terça-feira, 9 de maio de 2017

Campo do desconhecido

As pessoas se revelam em momentos muito característicos... Pode observar, sempre em algum momento de tensão alguém irá nos surpreender. Pessoas calmas se mostram revoltosas e até mesmo violentas, e pessoas normalmente agitadas mostram uma habilidade ímpar em controlar situações delicadas. 

Gosto desses momentos, em que o véu que usam para apresentar-se a sociedade é rasgado de cima a baixo e as verdadeiras faces se revelam perante o mundo. Nenhuma verdade fica oculta para sempre, já dizia o provérbio budista aliás, que não se pode esconder o Sol, nem a Lua e nem a Verdade por muito tempo, pois esta é tão grandiosa e brilhante quanto aqueles.

Também considero de grande valia as palavras ditas pelas pessoas nesses momentos, principalmente em discussões. Pode parecer meio mórbido, mas me agrada estar em ambientes onde a mente humana é levada ao extremo de si e forçada a revelar suas nuances mais imperceptíveis. Muitos acreditam que palavras ditas em momentos de agitação devem ser ignoradas, eu discordo, pois acredito que tudo aquilo que foi dito com raiva, ou durante a ebriedade, foi pensado num momento de calma, logo estas palavras apenas se revelam nos momentos oportunos.

Na maioria das vezes eu me surpreendo com minhas próprias reações. Me vejo desesperado em ocasiões que julgara tranquilas em outro momento, e calmo onde acreditava que entraria em pânico... 

Algumas horas atrás eu acompanhei os paramédicos tentarem fazer com que a centelha de vida de meu avô não se apagasse. Ele faleceu enquanto meus pais o alimentavam ao meio dia de hoje, e fui um dos primeiros a ver seu corpo inerte, sem vida, apenas uma casca do que veio a ser um dia um homem de cerviz dura e voz firme, acamado num estado lastimável, magro e sem muitos dos traços que antes lhe eram mais característicos.

A morte é sempre uma grande provedora de reflexões, afinal é uma das poucas verdades de nossa vida. E gosto desses momentos por ver realmente quem são aqueles que me cercam, aos quais sou obrigado a chamar de Família. 

Engraçado notar como alguns agem com naturalidade, como se a notícia da morte fosse a coisa mais natural do mundo, coisa que de fato é, enquanto outros perdem seus limites, quebram suas máscaras e revelam as feras que habitam entre nós mas que não conseguimos enxergar. 

A percepção que tenho da experiência de hoje é que não somos nada, e é bom lembrar sempre disso, afinal nenhum orgulho é justificável. O que ontem era grande hoje não é mais nada, até a grande e imponente arvore de ontem pode vir a ser um galho seco algum dia... Não há razão então para acreditar na grandeza do homem, pois ele de fato nada é além de um verme fraco.

As centelhas se apagam, os corpos fortes se esvaem, a fogueiras cessam de queimar. 

Assim como a vida deixa o corpo de uma pessoa também o amor pode fazê-lo, deixando-nos tão frios como aqueles cobertos pelo manto negro da morte.

A morte.

Não a vejo como uma fantasma feio, como normalmente costumam pintá-la, mas penso nela como uma velha amiga, que há de visitar a todos um dia, não tendo portanto razão para temê-la, afinal se não conhecemos nada da morte, também não conhecemos nada do mundo em que vivemos, apenas trocamos uma incerteza pela outra. Não sabemos nada sobre o amanhã nessa vida, não sabemos nada sobre a morte... Ambos são um largo campo que se estende a nossa frente mas que não conseguimos enxergar por conta da densa névoa que a nossa frente se estende.

Mas ainda assim é sempre com profundidade que fitamos o olhar num corpo sem vida, ou nas brasas de uma fogueira que um dia clareou a noite... E agora se apagou...

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