quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Uma pequena metáfora

Ontem um amigo se despediu de mim ao ir dormir com as seguintes palavras: "Realmente o homem é um ser idiota. Passamos a vida correndo atrás de quem não merece, e quando encontramos alguém que gosta da gente, achamos que essa pessoa é boa demais pra gente. O homem é idiota."

E fui dormir com essas palavras ecoando na minha cabeça. De fato, conversávamos sobre como tenho me sentido atualmente, e como ele já se sentiu assim também, e ironicamente chegamos a mesma conclusão, de que o homem simplesmente é um ser idiota que gosta de sofrer, e que vive buscando esse sofrimento incessantemente. Ouvir aquilo me chocou, sim, mas notar o quanto essas palavras descrevem a verdade da minha vida foi um choque ainda maior. 

Por ter uma personalidade naturalmente inclinada para o drama, eu costumo fazer de tudo uma grande tempestade, e penso que isso seja um péssimo hábito pois para mim, até mesmo palavras normais ditas às pressas soam ríspidas e frias. Esse traço de minha personalidade revela uma sensibilidade ímpar que no entanto só provoca sofrimento, não é algo que eu considere bom, somente no tocante ao ser mais aberto a expressões de delicadeza que dificilmente os outros conseguem compreender.

Enfim, antes que me perca em devaneios, é necessário dizer o que acontece quando esses dois traços se cruzam. Quando a sensibilidade aumentada se cruza com a tendência ao drama, o resultado é uma personalidade frágil e altamente tendenciosa que deixa em mim profundas marcas que demoram anos para desaparecer. 

E tem sido com essa contradição que tenho convivido. Sendo amado e no entanto não me sentido merecedor desse amor. Sendo amado mas incapaz de amar verdadeiramente. E como toda contradição, que impede o avanço e se perde num ciclo vicioso, eu também tenho sentido que estou preso num ciclo do qual não consigo escapar. 

Já me alertaram várias vezes: nutrir essa contradição dentro de mim é uma armadilha demasiado perigosa, e no entanto eu continuo a insistir nela. 

Toda as vezes que estou prester a tomar algum tipo de decisão firme sobre o que fazer e como agir, eu sou envolvido por um oceano de devaneios e sonhos que fazem com que eu me perca e que, ao recobrar a consciência, não consigo mais me lembrar do que se tratava. É frustrante. Cada vez que chego perto de uma resposta, ela se esvai. 

Talvez isso signifique que eu esteja procurando no lugar errado. 

E como resultado eu me sinto completamente perdido. Paralisado em todos os campos da vida. E não só no tocante ao sentimento. Acontece que os campos são todos interligados, e o que afeta o fluxo de pensamentos em um, acaba que afetando a todos. Como um rio que, tendo muitos afluentes, parece não depender de nenhum deles em especial, mas que, ao bloquear qualquer um de seus braços, acaba que sofrendo uma baixa considerável, e portanto perdendo parte do seu esplendor. Eu sou esse rio cujos pensamentos bloqueiam a passagem das águas. E um rio que não corre é um rio morto, indigno de ser chamado de rio e contado entre os corpos que são responsáveis justamente por conter e guiar a água. 

Uma pequena metáfora que define a forma como me sinto. Um rio morto, paralisado. Incapaz de levar vida para as vilas próximas, e sendo assim, capaz de levar apenas a morte. Um rio como esse merece ser destruido. Deve dar lugar a plantações que serão regadas com as águas de um rio próximo, esse sim, digno de receber esse nome. 

Assim como esse rio leva seca e desgraça aos homens que vivem a sua margem, eu também sou responsável pelas desgraças na vida dos que me cercam. Acontece que eu sempre envolvo inocentes nas minhas desgraças e isso é algo horrível. Se eu quero me entregar ao sofrimento, tudo bem, mas é imperdoável que eu faça isso aos outros. Eu devia ser cancelado. Devia ser impedido de fazer bobagens, com os outros pelo menos. 

Mas, talvez um dia a barragem se rompa, e as águas voltem a correr... Talvez um dia o rio recupere sua beleza e esplendor, e se isso não acontecer, que ao menos desviem seu fluxo portanto, e esqueçam que ele foi um dia o responsável pelas desgraças de toda um região. Assim espero que seja comigo... anseio pelo dia em que todos se esqueçam que eu um dia os fiz sofrer, e que sofrimento e dor foi tudo o que minha presença lhes proporcionou. 

Talvez um dia eu receba essa graça, de não fazer mais ninguém sofrer... E finalmente possa sofrer sozinho, sem levar ninguém pro abismo comigo. 

Me imagino como um rio a correr solitário e distante, sem que ninguém se dê conta de sua existência. Sozinho, sem levar sofrimento a ninguém com minhas águas sujas de lama e cheias de veneno. Um rio a correr solitário.

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