quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Mudando o que tem de ser mudado

Olhando o mundo que nos cerca, vemos que as coisas possuem sempre características conflituosas entre si, mas que ainda assim conseguem conviver de uma forma harmônica nesse mesmo mundo. Temos então o quente e o frio, o molhado e o seco, o rijo e o mole, o forte e o fraco. Mas a natureza não se aparenta com o caos. Por mais que ela esteja sempre em constante transformação, ela sempre aparenta uma aura de ordem em sua composição. As coisas sempre se ajeitam, de uma forma ou de outra. Se um vulcão entra em erupção, por exemplo, e a lava, o fogo e a  fumança destroem a vegetação que o cerca, logo a natureza retorna a um estado de equilíbrio. Seja com o lento retorno da paisagem original ou com a criação de uma nova paisagem. O mesmo acontece com as geleiras e os rios, que em suas cheias transformam o lugar por onde passam.

Partindo de uma perspectiva humanista, observar os apostos do mundo que nos cerca devia nos ensinar um pouco sobre tolerância e compreensão, mas penso que essa é só mais uma das coisas que nós não entendemos. 

Por mais que duas pessoas sejam próximas uma da outra, e que tenham gostos parecidos, é muito provável que elas irão discordar de forma gritante sobre algum ponto. Ainda não conheci duas pessoas que concordem em tudo todo o tempo. Cada pessoa é formada por um pensamento que se consolidou através de muitas experiências, agradáveis e ruins, e que assim foram aos poucos moldando sua mentalidade. Como todos vivemos experiências diferentes, é inevitável a formação de mentes diferentes e portanto, inevitável o choque de opiniões aqui e ali.

Esse choque não precisa ser necessariamente algo ruim, muito pelo contrário, sempre do confronto entre duas partes, há uma terceira formada desse encontro, e isso é quase sempre uma coisa ótima. Pode ser uma terceira opinião ou a consolidação de uma por sobre a outra. E assim vamos crescendo como pessoas. Adquirimos uma opinião ou um conceito que logo mais a frente precisa ser confrontado com outro que a ele se opõe e dessa situação eu necessariamente vou adquirir uma experiência, que pode modificar completamente minha visão sobre algo ou consolidar ainda mais a visão que tinha antes. E o que é a vida senão um apanhado de experiências e opiniões? 

- Dias ensolarados fazem você se sentir bem.
- Dias chuvosos fazem você se sentir triste. 
- Se te disserem que é assim, então é isso que você acredita que seja. 
- Mas você também pode se divertir num dia de chuva.

(Hideaki Anno)

E assim vamos contruindo nossa personalidade aos pouquinhos. Me arriscaria até mesmo a dizer que nossa personalidade é algo em constante mudança e que vai sendo por nós construída até o fim de nossas vidas. Até o último momento adquirimos experiências e até esse último momento mudamos de opinião. Até o fim moldamos e somos moldados pelo mundo. 

Há que quem goste de viver perigosamente e que busca para si as situações mais extremas para então confrontar dentro de si esses extremos. Por outro lados há aqueles que preferem confrontar-se no campo das ideias, e esses, penso eu, são aqueles que mais sofrem.

Sofrem pois vivem num mundo onde nada é concreto, onde nada é verdadeiro e onde nada é permanente. Tudo é maleável o tempo todo. A azul que é belo hoje, amanhã se torna sinal de tristeza, e perde para o amarelo brilhante o posto de cor mais bonita. O amarelo que hoje é mais belo que o azul, ontem causava repulsa e estranheza. Sempre existe alguma oposição se fazendo presente no interior dessas pessoas. 

Isso não significa que são pessoas imorais, ou amorais, e que por estarem em constante mudança não são dignas de respeito e confiança. Um assassinato é sempre um assassinato, mas as causas que o motivaram são tão importantes quanto o assassinato em si. Certamente uma mãe que mata para defender seus filhos de um homem violento não é, ou ao menos não deveria, ser julgada da mesma forma que aquela que matou por prazer. 

