domingo, 22 de outubro de 2017

Vulcão

Antes pensava que apenas os dias frios, escuros, fossem propícios aos devaneios, aos pensamentos que lentamente entram em nossas veias como veneno, e que em questão de instantes nos leva a uma letargia total dos sentidos e do coração. Oh, como desejo agora que só estivesse sujeito ao veneno dos pensamentos nos dias frios... Se assim fosse, num país tropical como o que vivo, pouco me queixaria de sonhar com aquilo que me não outra coisa senão dor e mais desamor próprio. 

Estou nesse momento há poucos centímetros da janela, e  relógio diz que já se passaram das 19h, mas graças ao horário de verão o dia lá fora ainda reina, assim como o mormaço de uma chuva que há mais de uma semana se anuncia mas nunca chega... Tentei me distrair olhando as folhas do terreno vizinho farfalharem, mas tenho motivos para acreditar que o vento parou de soprar com força para tal no exato momento em que essa ideia me ocorreu. A única brisa que sinto é a do aparelho ventilador que sopra contra meu rosto uma baforada quente mas ainda assim reconfortante. Nem tanto pelo frescor quase inexistente, mas mais pela brisa que tocando meu cabelo me faz sonhar com aquela brisa amena, em que com uma mão serena, em meu colo soprava, enquanto numa tarde longínqua, o leque das folhas me acalentava. 

No meu olhar há vislumbres desconexos, pouco explicáveis pelos leves distúrbios de personalidade que um dia carreguei, há paisagens passadas e futuras, enquanto me ocupo de tentar esquecer, ou ao menos compreender, o presente. A segunda ducha nas últimas 5h lavou alguns dos pensamentos de desconforto do calor, mas foi inútil em levar os outros. Antes, acabei por mergulhar ainda mais naqueles sonhos que nunca acontecerão. 

Penso ser comum, pelo que já me disseram, sonhar em viver uma vida inteira com alguém que sequer conhecemos, e ainda que seja um exercício inútil a mente, fantasiar com desconhecidos é divertido. A diversão termina em obsessão quando nos vemos fazendo a mesma coisa com conhecidos, principalmente em se tratando aqueles em que nem em milhares de éons pensarão o mesmo. 

O sonhar, antes doce e inofensivo, torna-se uma perigosa arma nas mãos despreparadas daqueles que sonham para fugir da realidade sem graça em que vivem. "Deveriam mudar a própria realidade" dizem os outros, mas mal sabem eles que já estamos firmemente presos, acorrentados, aos nossos próprios ideais impossíveis de felicidade.

Oh que felicidade ser parte dos que num dia de calor, apenas se incomodam com a temperatura, sem precisar suportar o vulcão que dentro de nós clama pela destruição... 

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