quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O dilema do ouriço

Vazio. 

Tudo o que consigo sentir é a angústia do vazio. 

Estou me sentindo como um estrangeiro na minha própria terra. Cercado de pessoas estranhas que nada significam para mim, e eu nada significo para elas. Estou perdido num mundo estranho, e tenho certeza que não é um dos mundos que imaginei. É um mundo diferente, onde tudo é tão efêmero e passageiro que as pessoas passam pela vida umas das outras sem deixar nem sequer traços de sua presença.

Me assusto em como somos falsos, vazios e fechados. Cada um tão preocupado com os próprios problemas e desejos que fechamos os olhos para todo o resto, e justamente por estarmos todos cegos é que vivemos caminhando sem rumo, tateando no escuro e esbarrando uns nos outros. 

Infelizmente, em muitos desses encontros ocasionais, acabamos ferindo e sendo feridos. E a vida tem se resumido a isso. Cada um atrás de um objetivo específico para si, mas lutando apenas por si mesmo. Não digo isso como uma crítica ao mundo, estou criticando a mim mesmo. Eu sou assim, tão egoista que me fechei em meus próprios problemas e acabei me tornando incapaz de sentir o mínimo de empatia que fosse por qualquer outra pessoa. Por fora, aparento atencioso e amável com todos, mas na verdade por dentro, sou frio e amargo, e o tipo de pessoa que ninguém em sã consciência gostaria de se aproximar. Por sorte minha personalidade irritante tem se encarregado de afastar os outros de mim, me poupando o trabalho de inventar desculpas pra isso.

Meu coração tem desejo de chorar. Mas eu já chorei tanto nos últimos dias que minhas lágrimas secaram e não são mais capazes de correr. Apenas meu coração sangra e chora então, por se sentir sozinho e incompreendido. 

Não era pra ser assim, não mesmo, eu tenho tudo para ser a pessoa mais feliz do mundo. Uma família razoavelmente sem problemas, um bom número de amigos, boas responsabilidades na igreja, um bom namorado. Enfim. Tenho uma vida ótima. 

Mas olhando ao meu redor, não consigo enxergar nada com as cores do arco-iris. Tudo me parece cinza, triste. Como se eu vivesse sintonizado em outra frequência. Sim, talvez essa seja a melhor descrição, Enquanto todos vivem suas vidas nesse mundo, eu não consigo fazê-lo, sou apenas um mero observador da miséria humana. Sempre que tento me aproximar de alguém, é como se me aproximasse de uma chama viva, que me repele imediatamente, mas que ainda assim deixa um grave cicatriz de queimadura. Essa dor é causada nas relações entre as pessoas com quem tenho contato. Sobre elas, me recordo agora da parábola do Dilema do ouriço, de Schopenhauer, que diz que: 

Em um dia gélido, um grupo de ouriços que se encontravam próximos sentiram simultaneamente grande necessidade de aquecer-se. Para satisfazer sua necessidade, buscaram a proximidade corporal dos outros. Porém, quanto mais se aproximavam, mais dor lhes causavam os espinhos do ouriço vizinho. Não obstante, devido ao fato de que o afastar-se era acompanhado da sensação de frio, viram-se obrigados a ir modificando a distância até que encontrarem a melhor (a mais suportável). 

Essa passagem, embora tão breve, é tão cheia de possibilidades que até me sinto um pouco mais animado em usá-la como inspiração. Encontrei na internet uma citação, que não sei de quem é, que diz sobre ela o seguinte: 

A ideia que esta parábola quer transmitir é que quanto mais próxima for a relação entre dois seres, mais provável será que possam causar dano um ao outro, ao mesmo tempo em que quanto mais distante for sua relação, tão mais provável será que morram de frio.

A primeira impressão que tenho sempre que penso nessa parábola é a de que se queremos sobreviver, temos de suportar os espinhos uns dos outros. Isso significa que, se não quisermos morrer congelados pelo mundo, devemos no aproximar o máximo que pudermos para sobreviver. Claro, quanto mais próximos, mais os espinhos dos outros nos causarão feridas. Da mesma forma como nossos próprios espinhos também ferem os outros, independentemente de nossa vontade. A escolha é simples então.

