quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Primavera

Realmente, quando mais nos permitimos deixar-nos sermos surpreendidos pela vida, mais ela consegue nos mostrar o qão pequenos e insignificantes somos ao tentar, ou presumir, ter o controle de nosso próprio destino. 

Por vezes temos a sensação de que nosso único objetivo aqui seja superar desafios, e talvez realmente o seja, mas acho que aprender com esses desafios seja de fato nossa missão. Que assim seja então. 

Infelizmente, não raras vezes ficamos tão preocupados com os problemas e paralisados com os medos e tristezas que sequer percebemos o agir da vida correndo à nossa volta. Aqui eu penso no exemplo da cerejeira. As belas flores de cerejeira caem e deixam suas ávores vazias, tristes. Suportam então por um ano inteiros as intempéries do clima e quando florescem, permanecem assim por apenas um curto período, pois logo as flores tornam a cair e o ciclo recomeça. Pra que possamos contemplar a beleza das flores na primavera, temos de suportar o frio do inverno, o calor do verão, e a troca das folhas no outono. Ou seja, temos apenas uma estação par admirar a beleza daquela que durante todo o ano sofre para voltar a florescer. Igualmente o nosso coração. Muito deve sofrer e padecer, para que na época da primavera, consiga reflorir novamente e assim encantar o coração daqueles que o observam.

As vezes as dificuldades das estações são tamanhas que decidimos não dar mais flores. Nos fechamos em nós mesmos, e guardamos a beleza das cores no íntimo de nosso coração. Acontece que as mágoas se juntam de tal forma que, tememos que ninguém mais saiba apreciar a beleza do coração e que vão apenas arrancar as pétalas de nossas flores e ir embora como outros fizeram. 

A dor do abandono realmente é uma das mais difíceis de serem superadas, e algumas vezes, por mais que tentemos esquecer, em um ou outro momento ela ainda vai estar ali presente. Nem sempre como a dor arrasadora que nos impede de levar uma vida normal, mas também como aquele pequeno incômodo permanente no fundo da mente que constantemente vem à tona numa maré de sentimentos ruins. Mas a vida é complexa demais pra oferecer soluções simples e óbvias. Dificilmente aprenderíamos se assim o fosse. 

Logo, não é porque alguém nos machucou ou nos abandonou, que outra pessoa surgiria no lugar e como num toque de magia, a história se apagaria e um novo capítulo teria início. Mas assim como num livro, a história do capitulo seguinte depende necessariamente dos anteriores, e a menos que se mude de história, ela vai influenciar todo o desenrolar da trama.

O que tento dizer é que, não é possível apagar o passado, por mais que ainda machuque pensar em tudo o que já aconteceu, não existe uma forma de fingir que nunca aconteceu. No entanto, o aprendizado adquirido daí pode, e deve, ser usado na construção do futuro e na compreensão do futuro. 

O amor é costumeiramente a maior causa de cicatrizes em nosso coração. Assim como o cigarro faz ao pulmão de um viciado, a cada nova tragada, a mancha escura aumenta, até que tome todo o orgão. Também somos assim, a cada decepção, a cada traição, a cada abandono, a mancha no nosso coração aumenta, até que a certo ponto ela toma todo o nosso ser, e parece que nunca mais teremos aquele orgão forte, capaz de levar vitalidade a todo o corpo. É quando nos fechamos e pensamos que nunca mais algo poderá despertar nossa capacidade de amar. 

O medo de voltar a ferir-se é uma questão de sobrevivência. Sem ele, poderíamos acabar morrendo de desgosto após uma série de decepções. Mas instinto de autopreservação pode vir a ser um problema quando nos cega para as oportunidades de felicidade que surgem à nossa frente. Deixamos então as chances passarem bem frente aos nossos olhos e não agarramos. E a vida não fica dando muitas chances por aí. Bem sabemos que os desafios superam e muito os números da felicidade.

Mas como disse no início, quando permitimos que as surpresas venham até nós, ai a história é completamente diferente. E não me canso de dizer nunca o quanto a vida é uma caixinha de surpresas. Mesmo quando as folhas estão ao chão, e o vento sopra com tanta força que as arvores custam a manter-se de pé, a natureza trabalha silenciosa e delicadamente para que na primavera, as flores voltem a trazer a sua beleza ao mundo. Um pequena pétala ou uma única rosa podem parecer pouco pra preencher de cor a todo um jardim, mas essa mesma pétala solitária pode, no coração certo, trazer as mais profundas impressões de amor e afeição que um imenso jardim jamais poderia.

Por isso costumo dizer que a felicidade está no efêmero, no passageiro. Pois assim como as flores não duram para sempre, precisamos da aspereza das outras estações para voltar a notar o quanto as cores são importantes. Assim nossa vida também está sempre num ciclo de novas estações. Ora numa primavera florida, ora num inverno rigoroso... de qualquer forma, seja qual for a estação que nos encontramos, é importante ter a certeza de que ela não será permanente. Se estamos felizes, devemos nos preparara para que não nos deixemos abalar por qualquer coisa, que saibamos enfrentar sem perder de vista a alegria do coração. Se estamos passando por dificuldades, que tenhamos em mente que depois de toda tempestade, por mais longa e violenta que seja, vem a calmaria do mar e a serenidade da manhã. 

Continuo a me aventurar pelas metáforas das plantas, pois muito me admira a resistência delas. Mesmo nas chuvas, ou no calor intenso de uma floresta tropical, elas se mantem firmes. Perdem folhas, ficam secas e as vezes sua beleza parece ter se esvaído, mas quando vem as primeiras chuvas, suas folhas se recobrem novamente de beleza e vitalidade. Também nós, voltamos a sorrir e a resplandecer ao recebermos as chuvas da alegria que vem nos visitar.

Bom mesmo é voltar a se sentir capaz de amar. Perceber que o sentimento não morreu com aqueles que se foram me deixando para trás, e ver que ainda há água a correr dessa fonte cristalina que é o amor. Fico contente em notar que não estou morto por dentro. Saber que os últimos meses, onde mergulhei na mais profunda escuridão, na verdade foram apenas um rigoroso inverno, cuja neve começa a derreter e os ventos já diminuem sua ferocidade, pois a alegria da primavera vem anunciando sua chegada, e com ela, as flores e as cores de volta a vida e ao coração.

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