quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Alma gêmea

E vamos de viagem... já deixando aqui avisado que comecei a rever Neon Genesis Evangelion hoje e, como acontece toda vez que eu volto à obra do mestre Anno, provavelmente daqui alguns dias eu retornarei com as postagens surtadas sobre filosofia de vida, consciência e Instrumentalidade Humana. Começando já por hoje, diga-se de passagem. 

É bom ver que, algumas coisas, mesmo quando trabalhadas até a exaustão, não se esgotam, e sempre há algum novo ponto a ser tratado, algo novo a ser descoberto. Acho que essa é a essência do homem moderno: a curiosidade. Se parar pra notar, esse é um dos fatores que mais pesaram na hora de nos diferenciarmos dos outros animais: a curiosidade que resultou no pensamento racional, que nos rendeu o título de animais racionais. Sem querer entrar no mérito do intelecto animal, coisa que aliás não sou capaz de julgar até porque não gosto muito de bicho, penso então que essa seja nossa dádiva e também nossa maldição. 

O homem é um explorador por natureza. Desde a mais tenra infância está descobrindo e se questionando sobre o mundo a sua volta. Seja um simples bebê que morde tudo o que encontra pela frente tentando diferenciar as coisas pelo sabor, ou um cientista que se questiona incansavelmente acerca das teorias do multiverso. Estamos sempre questionando. E foi através disso que chegamos até onde estamos, e por esse motivo afirmei ser essa curiosidade motivo de alegria mas também de condenação. 

A curiosidade resultou na desobediência que foi o Pecado Original, destruindo assim os planos maravilhosos que tinha a humanidade. Mas essa Felix Culpa também nos possibilitou criações também divinas. A medicina, capaz de aliviar as dores e sofrimentos, a tecnologia, que nos torna capazes de fazer coisas antes tidas por impossíveis, e as artes, capazes de exteriorizar o que se encontra no mais profundo do homem. Foi através de tentativas e erros que chegamos as maiores criações da humanidade. Ora dosadas por inspiração, ora frutos de um intenso esforço. 

E aqui, pensando em curiosidade eu me recordo de uma busca, uma procura incansável por uma coisa, uma pessoa. Mas não qualquer pessoa, apenas uma dentre todas as outras. O amor de minha vida, a pessoa certa, ou, para os mais poéticos, à minha alma gêmea. E pensando nessa expressão que eu ironicamente abominava até certo tempo atrás, me lembrei do famoso Mito da Alma Gêmea, sim, aquela historinha que a Tia Clotilde contava nas aulas de Filosofia do Ensino Médio! Na verdade, esse mito é de autoria de Platão, que em sua obra O Banquete, constrói uma história poética-imagética para tentar definir o que é o amor. O que se imortalizou como o mito é a fala de um comediógrafo que, ao fazer um discurso em homenagem ao deus Eros, acabou por cravar nessa história essa fascinante teoria. O mito conta então que, no princípio, os homens eram seres completos, com duas cabeças, e quatro braços e pernas. Porém, considerando-se seres tão perfeitos, os homens tentaram destronar o deuses, e como punição por esse desvario, foram castigados por Zeus, que com uma espada (ou um raio) cindiu os homens, partindo-os ao meio. Desesperados, ao serem lançados a terra, os homens sairam à procura de suas metades, sem as quais não poderiam sobreviver. 

Essa procura incessante por nossas almas gêmeas, e que já nos vem desde o início dos tempos pode ser uma das teorias para responder aos questionamentos sobre aquele vazio, sobre aquela "imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento" usando as palavras do mestre Anno. Aqui eu apresento então, uma das possibilidades de solução dessa imperfeição, através da alma gêmea, sendo a outra solução, a Instrumentalidade Humana, da qual já tratei várias vezes e que continuarei tratando até me esgotarem as fontes e as forças. 

Segundo essa teoria então, esse vazio seria a falta da outra metade. Juntas, formariam um só ser, importal, pefeito, capaz de rivalizar com os deuses. Mas separadas, são frágeis, mortais e insignificantes. Graças a esse desvario mitológico então, o homem está condenado a vagar pela terra eternamente a procura de sua complementação, de sua outra metade, de sua alma gêmea.

