quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Outro sonho

Parece que a mente humana nunca será capaz de parar de me surpreender, a cada dia um novo aspecto dela me fascina e me faz pensar na grandeza da criação. Somos tantos e ao mesmo tempo tão diferentes. Cada pessoa é um universo único, regido por leis únicas, separados pela própria consciência  de outras dimensões mais estranhas, ou seja, de outras pessoas.

Nesse nosso universo, desde sua criação, ele continua em constante expansão, e a semelhança do universo exterior, não só não conhecemos toda sua extensão como ele ainda continua a expandir -se continuamente, e a transformar-se também. Somos então obrigados a embarcar numa jornada de autoconhecimento e a cada dia explorar uma nova terra, um novo planeta ou estrela desse nosso cosmos particular a qual só nós temos acesso. E é nessas explorações que vou descobrindo os muitos mundos que existem dentro de mim. 

A história de hoje é uma mistura de sonho com realidade, uma viagem que resultou duma reflexão sobre um sonho real e que pode trazer luz a alguns pensamentos mais obscuros que tenho tido ultimamente.

Nos tempos de hoje, ou talvez seja uma visão do futuro, a qual me foi concedida a graça, um antigo amor ressurgia. Ressurgia como costuma ser, repentinamente, daqueles que se aproximam sem que se perceba e lentamente toma de conta de tudo. Como uma névoa fria que aos poucos se espalha, trazendo consigo fantasmos do passado que ainda não descansam em paz no meu coração mas que já foram sepultados há muito tempo. 

Nesse universo paralelo, que muito se parece com este em que hoje vivo, ele reaparecera. E como fizera todas as outras vezes, abalava meu mundo com sua presença. Presença da qual eu passei a fugir a partir do momento em que descobri o quanto me fazia mal. E por esse motivo, desde então, sua presença é sempre acompanhada de uma marcha fúnebre. Como se meu próprio coração su pusesse a compor os acordes de seu requiem, da musica de sua própria morte. E a névoa dourada, brilhante porém assustadora me envolveu sem que eu percebesse e quando me dei conta, já estava por ela rodeado, sem chance de escapar.

Essa névoa dourada é como aquela produzida pelas Rosas Diabólicas Reais, que atrai suas vítimas com seu doce perfume que na verdade é um poderoso veneno, mas um veneno que mesmo causando dor e vertigem, faz o corpo desejar e pedir por mais daquela fragrância profunda da morte. Ela hipnotiza, faz sumir os sentidos e quando finalmente consigo recobrar a consciência, já tarde demais, não há mais possibilidade de escapar. 

Num lugar comum, um shopping, ele se apresenta como sempre fizera, destilando seu doce veneno de serpente em cada palavra, mas disfarçando com o doce perfume. Uma armadilha perfeita. Poderia tomar um país inteiro em uma única noite se quisesse com aquele sorriso maldito capaz de enganar até mesmo o próprio demônio, mas não a mim, e no entanto, mesmo sabendo da verdade que se esconde por detras daquele engodo, me deixei ser envolvido pela névoa e agora me encontro preso nela.

Me entrego novamente, como fiz anos atrás, a seu olhar infantil e brilhante e a seu sorriso largo e hipnotizador. Não me lembro de nada de nossas conversas, apenas me recordo de me entregar a elas e de novamente cometer o absurdo erro de abrir meu coração e de declarar meu amor. 

De repente o cenário se modifica e a aura controlada pela sua presença se torna fria novamente. O calor que antes era usado para tranquilizar se muda num frio cortante, desesperador. Eis que ele precisa de mim, e aos prantos implora por minha ajuda e meu perdão. 

Nesse sonho eu contava com duas perspectivas. A primeira, vivia e sentia e a segunda, além de viver e sentir, assistia o que a primeira vivia. 

Percebi a presença do seu ardil, sua armadilha cuidadosamente montada. Poderia ser considerado o maior predador do mundo, considerando que não matou muitas vítimas, mas apenas assassinou friamente a mesma vítima por dezenas de vezes. Mesmo sabendo daquela mentira, meu coração não soube dizer não e ouviu aquela história comovente que me contava. 

