terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sobre o sofrimento humano

E agora eu fraco que farei, 
que patrono invocarei, 
se a mim mesmo eu matei? 

Sofrimento, ta aí uma realidade humana da qual não podemos fugir, por mais que tentemos, choremos ou imploremos o sofrimento ainda existirá. O sofrimento dobra o homem, sua vontade e seu corpo, a uma vontade superior, ainda que essa vontade seja o acaso.

Por isso diz-se que o sofrimento pode ser de dois tipos: Há o sofrimento natural e o sofrimento humano. O natural é o sofrimento que advém das circunstâncias da vida, está alheio a nossa vontade e acima de qualquer força humana e o sofrimento humano, causado por nós ou por outros, dependendo exclusivamente de nossa vontade ou capacidade de fazer a nós mesmos ou ao outro sofrer.

Do sofrimento natural não há muito o que ser dito, apenas que contra ele não há como lutar. Não se luta contra um tsunami ou um terremoto, mas se sobrevive a ele, às vezes. Das doenças também não há escapatória, pois ainda que a medicina evolua a cada dia sempre haverá esse ou aquele malefício capaz de dobrar o homem ao manto da dor e da morte. Do sofrimento natural não á escapatória senão na torpe batalha onde o homem tenta sobreviver.

O sofrimento humano é então o ápice da miséria humana, pois não bastando os sofrimentos naturais, dos quais não se pode fugir ou se esconder, o homem buscou ainda refinar a arte de causar dor a si e aos outros. O homem tende naturalmente ao sofrimento, a sofrer e a fazer sofrer, e não há de encontrar paz e sossego nessa terra antes de causar a todos a dor e o desespero que no fundo de sua alma ele sentiu. 

Muito diversas podem ser as formas empregadas pelo homem para fazer o outro ou a si sofrer, mas das muitas que conheço e que já tive o desprazer de experimentar a que mais me aterrorizou foi a do sofrimento auto-infligido, aquele que sem ajuda externa o homem causa a si mesmo.

É como se, andando de olhos vendados, o homem pisasse em espinhos por vontade própria, sabendo que à direita ou à esquerda da estreita faixa de espinho há uma estrada segura. É um sofrimento profundissimamente imbecil, pois a vida já reserva a cada um de nós uma vasta gama de dores e dissabores, mas nós, do alto de nossa soberba, acabamos por tomar o punhal sagrado da mão do destino, com que ele haveria de nos ferir e nos ferimos nós mesmos. 

Oh, quanta tolice há num gênero que causa dor a si mesmo pelo puro e simples prazer de ver-se curvado sobre a dor e o desespero. Ainda que fosse outro homem a causar-nos a dor, mas não, somos nós mesmos. 

E assim, com o punhal do destino cravado em nosso ventre, tentamos nos erguer, caminhar sem vacilar, e nos entristecemos quando percebemos que já perdemos sangue demais para continuar a lutar. Oh, antes não tivéssemos cravado-o em nossas entranhas, e esperado com fortaleza as intempéries que o futuro por si só já reservava para nós. 

E agora eu fraco que farei, 
que patrono invocarei, 
se a mim mesmo eu matei? 

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