terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Visão romântica

Passar o dia inteiro esperando aquela pessoa se lembrar de você... Pensar a todo momento o que ela estaria fazendo e se estaria pensando num outro alguém. Se entristecer porque num momento passou por sua mente que aquela pessoa especial tem em seu coração outra pessoa especial.

Pensar que, enquanto você pensa, aquela pessoa entrega seu corpo e seu coração aos braços de outro alguém, e que esse outro alguém vai ter em mãos tudo àquilo que você desejou do fundo de sua alma e que provavelmente nunca dará a ela o valor que você daria. Ou talvez dê, talvez essa pessoa também a ame. Talvez eles se amem reciprocamente, diferentemente de nós. Talvez eles sejam muito felizes juntos, talvez sorriam juntos, talvez nem sequer vejam o tempo passar quando estão juntos. Talvez eles tenham tudo aquilo que você um dia sonhou ter e que sentiu seu coração doer de tanto que você pensava naquilo.

Às vezes é normal que os ciúmes nos faça querer desejar a infelicidade do nosso amado só porque ele não estará ao nosso lado, mas acho que se for assim, não procede de um amor verdadeiro. Não. Um amor verdadeiro deseja a felicidade do amado mesmo que isso custe a própria felicidade, mesmo que isso signifique precisar matar a si mesmo e ao sentimento que habita dentro de cada um de nós. Significa assassinar o próprio amor, pois o outro não é capaz de nos amar, e encontrou seu amor nos braços de outro alguém.

Claro que imaginar essa dor já é um esforço inimaginável. Mas as vezes esses pesadelos nos assombram mesmo acordados. As vezes basta ficar sozinho num lugar vazio para começar a pensar que o outro está sendo feliz e está amando sem precisar de sua presença, ou ainda pior, sem precisar do seu amor. Pois as coisas são assim, as pessoas não precisam do nosso amor, nós é que precisamos do amor delas. É bem simples, e essa necessidade cria em nós a ilusão de que o outro busca também por aquilo que podemos oferecer. Mas isso não é verdade. O outro as vezes não quer amor, só quer sexo, ou amizade, ou apenas deseje desesperança. Talvez o outro também esteja em busca de preencher os próprios vazios, mas ele ainda não sabe com o que e apenas tem a certeza de que não é com nosso amor. Talvez nosso amor não queira ser amado. Ou talvez ele só não precise de nós...

Essa é a forma como os desiludidos enxergam o mundo: olham para as cerejeiras em flor, mas só conseguem ver a estação de trem vazia do outro lado da rua.

Mas que serventia pode ter destilar essas doses de desilusão? Acredito que seja o meso efeito que o álcool tem no metabolismo de um alcoólatra. Sabemos que ele mata, e bebemos pois acreditamos que há algo dentro de nós que precisa morrer. Assim como um tarja preta que nos oferece momentos de torpor em meio a toda aquela dor, para o poeta escrever, mesmo que seja sobre essa mesma dor é como ter injetado nas suas veias o mais poderoso dos benzodiazepínicos, que por breves momentos suspende a percepção da dor.

É uma visão romantizada do sedativo, claro, mas em meio a toda essa desgraça, o que mais poderíamos fazer senão romantizar um pouco da escuridão em que nos encontramos. Nós poetas precisamos falar sobre a dor em nossas poesias, mas nossos amados não precisam de nosso amor. Bom, pelo menos sobra um pouco mais para as poesias não é mesmo?

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