domingo, 16 de outubro de 2016

O herói e sua sombra

Um homem de verdade é capaz de fazer qualquer coisa em nome daquilo que ama, é capaz de superar todo e qualquer limite e de destruir qualquer obstáculo pra conseguir aquilo que ele realmente acredita ser importante. Mas para que esses limiters sejam superados e os obstáculos vencidos, é necessário desse mesmo homem uma única coisa: dedicação total e exclusiva aquilo que ele ama e deseja. Em outras palavras, ele pode tornar sua vontade realidade se acreditar nela verdadeiramente e dedicar-se a ela completamente. 

Posso estar completamente equivocado no que irei dizer, mas sendo um apaixonado inveterado e alguém que, por mais que tente, não consegue fugir do amor, eu ainda sinto ter forças para lutar por minha felicidade. Ainda me sinto capaz de me dedicar inteiramente a alguma coisa e de nela ser feliz. Sinto nascer em mim uma espécie de força revolucionária, uma aura heróica, que me faz acreditar ser capaz de rasgar os céus em busca do que quero.

Mas para que isso aconteça, o Grande Herói da Revolução precisa primeiro abandonar o mundo inteiro em função dos seus ideais. Isso requer um doloroso, porém libertador, processo de negação de si mesmo. 

Nossa estória começa então numa terra desconhecida. Um lugar de altas montanhas e campos verdes a perder de vista. E é nessa terra onde nosso herói conheceu seu amor. E desde aquele momento os eixos de sua vida se modificaram completamente. Não mais desejava para si uma vida tranquila e solitária, mas a partir de então só foi capaz de se imaginar ao lado daquele que ele escolhera para ser o grande amor de sua vida.

No entanto, ao contrário de nosso herói, esse jovem rapaz era um homem de visões ambiciosas, e desejava sair daquela terra vazia e desconhecida e gravar seu nome nas paredes do mundo, onde deveria ser lembrado para todo o sempre. Nosso equivocado apaixonado, cego por seus sentimentos, decidiu então seguí-lo em sua busca por revolução. Lutaria nas sombras, protegendo com sua vida a vida do homem que amava. Decidiu fazer de si mesmo um mártir desconhecido, mas que no íntimo morreria em função daquilo que acreditava. Mas não acreditava na causa, e sim no homem que a criara, e a esse homem se dedicaria até o findar de seus dias.

Entregara-se completamente a ele decidindo-se por partir em seu encalço numa noite estrelada, que ficou marcada em seu coração como a primeira noite em que ele se sentiu verdadeiramente livre. Livre pois não apenas seu corpo movia-se pelos campos de mundos desconhecidos, mas porque seu coração voava livremente atrás de seus anseios mais profundos. 

Fora chamado por sua família de louco por decidir tão repentinamente lutar por uma causa que lhe era praticamente desconhecida. Mas aquilo não era para ele nada senão um incetivo ainda maior para perseguir seu amado. E deixando tudo para trás, suas próprias vontades, seus próprios desejos, abraçou para si o destino que outro traçara e tomando aquela causa como sua, levaria até a última das consequências para realizá-la.

Mas a batalha tão logo se iniciou já se mostrou sangrenta e brutal. E o amado de nosso herói logo percebeu a presença daquele que das sombras o protegia sem cessar, como se acreditasse mais nele do que na causa em si. No entanto isso não importava realmente, se ele estava disposto a morrer por aquilo em que acreditava, não importava se sua crença era nele ou em sua causa. E daquele momento em diante, quando notou o valor do jovem apaixonado de olhar feroz, abraçou para si também aquele pequeno rapaz franzino que, lutando pelo que acreditava, se mostrava mais feroz do que qualquer leão. 

Não tardou a luta mostrar-se mortal. Muitos dos seus morreram, mas, outra coisa ainda maior do que as pessoas morreu em nome daquela revolução: o passado daqueles que nela lutavam. Em nome de seus amores e de suas paixões, os homens derramaram seu sangue pelas ruas e os dois se viram sozinhos. Nenhum outro sobrou ao lado deles. Tinham apenas um ao outro a partir daquele momento. Sua causa morrera? Não, ainda queimava ardentemente em seus corações, e mesmo depois de suas mortes, continuaria a existir, pois é isso que o humanos tem de belo: suas crenças não desaperarecem quando morrem, pelo contrário, é no derramar do sangue que elas germinam ainda mais fortes e com raízes ainda mais profundas. E aquela revolução aconteceu, mesmo com apenas dois homens, pois os dois acreditavam tanto, que dando um passo de cada vez, foram capazes de realizar um milagre.

Um lutava por seus ideais e o outro por seu amor. Mas foi justamente essa diferença de crenças que fez com ambos ficassem vivos. Enquanto um se arriscava para defender aquilo em que acreditava, o outro lutava para defender o homem que amava, e que ele tanto admirava por acreditar tão fervorosamente em seus ideais. E assim os dois chegaram ao poder. Um homem desconhecido porém audacioso que logo se tornou grande. E sua sombra, que sempre lutando ao seu lado, tornara-se a mais letal das armas a serviço do seu amado. E ele não se considerava mais do que isso. Pensava em si apenas como uma ferramenta, que deveria ser usada para construir o castelo dos sonhos que tinha até que não fosse mais útil. E naquele momento, em que ele se tornaria uma ferramente quebrada, ele encontraria sua felicidade pois, não servindo mais aos seus propósitos, teria deixado-se consumir por seu amor. E como uma marcha fúnebre é tocada apenas para confirmar e anunciar a morte, ele passou a viver apenas para anunciar que morrendo, viveria apenas para aquele que amava.

E estava feliz assim. Estava feliz sendo todo e inteiramente daquele que queria ser. Sua vida não pertencia mais a ele e sim a seu amado, e esse era seu objetivo desde o início.

E mais uma vez então, provavelmente a última, eles partiram para a batalha. Cada um defendendo aquilo que amava e acreditava. Sendo os dois juntos invencíveis. Dessa vez, a única diferença era o estranho sentimento que abrasava seus corações. Um calor, uma chama ardente que os fazia interiomente compreenderem-se pela primeira vez. Nada precisou ser dito. Apenas entenderam os sentimentos do coração de cada um, e agora, uma vez unidos de tal forma que finalmente compreendiam os ideais pelos quais o outro lutava, partiram em direção ao último inimigo.

E ora, o último inimigo a ser derrotado é a morte. E frente ao amor verdadeiro, a morte já não mata mais, perdendo seu aguilhão fatal nas lutas que com a vida travou. E de fato aquela fora a última de suas lutas, como homens. Depois de vencerem o último inimigo, seus corpos desapareceram. Nunca mais foram vistos, mas os ideais pelos quais lutavam passaram dos dois para os corações de todos os outros homens. E ainda hoje, seu amor é o que move a humanidade inteira na busca pela felicidade.

Devem perguntar-se quais eram os ideais pelos quais o amado do jovem herói lutava. Pois bem, ele lutava por seu amor, não uma pessoa, mas o amor, que queria levar ao conhecimento de todas as pessoas. No fim de suas vidas, conhecendo os ideais de seu amado, finalmente ambos, o herói e sua sombra, puderam cumprir seu objetivo, colocando seus sentimentos na alma de todos quanto caminhavam por sobre a terra. 

E agora, sua revolução fora completada. O amor estava presente no coração dos homens, e junto com ele, a capacidade de vencer o mundo inteiro em nome daquilo que se ama. Esse amor conecta o homem ao infinito, e sendo infinito, o homem se torna imortal também, como os heróis se tornaram.

Infinitos.

Imortais. 

Invencíveis. 

Por seu amor.

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