quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Desesperança

Ah como são complexas as questões do coração... Hoje mesmo tiver contato com uma breve reflexão de (ou sobre) a Beata Teresa de Calcutá (em breve Santa Teresa) onde dizia que, mesmo nas maiores dificuldades, devemos continuar a amar. Não importa então as dificuldades, nem as ingratidões que podemos receber em troca, enfim, não importa nada do que aconteça, devemos continuar a amar pois o amor é o único capaz de superar a tudo e a todos os obstáculos.

Particularmente, eu sempre vivi como quem acredita incondicionalmente no amor e no seu potencial para superar barreiras. Gosto muito também do belo discurso que nos diz que mesmo na tristeza, o amor é capaz de trazer a felicidade. E sim, por muito tempo eu mesmo perpetuei esse discurso. Acontece que, infelizmente eu estou tão desiludido com essa realidade que não posso mais afirmar acreditar nesse poder do amor, e justo eu que sempre vivi isso de forma tão intensa... Aparentemente tantos espinhos no meu coração fizeram com que eu me afastasse das rosas, por medo de voltar a me machucar.

Eu bem sei que um jardim sem rosas, por mais que tenha belas flores, está incompleto, pois a rosa é como a rainha de todas as flores, a de maior beleza e de significado mais profundo. E é com extrema tristeza que digo ter chegado ao ponto de ter arrancado todas as flores do jardim do meu coração, para que nunca mais volte a me machucar em seus espinhos. 

A história que hoje brota de mim, escrita com letras de sangue em suas pétalas negras, é justamente a de um homem que perdeu a esperança que tinha no amor. De um homem que se esvaziou completamente e agora, no vazio se angustia profundamente. 

Sua triste jornada começa num dia claro, quando permitiu que seu coração se entregasse a um belo jovem de cabelos negros e pele clara que ele via trabalhar. A visão daquele rapaz lhe encantou a alma e os olhos e ele se entregou completamente aquela paixão. Ficou a contemplar aquela cena pintada pelas mãos do mais romântico dos artistas. Observava sua respiração firme, seus braços fortes brilhando de suor e seu cabelo negro contrastando com a luz clara do sol numa harmonia perfeita. Mesmo sabendo ser um grande erro, nosso herói não ouviu a voz da razão que lhe advertia para fugir dalí, se entregou completamente, e não muito tempo depois, já não conseguia viver sem aquele homem em sua vida. Mas essa não é uma história de seu amor, apenas, é principalmente a história de sua desilusão, de sua desesperança nesse amor.

Nunca conseguiu dizer o que sentia. Toda vez que se decidira por confessar a ele seu amor, acabava por acovardar-se e acabava guardando tudo o que sentia para si. Foi assim por um longo tempo até que um certo dia, seu amado conhecera uma jovem moça, e por ela se apaixoara perdidamente. Nosso tolo enamorado, agora de coração partido, teve de assistir a cena de seu grande amor indo embora para fora de seu alcance. Pior do que se o jovem de cabelos negros tivesse ido embora realmente foi o fato de que ele permanceu ali, e todos os dias ele era obrigado a ver seu amado andar com sua esposa pelas calçadas e campos onde um dia ele sonhara dividir com seu amor. 

Ele então se entregou mais uma vez aos sentimentos que nasciam em seu coração, e como um jardim que responde aos cuidados de quem o cuida, esses sentimentos foram crescendo conforme sua dor ia alimentando-os. Da decepção surgiu o rancor, que deu lugar ao ódio e que, por sua vez, deu origem a desesperança, esse sentimento frio, pequeno e cinza que não faz mais do que apenas estancar o fluxo de vida que corre pelo coração. Deitado então num chão frio, já ébrio de dor e morte, nosso herói recebe a visita dessa pequena irmã da morte: a desesperança! Ela se apresenta como uma garota pequena e pálida, de cabelos cor de palha cobertos por um capuz cinza feio e sem vida. 

Sem vida. 

É assim que ele agora se sente, e sendo tomado pela mão da pequena desesperança, ele passa a caminhar sem rumo, apenas a desejar a própria morte e a invejar os corações apaixonados que ardem em chama viva de amor, enquanto seu íntimo padece como que num bloco de gelo que apenas é capaz de queimar devido a força de sua frieza.

Olhando ao mundo a seu redor ele pode contemplar a beleza da criação. As matas claras, as cores do céu e das aves, a alegria das crianças. Mas ele mesmo se tornou um ponto triste em meio a uma pintura alegre. Uma rosa negra em meio a um belo jardim de todas as cores. Aquela única nuvem de chuva que acaba por entristecer um grande dia de sol. A desesperança o conduz por esses caminhos apenas para lhe mostrar a felicidade que ele nunca será capaz de alcançar. 