No entanto, quem define o certo, o errado e o que deve ou não ser levado em conta num julgamento como esse? Deus? A Justiça enquanto instituição? As religiões? Ainda que se possa falar de uma moral intríseca ao homem eu me pergunto até que ponto podemos nos basear nisso para formular nossas opiniões e posicionamentos. Digo isso pois ja encontrei opiniões tão divergentes entre si sobre um mesmo assunto que custo a pensar como chegaram a tais extremos.

E partindo dessa questão, dos extremos, comecei a me perguntar sobre os extremos que existem dentro de mim mesmo e o contraste de opiniões que eu mesmo venho sofrendo através dos tempos. Hoje venho me divertindo em escrever regularmente já a alguns meses, mas anos atrás sequer conseguiria escrever por três dias sem me cansar dessa ideia. O garotinho que há 10 anos não suportava ouvir musica nacional com conteúdo sexual apelativo hoje se vê cantando no banho músicas que fariam seu eu mais novo desejar o suicídio, e no entanto isso é algo natural. E também não é complicado ver como os outros são afetados por sujas mudanças. O Beethoven que compôs a Sinfonia Eróica é o mesmo que compôs a Sinfonia Coral e dificilmente um desconhecido diria que trata-se de obras de um mesmo compositor. 

O mundo segue então em umas constante mudança, Mutatis mutandis, mudando o que tem de ser mudado. Da mesma forma, de uma maneira até análoga a do próprio universo, também nosso coração se encontra nessa mudança eterna. O corpo que hoje é capaz de expressar toda essa confluência de pensamentos amanhã não passará de restos misturados a terra, pisoteado por novos corpos repletos de ideias.

Pensava sobre estas e outras coisas enquanto estudava sobre a História da Arte um pouco mais cedo, e via como a mentalidade do homem ia se transformando e se modificando, e através da oposição ia se moldando das formas mas variáves possíveis através dos séculos, e achei muito engraçado notar como as transformações que aconteceram em séculos continuam a acontecer, quase que nas mesmas proporções, no meu ser em pouco mais de duas décadas. 

E o mundo continua em harmonia. Belo é ver o esforço que algumas pessoas fazem para se compreenderem e assim viverem de forma mais harmoniosa. Como um casal que, tendo opiniões divergentes, consegue sempre chegar a uma solução satisfatória para ambos. Claro, há momentos em que um dos dois precisa renunciar, a seus gostos, seus desejos, pois nem sempre dois opostos são conciliáveis. Podem se tolerar até certo ponto, mas em determinado momento um dos dois há de prevalecer, ou de se miscigenarem. 

Expandindo ainda mais o pensamento, o campo das ideías é igualmente regido por essas leis invisíveis da renúncia. Pecado e santidade são opostos e nunca andam juntos, e no entanto, santos e pecadores caminham juntos no mundo desde sempre. Da mesma forma como a doutrina da Igreja Católica não pode se conciliar de forma alguma com o comunismo, e no entanto a Igreja e paises comunistas continuarão existindo, até o momento em que um dos dois irá prevalecer. Um não aceita o outro, um não é absorvido pelo outro, mas convivem num delicado equilibrio. Esse equílbrio será rompido no momento do conflito inevitável entre esses dois opostos.

Mas de volta ao interior, o barroco de ontem não contenta mais o artista que hoje busca o romantismo, mas que amanhã voltará a apreciar o barroco. Isso não significa relativismo, pois o barroco não perdeu suas caracteristicas e nem o romantismo as suas, mas significa ser humano, e transitar sempre entre um e outro. Permanecer em um enquanto o próximo permanece em outro. E dessa forma, barrocos e romanticos, vão vivendo e se transformando por esse grande período de aprendizado e mudanças que chamamos de vida, mas que alguns chamam de morte, e assim por diante.

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