terça-feira, 30 de agosto de 2016

Águas

Nosso interior é exatamente como a água. Em certos momentos, estamos calmos e serenos, sem sinais de ondulações e nem de perturbações. Em outros, estamos inquietos e a correr sem parar... Em outros ainda, estamos impetuosos e a destruir tudo o que se encontra a nossa frente. 

Acontece que somos também mutáveis como a água: podemos ser maleáveis como seu estado líquido ou frios como sua forma sólida. Podemos ser quentes e acolhedores mas também podemos queimar e machucar. A água que usamos para fazer o chá que acalma a dor é a mesma que destilamos para usar no veneno. A diferença está no uso que se faz dela, assim como a diferença está no uso que fazemos de nosso próprio coração. 

Infelizmente, a maior parte do tempo, somos como a água revolta que não tem destino certo. Como a agitação de um rio que rompendo suas barragens apenas destrói tudo por onde quer que passe. Já parou pra pensar o quanto de destruição cada um de nós consegue empreender no mundo? Talvez isso se dê porque nos preocupamos só em notar a água quando ela faz barulho e traz o caos, mas sempre a esquecemos quando ela se encontra calma e serena numa poça. E a verdade é que se trata da mesma coisa. Igualmente nós, passamos despercebidos a todos e então, quando se rompem nossas barragens, sofremos o julgamento pela destruição. 

A maioria de nós é como que uma folha seca a voar pelo vento. Sequer é notado pelo mundo que nos cerca, tão ocupado em resolver os grandes problemas que acaba por se cegar aos pequenos e frágeis. Não digo isso apontando para os outros, mas o digo ao refletir sobre minhas próprias atitudes. Costumo critica quem apenas trata bem aqueles que podem trazer-lhe algum tipo de benefício mas esqueço que, na maioria das vezes, costumo agir da mesma forma. Meu egoísmo acaba por falar mais alto quando prefiro dar atenção apenas aquela pessoa especial pois tenho algum tipo de interesse nela do que me dedicar aquele amigo que passa por dificuldades e precisa de meu tempo para lhe ajudar. Selecionamos aqueles que merecem o nosso melhor e aos outros, damos apenas o resto que nos sobra. Assim, ao ignorar essas águas calmas, posso estar também ignorando o movimento que vem crescendo no seu interior, e ai, quando ela irromper em suas ondas grandiosas sobre mim, direi que fui injustiçado. Como as famílias que insistem em construir na beira dos rios, desmatando e destruindo, e quando tem suas casas destruidas pelas cheias, reclamam do destino que os puniu. Infelizmente, embora isso não se aplique a todos os casos, a maioria das coisas ruins que nos acontecem são apenas reflexos de nossas próprias atitudes. Sim, há muitas exceções, eu as reconheço, mas ainda assim, se observarmos de perto, grande parte de nossa realidade de hoje é reflexo das decisões que tomamos ontem.

Por exemplo, se hoje estou confuso e sem rumo, buscando respostas para perguntas que ainda nem consegui distinguir quais são, é porque um dia resolvi abandonar as verdades que tinha em busca de verdades que me pareciam mais agradáveis. Não pude suportar o peso das escolhas que fiz, abandonei-as e sequer me dei conta de que, abandoná-las era tomar uma nova decisão e que na verdade, estava apenas por trocar um fardo por outro. O sofrimento por mais sofrimento. O machado dourado pelo martelo prateado. 

Agora, cabe a mim resistir as intempéries do meu pecado e suportar o peso que escolhi pra mim. Posso desistir ou persistir. E confesso que não são raras as vezes em que tenho vontade de largar tudo pro alto e entregar a vida nas mãos do destino, mas penso que isso seria um desrespeito com todo o esforço que já empreendi. Acontece que as águas de dentro de mim estão inquietas. Buscam um lugar para se expandir e assim, fazem muito barulho, destruindo barreiras e obstáculos, na procura de um local onde possam repousar tranquilamente uma vez mais. Essa confusão interior é notada no exterior justamente por conta desses barulhos. Quando as coisas que gostava já não me agradam mais e os sonhos que tinha, hoje são apenas lembranças vazias e esfumaçadas de uma realidade distante que já não existe mais. E sim, ser obrigado a olhar pra frente e seguir, mesmo que a contragosto, é doloroso, mas necessário, pois a vida continua. 

Um grande leque de possibilidades se abre então a minha frente, e talvez seja justamente por isso que acabo ficando tão confuso, por conta do grande número de portas que posso escolher atravessar, sabendo que, cada uma delas pode me levar a um destino diferente. Estas podem ser a porta da felicidade ou da minha própria condenação, mas não me é dado o poder de saber qual é qual, apenas a possibilidade de escolher. 

Escolhas, decisões, possibilidades. 

Eis as dúvidas que surgem a frente daqueles que transitam da juventude para a vida adulta. Penso que seja natural passar por isso, pois não é difcíl notar que muitos a minha volta se encontram no mesmo estado, mas eu não conseguia imaginar que seria assim tão complicado, tão assustador, ter um horizonte tão grande a minha frente e assim ficar paralisado, sem conseguir dar um passo sequer. 

Mas de uma forma ou de outra esse passo precisa ser dado, pois o mundo não vai esperar o meu medo passar pra que eu consiga fazer isso. Penso então se talvez essa não seja a grande jornada de todos nós, ter de mergulhar de cabeça nos mistérios de uma vida que não sabemos onde irá nos levar. Talvez todas as pessoas do mundo tenham de tomar decisões como essa um dia. Algumas são felizes, outras nem tanto, mas nenhum delas se encontra parada, afastada do mundo, todas estão em constante movimento, como a água, sempre correndo em busca de águas maiores onde possa se jogar. 

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