Alguns tem medo de se aproximar do outros e se ferir. Outros tem medo de ferir aqueles que amam. 

Ambos tem medo. 

Mas se esse medo não for vencido, não poderão sobreviver. A parábola não diz que os ouriços conseguiram vencer a dor e se aproximarem completamente, diz que encontraram a distância mais suportável. E aqui me vem a segunda impressão que tenho sobre essa parábola: ela nos ensina equilíbrio. Os ouriços continuam sendo feridos pelos espinhos, mas de uma forma suportável, e continuam sentindo frio, mas de uma forma igualmente suportável. Encontraram um meio termo. 

Equilíbrio

Assim também acontece na vida. Não podemos nos aproximar demais, sob o perigo de não suportar os ferimentos que os outros nos causam. Mas também não podemos nos distanciar demais uns dos outros, pois assim morreremos de frio.

"Como os ouriços, já sabeis, os homens um dia sentiram seu frio. E quiseram compartilhá-lo. Então inventaram o amor. O resultado foi, já sabeis, como nos ouriços." 
(Luis Cernuda)

Posso dizer então que tenho buscado um equilíbrio, já que não posso viver longe dos homens, como gostaria. Mas me adaptar aos espinhos tem sido demasiado doloroso, minha pele ainda não desenvolveu a resistência necessária para suportar a dor. Como dizem meus parentes "ainda falta engrossar o couro". Ainda falta adquirir resistência. Sou frágil demais, delicado demais, e todos me machucam e me ofendem, e não consigo me defender. Talvez não seja o único a passar por isso, pelo contrário, é bem capaz que todos também estejam sofrendo da mesma forma, mas não são tão fracos quanto eu pra se deixarem abater assim.

Talvez faça parte do meu crescimento como pessoa. Algum dia quem sabe a dor dos espinhos será suportável eu já não vou mais me importar com ela... Até lá, devo continuar buscando o equilíbrio, a distância correta entre as pessoas, para não morrer e nem me machucar.

Quando eu era criança, eu vi um arco-íris, e eu ainda o vejo.
Mas ele já não tem aquelas sete cores e a névoa ficou mais forte.
O tempo passou, e eu mudei um pouco...
Mas mesmo eu te procurando em todos os lugares, eu não te encontrava em lugar nenhum.

Se eu fechar os meus olhos e abrir o meu coração, poderei vê-lo novamente.
Nada mudou?
Tenho que ter certeza, vendo com os meus próprios olhos!

Se eu me tornar sincero, essa névoa desaparecerá...
Eu grito por esse desejo com o meu coração...

(Trecho da tradução de Sunao na niji, do Surface)

Talvez essa letra consiga traduzir um pouco de como tenho me sentido atualmente. Como o arco-iris que a pessoa viu, ele não mudou de cor, ele não se tonou cinza, mas a visão da pessoa é que não é a mesma de quando era criança. Eu olho o mundo então e vejo as pessoas felizes, alegres com suas conquistas e por suas graças, mas a névoa que existe nos meus olhos me impede justamente de enxegar o arco-iris com as mesmas cores que elas. Tragicamente eu tambpem não sei o que devo fazer para mudar essa visão, pois a postura positivista de vida nunca deu certo comigo. 

Minha única esperança é ter paciência. Paciência de que um dia tudo fará sentido. Paciência de que um dia as coisas se ajeitarão, e eu conseguirei enxergar todas as cores do arco-iris, e não vou mais sofrer com as dores dos espinhos. 

Paciência, paciência, paciência.

~


Referência

1. Parerga e paralipomena, volume II, capítulo XXXI, seção 396.

Um comentário:

  1. Meu chamo tata. Ainda está nesse momento? Pois estou vivendo isso agora. E entendo cada palavra e sentimento.

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