Longe de mim inaugurar mais um daqueles discursos melosos sobre a pessoa perfeita e sobre como seria legal encontrar o príncipe do cavalo branco no nosso castelinho de cristal, mas penso que dessas coisas o Tumblr e o mundo já estão repletos. Se alguém quiser ler algo açucarado, que vá ler um livro do Nicholas Sparks! 

Não, a questão aqui não é apenas romântica, embora essa seja a interface pela qual se identificam, normalmente as almas gêmeas, mas ainda mais profunda, é uma questão mental, e aqui novamente me retorno as conexões mentais, tão raras ultimamente, pois por sua complexidade foram relegadas ao segundo pleno em detrimento das conexões físicas, estas, superficiais e incompletas. Quem julga ter achado entao tal pessoa simplesmente pelo fato de que suas conexões físicas (leia-se sexo, se é que ainda nãoo ficou claro) está fadado ao erro. As conexões verdadeiras são, de fato, físicas e mentais. Sendo que uma completa a outra, uma torna a outra possível, mas se ambas não coexistirem, significa que ainda não se encontrou a pessoa perdida. 

Mais uma vez pode-se dizer que eu estou a procurar por motivos para continuar essa minha busca incessante por minha alma gêmea, e dessa vez não irei me defender. Ora, que mal há nisso? Afinal, se eu também me sinto tão profundamente incomodado por essa imperfeição, por esse vazio tão profundo, não vejo mal algum em tentar ocupá-lo com o que acho ser mais viável: o amor. 

Muitas questões surgem então dessa proposição: será que essas almas então seriam pessoas com gostos parecidos, semelhantes em tal ponto até que parecessem uma só? É possível que encontremos de fato, ou estamos condenados a morrer sem nunca conseguir preencher tal vazio? Já adianto que nem sei por onde começar a responder essas perguntas. Mas seu algum dia eu conseguir solucionar esse mistério, ficarei feliz em vir aqui e dizer como o fiz. 

O fato é que, a curiosidade pode ter sido um desvio dessa busca do homem pelo que ele perdeu a tanto tempo atrás. Depois de tanto buscar no campo afetivo e não conseguir encontrar sequer a sombra do que poderia complementar esse seu vazio, o homem passou a buscar no seu exterior, e assim, passou a desenvolver-se no intuito de alcançar algo que nem mesmo ele sabe o que é. Exemplos disso? Tem vários por ai: inventamos o carro como uma forma de nos mover mais rapidamente, e devido as chuvas, sol, etc, de forma mais segura. Depois, inventamos as leis de trânsito pelo mesmo motivo. O mesmo se diz das armas de fogo. As inventamos pra nos sentir seguros, depois inventamos a lei do desarmamento pelo mesmo motivo. O que eu pretendo com isso? Mostrar que o fracasso que cometemos no plano afetivo se repete agora no campo industrial/tecnológico. Quanto mais nos esforçamos pra alcançar isso que não sabemos o que é, mais nos afastamos desse objetivo, pois apenas andamos em circulos. Numa última comparação, falemos da própria filosofia, que na busca pelo conhecimento, cada vez mais admite não ser possível conhecer a tudo. Não encontramos a resposta para esse vazio dentro de nós e nem a encontramos fora. 

Minha opinião? Deveríamos voltar a buscar dentro. Ainda que separados desde tempos mitológicos, creio que ainda existam traços do nosso outro eu dentro de nós, e que esses traços são capazes de nos levarem ao encontro um do outro. Sim, admito, uma visão otimista, mas que, num panorama onde ninguém mais encontrou solução melhor, penso que também mereço crédito. 

E aqui eu me entrego aos meus devaneios pessoais: Será que em algum lugar, minha alma gêmea pensa nesse momento também em mim? Será que eu já não possa ter esbarrado com ela, e por um descuido de ambas as partes, tenhamos ignorado que por um instante, as almas separadas a milênios atrás tiveram a oportunidade se encontrarem por ai? Pode ser...

Pode ser que sim, nesse exato momento, um outro rapaz esteja pensando onde mais possa me procurar, eu que sou o único capaz de completar o vazio de seu coração. Pode ser que ele esteja lendo isso e se perguntando se de fato existe alguém no mundo que se encaixe perfeitamente nele. Assim como eu estou fazendo agora. Pode ser. O mundo é muito grande pra dizer que não, que isso é impossível, e se for pra continuar a vagar sem destino, prefiro fazer isso tendo em mente um objetivo fixo, ainda que esteja errado, do que vagar sem destino algum. 

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