quarta-feira, 3 de maio de 2017

O Mirante dos Amantes

Gosto de observar o mundo ao meu redor, pois mesmo depois de tantos anos as cores do céu e do mar não perdem seu encanto. Não são eles como os homens que ao conhecermos, passamos a desejar não tê-lo feito.

Dizem que o azul é uma cor triste, fria, mas é impossivel olhar para o azul de um céu num dia de verão e considerá-lo triste. O mesmo vale para o mar. Ambos gritam a beleza da vida, e como num canto, louvam a Deus por sua própria existência com sua beleza majestosa. 

Por mais talentoso que seja, nenhum pintor jamais conseguiu conceber uma tela que se aproximasse da beleza do mundo real. Até mesmo grandes gênios como Da Vinci, Caravaggio ou Rembrandt se prostram frente a idílica poesia de um um imenso céu azul...

Pela janela de um grandioso palácio esculpido em pedras brancas e brilhantes um jovem observa o céu e o mar com um olhar encantador. A brisa fresca e salgada lhe acaricia a face enquanto faz voar delicadamente seu cabelo negro. Em sua expressão mescla-se um sonhar e um pesar. Embora seus lábios demonstrem um tênue sorriso, seu olhar é de uma tristeza contida. 

Ele não é o dono daquele palácio, apenas serve a este, e nas horas vagas sempre se pega observando a imensidão azul que se estende a frente da pequena cidade construída na enseada. Tão logo quanto se vê livre de suas tarefas diárias, se põe a sonhar com o que há para além de onde seus olhos podem ver. Ele inveja as aves que somem no horizonte, e os tripulantes das embarcações que diariamente somem naquele gigante, rumo a terras inexploradas. 

Outras vezes também se detém em observar os viajantes que ali aportam. Tantas pessoas descem daquelas embarcações diariamente, e tantas outras partem com a mesma frequência. E ele imagina as incontáveis histórias que vão e vem com todas elas.

Algumas viajam a trabalho, outras partem em definitivo. Alguns vem para cá tentar uma vida nova, ou apenas rever um velho amigo. Outros não sabem se ficarão, nem por quanto tempo. Trazem consigo mensagens de alegria ou de falecimentos, ou levam consigo mensagem de conforto e notícias de nascimento. 

Vidas.

Imensas e infinitas como a água do mar ou como o azul do céu.

Numa tarde quente em pleno verão, enquanto observava da janela os viajantes, e sonhava com o infinito, ele notou um brilho na multidão.

O porto ficava próximo a uma grande feira, onde se concentrava praticamente todos os comerciantes daquela região, então o movimento era sempre grande. Do palácio ele podia observar a todos sem nenhum dificuldade, e este inclusive era o passatempo de muitos outros que não tinham nada melhor para fazer. 

Ao notar que algo brilhava e se destacava em meio a rua apinhada de gente, ele concentrou o olhar naquele ponto, e notou ser um cavaleiro, um dos paladinos que defendiam o reino de invasores em terras distantes, ou que bravamente conquistavam aquelas terras.

O paladino era bem alto, e embora esguio, sua armadura lhe dava uma presença imponente. Era dourada, e extremamente chamativa, bem diferente das armaduras prateadas que já havia visto. Trazia consigo uma capa branca, longa, e num dos braços um capacete também de ouro. As poucas partes de seu corpo que não estavam protegidas pela armadura estavam cobertas por um tecido branco, que brilhava tanto quanto o ouro naquele sol. Apenas seu rosto estava descoberto.

Ele tinha a pele muito clara, e de aparência nobre e delicada. Sem nenhum defeito. Os olhos azuis, semelhantes a cor do mar, e guardavam um olhar sereno, perene, divino. Os cabelos eram como fios de ouro, tão belos quanto a riquíssima e adornada armadura cheia de pedrarias que trajava. 

Por um instante o jovem servo do palácio se perguntou se aquele não seria um artista mambembe ou algo semelhante, pois não acreditava que um Paladino usasse algo tão chamativo assim, mas ele logo percebeu que de fato tratava-se de um cavaleiro ao observar sua espada. Grande, deveria pesar mais do que um homem adulto, e ricamente adornada como a armadura: apenas Paladinos tinham autorização real para portar espadas!

O jovem se pôs de pé e inclinou-se sobre a janela para melhor observar o Paladino que se divertia com uma apresentação de macacos malabaristas. Ele foi hipnotizado de tal forma quando o jovem cavaleiro se virou que nem sequer notou que havia pulado da janela e que cairia no chão duro de pedra se não fosse pelo Paladino que, como um raio, cruzou meio quarteirão num piscar de olhos e o segurou, antes que chegasse ao chão.

Havia fechado os olhos quando percebeu que caíra, ou melhor, que se jogara, e ao abri-los toda a multidão o olhava atentamente. Ele corou quando viu que todos o fitavam com curiosidade e ao notar que estava nos braços do homem que observava, corou violentamente.

Tentou se colocar de pé, mas estava nervoso demais e se esquecera como andar, ao que o belo cavaleiro se ofereceu para levá-lo dali, Perguntou para onde deveria ir, e o jovem servo disse que gostaria de ir até o mirante, observar o pôr do sol.

Embora não deixasse que o outro percebesse, o cavaleiro estava também muito nervoso, pois notara os olhares atentos do rapaz momentos antes de se jogar, ainda que não esperasse que ele se jogasse daquela maneira. Estava contente por carrega-lo nos braços, e porque provavelmente veria com ele o pôr do sol.

Viajara por muitos anos, e participara de muitas batalhas pelo reino, tantas que já nem conseguia se recordar de todas. Buscara em todos os lugares um motivo para continuar a lutar, ou melhor, para continuar a existir. 

Ao cruzar com o olhar do jovem que agora tremia de nervosismo em seus braços ele sabia que havia encontrado o que tanto procurara. 

Chegaram ao mirante da montanha, e o sol já havia começado a se despedir do dia, dando a paisagem um belíssimo tom crepuscular. O jovem tremia, e ele sabia que não conseguiria andar, tamanho era seu nervosismo. Para acalmá-lo, apertou seus braços contra seu peito forte, e o calor dos corpos passou a serenizar o pequeno.

Observaram o horizonte por alguns instantes. Trocaram olhares, e não disseram uma palavra sequer. O amor lhes havia explicado tudo. 

Viajariam juntos a partir de então, como um só, e para selar o acordo entre cavaleiro e amante, deram um beijo apaixonado, e sumiram na imensidão do mar.

Algumas pessoas que viram aquele curioso fato se surpreenderam ao ver os dois homens desaparecerem em meio a pétalas douradas, e aquele mirante é conhecido até hoje como o Mirante dos Amantes, pois foi ali que duas almas enamoradas deram seu primeiro e único beijo, antes de partirem para o infinito desconhecido.

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