terça-feira, 9 de agosto de 2016

Mais uma vez, mais uma chance

Sim, as vezes algumas obras tem o poder de despertar em nós sentimentos tão puros quanto as pessoas, e também nos fazem lembrar de pessoas. Seja qual for a realidade do momento, as vezes somos tocados por essas obras que, como costumo dizer, alcançaram o ápice da expressão dos afetos da alma pela arte. Não canso de dizer isso aqui, mas penso que, assim como a arte é inesgotável e quanto mais se aprecia, mais profundamente se grava no coração, assim também são as palavras. 

Acabo de assistir, pela segunda ou terceira vez, um longa de anime japonês chamado Byōsoku 5 Senchimētoru (5 centímetros por segundo). Filme de 2007 de Makoto Shinkai que me foi sugerido por um amigo meses atrás. Eu assisti pela recomendação de ser uma história dramática, com uma boa trilha sonora e um aspecto visual impecável. E olha, valeu cada minuto! Realmente é um verdadeiro espetáculo visual. Não há outra forma de definir. Belas paisagens do início ao fim, as flores de cerejeira que eu tanto amo e uma história simples e delicadamente deliciosa de se ver. Digno de ser visto na TV com a maior quantidade de polegadas possíveis e num HD extremo mais potente que os computadores da NASA, por favor. 

A trilha sonora é outro ponto fortemente positivo. O piano que acompanha o filme em quase todos os momentos sendo silenciado aqui e ali pelo som ambiente é simplesmente fantástico. E o principal fica por conta da música tema, nada mais, nada menos que a idílica One More Time, One More Chance do Yamazaki Masayoshi que eu conheci (e me apaixonei) primeiramente anos atrás num cover da Hitomi Shimatani e mais tarde numa versão em inglês da BENI. Enfim, ela é apresentada no primeiro dos três blocos do filme, numa versão em piano, belíssima, e no último bloco na versão completa, arrepiando o espectador e enchendo os ólhos de lágrimas. Até a legenda com a tradução é aqui bem vinda, pois casou completamente com a história a que somos apresentados. 

Claro, não fiz um post só pra falar sobre a obra, não não. Fiz pra falar justamente sobre os muitos sentimentos que me surgiram durante a apreciação e principalmente, que a música de Masayoshi despertou em mim... Por isso, tomei a liberdade de copiar a tradução e ir comentando cada trecho, falando do filme, da vida, do amor e das lágrimas que me acompanham enquanto escrevo. 

Primeiramente, ela é uma balada bem 'calma', sendo que um certo desespero e aflição extremos são sentidos na voz. Ela é chamada por alguns como "a musica mais triste do mundo" pois se trata de um homem despedaçado pelo amor. Masayoshi Yamasaki é um ser humano com a alma devastada por uma tristeza imensamente profunda, tão cheia de sentimentos e tão cheia de expressão. A música "One more time, one more chance" é o espelho onde ele consegue, de forma brilhante, refletir todos estes sentimentos tão intensos que são revividos profundamente a cada vez que a canta.

Quando mais eu tenho que perder até que o meu coração seja perdoado?
Quanto mais eu tenho que sofrer até que eu possa te encontrar novamente?
Mais uma vez, eu não quero que as estações mudem.
Mais uma vez, quando nós brincávamos juntos.

Já começamos falando da tristeza causada pela separação. No entanto, nunca soubemos o que aconteceu que motivou o cantor a escrever essa bela música, mas sabemos que alguém se foi. E assim expressamos a dor pela partida. Abandono, morte, término. Muitos podem ser os motivos de um afastamento, mas uma coisa é sempre certa: um vazio sempre fica quando alguém se vai. Acontece que quando conhecemos alguém, e ela aos poucos vai se tornando parte de nossas vidas, ela acaba por ocupar um lugar dentro de nós, especificamente no coração, mas quando ela se vai, é como se levasse consigo todo o lugar que ocupou, deixando apenas um buraco, um vazio. Vazio este, proporcional ao tamanho do lugar que ela ocupou. Se foi todo o coração, o vazio que sentiremos será como se tivéssemos perdido toda a nossa capacidade de amar, já que tudo que restou foi o vazio.

Sempre que nós discutíamos, eu era o primeiro a desistir.
Sua natureza egoísta me fez te amar ainda mais.
Mais uma chance, as memórias restringem os meus passos.
Mais uma chance, eu não posso escolher o meu destino.

Já sentimos que muitas dificuldades se passaram até que a separação ocorresse. Talvez a situação tenha se tornado tão insuportável que a partida foi a única solução. As vezes temos de ser o primeiro a desistir. As vezes precisamos abrir mão de muitas coisas em razão de quem se ama. Claro, isso exige equilibrio pra que não se torne abusivo, mas na maioria dos casos, amar significa justamente fazer sacríficios. No entanto, quem ama de verdade, os faz de boa vontade, e ainda que doam, machuquem, esses sacrifícios são para as almas enamoradas motivo de alegria e gozo, pois fazem do outro mais feliz, e se o amado está feliz, o mundo está em ordem.

Estou sempre procurando pela sua imagem em qualquer lugar,
Na plataforma oposta, nas janelas, pela rua...
Embora eu saiba que você não poderia estar em tal lugar.
Se o meu desejo se tornasse realidade, eu estaria ao seu lado agora mesmo,
Não haveria nada que eu não conseguisse fazer.
Eu arriscaria tudo e te seguraria forte.