Com certa ira e uma boa dose de ganância ele novamente é levado a ver seu amado feliz com sua mulher. O perdera completamente para ela e tudo que lhe restou foi o rancor que ele sente por ter permitido nascer dentro de seu coração sentimento tão destrutivo. Num ataque de pânico ele tenta fugir, correr dalí para o lugar mais longe possível, quem sabe lançar-se de algum desfiladeiro com o objetivo de fazer parar todo aquele sofrimento. Mas a desesperança não permite. Aquela pequena criança que o segura pela mão tem o peso e a força de um touro e por mais que tente tudo o que consegue é machucar o proprio punho, na tentativa de escapar daquelas mãozinhas de aço. Depois de muito insitir e perceber o quanto é inútil tentar se livrar daquele sentimento, ele se dá conta de que aquele é na verdade o seu destino. Observar a felicidade de seu amado com uma mulher, a mais obscena das criações.  Então ali, sentado de frente a casa do homem que ele um dia amou, vendo sua felicidade por entre as portas e janelas, ele sente o último traço desse amor fluir de dentro de seu coração como uma lágrima que, escorrendo por seu rosto e caindo no chão, perdendo-se na areia, liberou todo o espaço que ainda restava em sua alma. Esse espaço será agora preenchido com mais desesperança.

A criança que antes segurava sua mão, não existe mais ali fora, pois agora vive em seu coração. Tomado pela tristeza e pelo rancor, pelo desejo de vingança por aquela desprezível mulher. Pela dor e amargura de ter sido obrigado a assitir aquela felicidade. A desesperança que antes o mantia firme ali fizera questão de gravar fundo em seu coração aquela imagem para que, mesmo correndo para o mais longe possível, ele ainda fosse obrigado a contemplar aquela cena. 

Correndo como um louco desesperado, sem saber mais para onde deve ir para desaparecer com aquela dor, ele pára de frente a um grande desfiladeiro. Não sabe como chegara ali e nem como faz para voltar. É esse o desejo da desesperança, plantar em seu coração a semente do desespero que lhe tirará a razão. Ele sente nascer dentro de si agora uma macabra vontade, a de tirar-lhe a própria vida. E eis que o veneno da desesperança começa a fazer efeito, ora, já que ele se encontra no lugar ideal e seu coração já nem suporta mais tanta dor assim, o que o impede de então acabar com a própria vida?

Com um sentimento de realização então, surge atrás dele a morte. Jovem, alta, com a mesma expressão da mulher que roubara dele seu grande amor, e ela será a responsável por conduzir sua alma até o inferno, onde ele será obrigado a rever aquela cena da casa por toda a eternidade, como castigo por ter tirado a própria vida. 

E ele então se entrega a essa armadilha do destino, caminhando em direção a própria morte. Naquele momento, seu amado, muito distante dalí, sente algo apertar em seu peito, como se algo muito importante fosse tirado dele, mas que ele não sabe o que é. A desesperança ressurge a contemplar o corpo já sem vida de nosso pobre apaixonado e, num movimento macabo revela-se ser na verdade o próprio destino, em mais uma de suas aventuras em busca do prazer que ele sente em ver o desespero do coração do homem. 

Ao lado da casa de seu amado, ele plantara um jardim onde, por algum motivo, nenhuma planta conseguia florescer. Todas cresciam, mas nenhuma dava flor, exceto uma roseira, que cresceu bem no centro e que, ano após ano, dava apenas uma única rosa negra. Essa rosa, era a alma de nosso jovem apaixonado, eternamente condenado a viver do lado da felicidade de seu amado, sem nunca poder participar daquela felicidade. 

Mas também, como que num ato gentil do destino, se é que ele é capaz de uma coisa dessas, depois de ter sido transformado em rosa, nosso herói passou a receber o carinho e o amor do seu amado, que cuidava daquela rosa, mesmo sendo negra, como cuidava de sua própria família, pois por ela sentia um sentimento especial que ele mesmo nunca conseguira esplicar. E esse é o fim de nosso herói, que de certa forma conseguiu o carinho do seu amado, mas ao custo de sua vida e de sua alma. Ele aproveitava então os longos minutos que o homem de cabelos negros passava a contemplar suas pétalas negras, mesmo a contragosto de sua esposa que mais de uma vez pediu que ele arrancasse dalí aquela roseira estranha. Mas todos os dias, embora contemplasse a beleza incomum da rosa, o homem sempre retornava a sua casa, para os braços de sua amada, e a rosa, coitada, era novamente possuida pelo desejo de morte que lhe tirou a vida quando ainda era um homem, mas agora, alí, parada como uma planta, nada poderia fazer, senão suportar a dor e a tristeza, por toda a eternidade. É a repetição de toda a sua vida, dia após dia, tendo seu amado só pra si, mas novamente o perdendo para a bruxa.

E assim, tem sido a eternidade dessa pequena e triste rosa negra. Cuja beleza esconde uma dor e uma solidão incomparáveis de um homem que um dia, acreditou no amor.

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