Sua mãe cometera um grande erro. Num acesso de fúria assassinara seu próprio marido e agora seria levada para a prisão, onde ficaria pelos próximos 10 anos, no mínimo. A expressão dele enquanto contava essa história mudou assutadoramente. No lugar do sorriso meigo e do olhar delicado agora eu via o retrato do desespero e do abandono. Grossas lágrimas brotavam de seus olhos negros por seu rosto já vermelho. O que eu via na minha frente não era mais um garotinho alegre em descobrir o mundo novo, era um homem em pânico. Não pediu muito de mim. Não pediu que traísse meu namorado com ele, e ainda que tivesse pedido, não estava eu tão cego pela névoa a ponto de o fazê-lo. Apenas pediu que eu o acompanhasse. Que o acompanhasse até o lugar onde sua mãe seria deixada, e de onde não tornaria a sair tão cedo.

Lá eu fui com ele, naquela confusa forma que os sonhos tem de nos tranportar para uma prisão de segurança máxima que fica no último andar de um shopping da classe média, de frente a praça de alimentação. E foi ai que a cena transformou-se mais uma vez.

O homem em desespeto acalmara-se e parecia ter aceitado o cruel destino que agora o aguardava. No entanto, o seu olhar ficara absorto por alguns segundos e a névoa dissipou-se rapidamente, me dando a estranha sensação de retorno de todos os meus sentidos. E foi quando a onda do destino bateu de frente comigo, me levando ao estado de pânico que antes pertencia ao garoto que agora estava do meu lado. Depois que seu olhar mudou, eu não via mais vislumbre de alegria ou de dor, apenas de frieza e ódio.

Ele agora me culpara por tudo o que acontecera, me culpava pela perda de seus pais, pela destruição da sua família. Agora seu rosto era tão cruel como de um assassino, mas não um daquele loucos psicopatas que matam grosseiramente sem piedade. Mas é também sem piedade que ele tornou a matar de uma maneira ainda mais cruel. Suas palavras soavam como verdadeiras lâminas, cortando a alma e o coração e me pondo de joelhos. Sua voz rasgava o ar e provavelmente causara fissura nas rochas como um grande poder escondido. 

Me prostrei ao chão diante daquela expressão do medo e do ódio, e aquela voz metálica que parecia ser a do próprio Destino em seus dias de fúria me fazia tremer. A face de dor e desespero era agora minha e as lágrimas brotavam dos meus olhos, e ali fui deixado, sendo obrigado a mais uma vez vê-lo indo embora sentindo ódio de mim. Sem que houvesse nada que eu pudesse fazer.

Felizmente acordei nesse momento. Antes tarde do que nunca.

No entanto a impressão continuou estranhamente gravada em mim. Penso que para ser aqui impressa. Ou porque devo apreender algo mais dela. De qualquer forma, quando vi sua imagem estampada nas redes sociais hoje mais uma vez eu senti o choque que sofri durante o sonho, e uma de suas postagens fez com que o medo e o desespero voltassem. 

Eis que nessa jornada de autodescobrimento nem tudo são rosas. Diaria até que as Rosas são justamente os tesouros que nela encontramos. E nos planetas de nosso universo que vamos explorando, vamos conhecendo lugares hostis, lugares calmos e belos e locais que nos surpreendem, de uma forma boa ou ruim. E assim continuamos a viajar pelos cantos mais afastados de nossa consciência, na busca pelo autoconhecimento que nos ajude a compreender o mundo que nos cerca. 

E assim, segurando nas mãos traidoras do Destino, eu continuo a voar pelo mundo mundo interior, e a cantar:

Me leve para a lua e
Me deixe brincar entre as estrelas
Me deixe ver como é a primavera
Em Júpiter e Marte
Em outras palavras, segure minha mão
Em outras palavras, amor, me beije...

~

(Trecho da tradução de "Fly Me To The Moon" de Frank Sinatra)

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