Quando alguém parte, ficamos por esperar seu retorno, seu arrependimento. Ficamos do lado oposto da plataforma, esperando que a pessoa não tenha embarcado, e que ela volte aos seus braços, dizendo que não conseguiria jamais viver ali sem você. Queremos então o retorno, e ai, começamos a procurar pela imagem da pessoa por ai. Me identifico muito com essa parte, pois sou esse tipo de pessoa, sempre esperando pela pessoa amada nos lugares mais inusitados, esperando um pedido de desculpas, uma lágrima sincera. Nesses momentos, perdemos a noção da razão, e de fato, decidimos que arriscariamos qualquer coisa por uma segunda chance.

Qualquer um serviria,
Se eu apenas não quisesse me sentir sozinho.
Eu não consigo mentir a mim mesmo.
Porque à noite parece que as estrelas cairão.
Mais uma vez, eu não quero que as estações mudem,
Mais uma vez, quando nós brincávamos juntos...

Seria bom se as estações permanecessem por mais tempo. Mas, a cada troca, as mudanças são inevitáveis; Pessoas que vem, outras que se vão. Hoje, observamos a neve com alguém que possivelmente nunca mais veremos em nossa vida. Triste pensar que somos tão passageiros, triviais, inconsistentes. Como ele mesmo disse, se fosse apenas pra suprir a carência, qualquer pessoa serviria, mas não é carência, é amor, e amor, não se encontra nos braços de qualquer um. Pelo contrário, amor de verdade é tão raro quanto um diamente, e ainda mais valioso do que um.

Estou sempre procurando pela sua imagem em qualquer lugar,
Em um cruzamento, no meio dos meus sonhos,
Embora eu saiba que você não poderia estar em tal lugar.
Se um milagre acontecesse, eu mostraria a você,
Uma nova manhã, quem eu estou me tornando,
E as palavras que eu nunca disse "eu te amo."

Aqui nos vem o arrependimento. Aquele sentimento de algo que deveria ter sido dito, de algo que poderia ter evitado tal acontecido. Essas três palavrinhas "eu te amo" são tão curiosas... Ao mesmo tempo que formam uma das frases mais poderosas que alguém pode ouvir em sua vida, é usada livremente, de qualquer jeito, sem nenhum escrúpulo. Perdemos o sentido do amar no cotidiano, e as poucas pessoas que ainda sabem o que é isso, como nosso herói devastado, sofrem por não terem conseguido expressar esse sentimento, como a última tentativa desesperada de fazer seu amor ficar.

Creio que precisamos aprender a dizer "eu te amo" de uma forma mais verdadeira, que venha de fato do fundo de nosso coração. Não superficialmente. E que também não fiquemos por cofundir amor com coisas como afeto, atração... Tudo isso existe, mas o amor, é mais poderoso que tudo isso.

As memórias do verão estão embaralhadas em um pulso que desapareceu no nada...
Estou sempre procurando pela sua imagem em qualquer lugar,
Na alvorada das ruas, em sakuragi-cho,
Embora eu saiba que você não poderia estar em tal lugar.
Se o meu desejo se tornasse realidade, eu estaria ao seu lado agora mesmo,
Não haveria nada que eu não conseguisse fazer,
Eu arriscaria tudo e te seguraria forte.

Ficamos então a imaginar e a nos perder em devaneios, imaginando mil e um cenários. Como seria se tívessemos feito diferente, como seria se ainda estívessemos juntos? Será que estáriamos ainda sorrindo com as mesmas brincadeiras bobas? Será que ainda ouviríamos as mesmas músicas? Será que finalmente você tocaria pra mim o seu violão, desafinado, mas com o coração? Desejos do fundo coração, mas infelizmente, desejos que nunca se tornarão realidade. Desejos que serão sepultados conosco, sem nunca de fato virem à luz da realidade.

Estou sempre procurando por um pedaço de você,
Em uma banca de jornal, em um pedaço do jornal,
Embora eu saiba que você não poderia estar la.
Se um milagre acontecesse, eu mostraria a você,
Uma nova manhã, quem eu estou me tornando,
E as palavras que eu nunca disse "eu te amo."

Com a partida, damos início a uma nova vida, e assim, aos poucos, vai surgindo também uma nova pessoa. Uma pessoa capaz de ir consertando os erros do passado. Mas que não tem essa oportunidade. E então ficamos a imaginar como seria se houvesse também um novo recomeço. Se seria diferente agora, depois de tanta mudanças...

Eu acabo sempre procurando pelo seu sorriso em algum lugar,
No cruzamento dos trens, esperando o expresso chegar,
Embora eu saiba que você não poderia estar em tal lugar.
Se as nossas vidas pudessem ser repetidas, eu estaria ao seu lado o tempo todo,
Eu não iria querer nada mais,
Nada importaria além de você...

Quando se ama, é isso que se sente. Nada no mundo pode satisfazer mais do que o amor. Nada nem ninguém pode preencher esse vazio dentro de cada um de nós a não ser o amor. O amor é então a única coisa que importa, o único motivo pra que a gente continue vivendo e aquele tesouro tão almejado pelo qual continuamos procurando por toda a vida.

Esses são os retratos de alguém que amou verdadeiramente, de alguém que sofreu também verdadeiramente. É muito difícil falar de amor, mas não falar de sofrimento, e creio que os dois andem sempre de mãos dadas, mas, falar de amor, é falar também de superação. E essa musica, creio eu, tenha sido a forma de superação pelo amor que se foi. Ele pegou tudo o que se acumulou de triste e doloroso dentro de si e se derramou nas letras dessa música, e assim, expressando todo seu amor, toda sua dor, se eternizou com essa belíssima obra. Que aliás, continua sendo regravada inúmeras vezes, pelos artistas que também se identificam com seu drama, com seu amor devastado.

Simplesmente fantástico...

PS.: Como sugestão, sugiro a audição da versão instrumental em piano, a original, claro, e minha favorita, o cover de Hitomi Shimatani, todas disponíveis no Youtube.

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