto prédios e deixar-se ser visto, e assim o fez.

No momento exato em chegou ao chão, o outro homem parou repentinamente. Em seu corpo uma forte carga elétrica correu por cada uma de suas entranhas. Seus olhos ardiam, seu coração queimava e sua garganta queria gritar. Suas pernas não obedeciam as suas ordens para correr e se esconder, tudo o que ele conseguiu fazer foi virar-se. 

E foi quando tudo aconteceu. 

Quando o mundo deixou de fazer sentido e quando esses dois homens, separados por séculos, se encontraram finalmente, como estava escrito desde o início dos tempos.

Ao cruzar dos seus olhares, um negro e o outro de um vermelho como sangue seus olhos brilharam e ambos se assustaram. Com o tempo de um piscar de olhos, o estranho homem encapuzado cobriu toda a distância que havia entre eles e se pôs frente a frente com o jovem que agora tremia-se completamente de desespero ao sentir que estava de frente com a própria morte. Eles se observaram atentamente por longos minutos.

O primeiro era alto e esguio, porém um pouco musculoso, pois seus músculos torneados eram visiveis pela camisa branca encharcadda de suor frio e já grudava por seu corpo. Tinham olhos negros como o carvão e cabelos da cor de um mel escuro. No sol certamente brilhariam como ouro, e também estavam molhados de suor, que escorria por seu rosto até o pescoço, destacando as linhas finas de um corpo jovem. O segundo era baixo mas tinha um corpo forte também. Não havia muito dele descoberto, apenas suas mãos brancas que deveriam estar congeladas naquele frio e seu rosto, igualmente branco e incrivelmente belo. Possuia uma rosto fino de feições delicadas, lábios rosados que poderiam muito bem ter sido pintados por algum artista romântico no auge de sua paixão e olhos de cabelos de um vermelho vivo, como sangue. Mesmo coberto pelo capuz, uma longa franja caia por seu rosto revelando naquele noite gelada e escura uma figura delicadamente apavorante.

Quando seus olhares se cruzaram, tudo mudou. Como se o universo inteiro tivesse parado de se mover e as próprias estrelas tivessem se encarregado de lhes explicar aquele encontro. Nada precisava ser dito, o amor já havia lhes explicado tudo. estavam destinados aquele encontro há muitos séculos, mas por uma infeliz coincidência, o jovem mais alto não nascera naquela época, impedindo que o outro morresse e o condenando a séculos de uma vida vazia e sem significado. Vagava pelas noites buscando diversão e já há algumas décadas se ocupava de assustar as pessoas que andavam sozinhas a caminho de suas casas. As vezes vingava-se de homens e mulheres que traiam seus parceiros pois, como não podia ser morto, logo aprendeu a arte de melhorar os seus sentidos, transformando-se numa arma letal. Naquela noite em especial iria apenas assustar o jovem trabalhador que se demorara no divertimento com os amigos, seu único objetivo era cobrir o tédio de séculos de existência. 

Não podia se misturar com outras pessoas, sua aparência era de ser apenas uma criança, e os únicos lugares onde ele seria aceito eram bares e bordeis de gosto duvidoso onde homens e mulheres buscavam agradar seus desejos das maneiras mas torpes que se podia imaginar. Há muitas décadas abandonara esses divertimentos, detendo-se a vagar sem sentido e a peseguir desavisados nas noites escuras. 

O outro além de conhecer essa história, também viu a sua vida ser transmitida magicamente ao jovem de cabelos vermelhos. Mudara-se para aquela cidade há pouco tempo, a procura de emprego, que logo encontrou. Não tinha vivido nada ainda. Nada de paixões, nada de amores, nada de aventuras, até aquele momento.

Sabiam os dois que a partir dalí nada seria igual. A força que fluia por entre eles poderia ser tocada no ar por alguém que ali passasse e eles apenas ficaram ali, se olhando, durante um longo tempo, até que o jovem encapuzado despiu-se de seu longo casaco, revelando seu corpo incrivelmente belo visível por uma camisa branca que praticamente era transparente e ajoelhou-se enquanto o outro estendeu as mãos para tocar seu rosto e abaixou-se para tocar os lábios daquele rapaz com os seus.

Uma enorme luz brilhou naquele momento e pode ser vista por toda a cidade. Como se ao toque dos dois uma estrela tivesse nascido. No local onde estavam apenas se viu uma única rosa, caída, que brilhava com toda a força no meio daquele vento gelado e da neve que começava a cair. Um casaco grande também voou pelos céus junto com a enorme coluna luminosa que subiu ao infinito. Os dois nunca mais foram vistos. Apenas uma pequena menina, olhava tudo o que acontecia de sua janela, escondida atrás da cortina de uma casa próxima. Vira os dois homens se aproximarem, se beijarem e desaparecerem numa explosão de luz.

Foi considerada louca por todos a quem contou aquela história, mas como toda a cidade acordou com aquele feixe de luz gigantesto que fez a noite parecer o dia por alguns instantes, a história dela foi a melhor aceita por todos. E logo a história se espalhou, do casal que trouxera luz paras as trevas da noite naquela cidade. E dizem que ainda hoje eles podem ser vistos andando por aí, de mãos dadas, cuidando dos jovens apaixonados que voltam tarde pra casa depois de visitarem seus amores. Protegendo os amantes das noites e amando-se sob a luz da lua para todo o sempre.

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