segunda-feira, 27 de junho de 2016

Rosas

Pedir desculpas não está entre as coisas mais confortáveis de se fazer. Certamente o orgulho impede que as pessoas reconheçam os seus erros e por vezes deixem morrer relacionamentos inteiros simplesmente pelo fato de não conseguirem reconhecer que qualquer um pode erra e que qualquer um está sujeito a aprender alguma coisa com o próximo. 

Ora, muitos pensam e afirmam categoricamente que nunca erram, conheço pessoas assim. Da mesma forma que conheço pessoas que não assumem um erro nem que todos consigam provar de forma descaradamente óbvia que estão equivocados. Mas não reconhecem o engano de forma alguma, nem sob tortura, e ainda usam e vários artificios pra mudar o foco da discussão. Algumas vezes inclusive o foco é mudado tão desaforadamente que beira à comicidade. 

Quanto aos erros, eles podem ser frutos de uma opinião mal formada, de uma ignorância generalizada ou fruto de um ímpeto, onde se age sem pensar. Acontece também que as vezes, esse ímpeto é movido pelo sentimentalismo exagerado, e por isso pode resultar numa verdadeira catástrofe. Os piores erros são os que comentemos movidos pela paixão do coração, e muitas vezes esses são aqueles cujas marcas deixadas são tão profundas que nem mesmo o tempo é capaz de curar completamente. 

Os erros afastam pessoas, separam amigos, acabam com relacionamentos. Os erros matam pessoas. Mas note que o problema não estar em errar, isso é quase que inevitável a natureza humana. Mas o problema está em não querer consertar ou não dar a oportunidade pra tal. O pior erro não é aquele que não pode ser consertado, mas aquele que não se tentou consertar. 

Frequentemente as palavras são empregadas de forma errada, e eu não exagero nenhum pouco em afirmar que, palavras frias e ásperas matam tanto quanto armas ou doenças. Ou talvez matem de uma forma ainda mais cruel. As palavras podem ser o melhor remédio, bem como o pior dos venenos. E digo veneno, pois elas entram pela audição, e se alojam no coração, como uma veneno de uma serpente, que causa uma dor lancinante e a morte. Pessoas mais sensíveis são mais suscetíveis a esse tipo de ataque. Eu mesmo por vezes tenho a sensação de experimentar o meu próprio sangue se tornar tão venenoso quanto uma dose da toxina botulínica, o pior veneno do mundo. Ou deveria dizer, o 2° pior veneno do mundo.

Na minha nada humilde opinião, o pior veneno é aquele que te agrada, usando da frase de alguém que volta e meia vejo perambular por ai nas redes sociais. De fato, o pior veneno é aquele que não precisa ser aplicado propositalmente por um inimigo, mas aquele que, de tão atraente que se mostra, é tomado segundo a vontade da própria vitima. Como um poderoso veneno do Jardim da Morte que atrai a todos com a beleza de suas rosas vermelhas, mas que mata instataneamente qualquer um que respire o seu perfume maldito. A beleza e a aparente delicadeza das rosas encantam o olhar e despertam a ternura, mas esconde uma vontade de matar letal e se mostra impassível em sua missão de extirpar a vida dos transeuntes curiosos que por ele passem e ousem se aventurar por ele. É o que eu chamaria de veneno perfeito, pois não carece de ser lançado ou aplicado, atrai por si só a vítima com sua beleza fatal; Da mesma forma algumas pessoas são como um jardim da morte, nos atraindo por sua beleza e aparente delicadeza e dócilmente nos conduzindo a morte certa. 
Imaginemos então um cenário levemente diferente. Pense que o veneno do perfume das rosas não mate, mas cause uma dor lancinante por um determinado período de tempo. E que cessada a dor, uma súbita necessidade de voltar a sentir o veneno se apoderasse do corpo da vítima como uma sinfonia contagiosa e mortal. Não provoca a morte imediata, mas uma necessidade constante de sentir o perfume e por consequência a dor que se segue. Quanto mais se sente, mais se deseja e mais dor é provocada, recomeçando o ciclo até que a vítima caia enlouquecida de dor e prazer e finalmente morra. Assim são algumas pessoas. Não matam, a principio, mas nos enfeitiçam com seu perfume inebriante e nos conduzem a morte. Particularmente penso que essas rosas, são piores que as primeiras, justamente porque além de conduzir a morte, elas o fazem de forma lenta e cruel, e igualmente impossível de fugir. 

Mas o que essas rosas tem a ver com os erros e o perdão? Ora, tudo. Ao menos pra mim, uma armadilha só é eficaz se seu funcionamente for óbvio para quem a colocou lá e não para a sua vítima, mas se a armadilha é óbvia também a vítima e ela ainda assim cai na mesma, é porque mereceu ser capturada e morta. E se ainda insiste em cair repetidas vezes é porque realmente merece a aniquilação. Um erro pode ferir o próximo de forma fatal, mas também é um grande erro aquele que infligimos a nós mesmos repetidas vezes. Como se caminhássemos por vontade própria ao jardim da morte, sabendo exatamente o que nos espera por lá. Burríce? sim. Ignorância? também. Mereço uns bons tapas? claramente. 

Mas a vida também é isso, uma sequência de erros, acertos e perdões. E no fim, o que aprendemos dela é que sua pedagogia é implacável e só o que levamos para o túmulo é a sabedoria que adquirimos durante esse tempo peregrinando por aqui como mochileiros errantes sob esta terra. 

Por fim, sobre o perdão. Ele não tem o poder de apagar os erros, nem de consertar tudo o que foi errado, mas ele tem o poder de oferecer a oportunidade de um recomeço. Um novo parágrafo, um novo capítulo, e em alguns casos, um novo livro. Termino então hoje com as palavras de Vinícius de Moraes, que se encaixaram perfeitamente no que eu tentei dizer:

"Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora."

(Vinícius de Moraes)

Nenhum comentário:

Postar um comentário