sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Da língua

Vivemos tempos difíceis, onde o combate nos aguarda em cada esquina, e em cada passo uma nova luta é travada dentro e fora da pessoa humana. Alguns buscam a vitória nas armas, outros se escondem atrás da religião e alguns ainda colocam outros para lutar em seu lugar. De fato as estratégias são tão diversificadas quanto são as pessoas que as usam, e para ser sincero, diria que a crueldade das pessoas é a única coisa maior que a luta que cada um deve travar.

Dentre as muitas armas que um homem pode portar uma em especial me encanta, ao mesmo tempo em que me aterroriza mais do que qualquer outra. Quando digo 'arma' poderiam pensar na bomba, na guerra ou quem sabe na doença, mas não, a arma de que digo é uma bem menor, mas com um poder devastador infinitamente maior que o de qualquer guerra, aliás, é capaz de controlar qualquer guerra.

Me refiro a língua, a palavra. Uma arma por vezes esquecida mas continuamente usada ainda em larga escala para matar, roubar e destruir, e mesmo sem saber ou perceber continua sendo a especialidade do homem.

A língua mata, e ouso dizer que mata mais do que qualquer doença ou bomba criada pelo homem, e no entanto não foi criada pelo mesmo. A língua é de longe o veneno mais letal e corrosivo que pode vir a correr por entre as veias senis de uma alma. As palavras com frequência ferem com mais profundidade que as balas que carregam as armas. 

Apenas quem já foi ferido por uma língua afiada como aço frio sabe o poder que ela tem, e com frequência a usamos sem nem ao menos perceber o mal que podem fazer. Claro, poderia também falar do bem que ela pode fazer, mas estou confiante em crer que o homem aprende mais com a dor do que com o amor, então um panorama visual do poder destrutivo da língua é mais eficaz do que uma sugestão adocicada de seu poder construtivo.

Um veneno natural pode ser neutralizado com uma amostra do que contém em si, mas uma palavra não, muitas vezes não existe forma no mundo de dizer 'perdão' que possa curar uma ferida provocada por uma língua maldita.

Mas as pessoas não ligam para isso. Assim como usar as armas para colocar sob seus pés os seus inimigos também usam da língua para curvar a si sua mente e seu coração. Por isso diz-se que a língua corrompe, dobra até mesmo o aço, e mata até mesmo a mais bem intencionada consciência.

Também roubamos do outro sua vontade de viver, seus sonhos e esperanças quando nossas palavras passam a ser repetidas sem discriminação por qualquer um; Colocamos sobre o outro o peso de nossa língua e lhes roubamos o direito a uma vontade própria. Como é triste ver uma pessoa cuja palavra se calou e cuja língua não é outra senão a língua daquele que a domina. 

Desespero grandioso é o sentido por aqueles que precisam viver sob o peso das palavras de aço dos que o cercam. Essas lhe cortam mais do que o ferro que foi levado ao fogo, e certamente ardem mais do que o próprio fogo... Ah, o homem não compreende o poder que tem, e ainda o usa sem temor, dobrando o outro a si e envenenando sem perceber os que diz amar, mas que apenas deseja a si curvar. 

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