domingo, 7 de agosto de 2016

Temporal de primavera

Bom, eis que acabou o dia, e que dia... Definir em uma só palavra seria impossível, e mesmo que eu tentasse, não seria satisfatório. Logo, não há como dizer se foi bom ou ruim, mas sim que teve seus momentos bons e ruins, cada qual com sua intensidade e peculiaridades. 

Pra me acompanhar então no desafio que vai ser descrever esse dia tão singular, escolhi a Sinfonia N° 3 em Am, Op. 44 do Rachmaninoff. Os motivos? Bom, como eu escutei essa peça à muito tempo, não me recordo dela, logo não tenho pensamentos poluidos a seu respeito e isso aliado ao fato de que quase não encontrei informações a seu respeito, significa que eu terei uma liberdade muito grande em relação a deixar a mente fluir em refletir nos acontecimentos desse dia. 

Primeiramente, penso que tenha depositado expectativas demais no dia de hoje... Pois as contradições começaram logo cedo. Muito embora tenham sido estas os menores problemas do dia. Fui obrigado a rever aquele ex-amigo durante a manhã. Engraçado como nunca sequer imaginei fosse um dia usar essa expressão, Mas talvez seja a que melhor descreva a situação. Dizer que é meu ex é um pouco de exagero, já que de fato nunca houve nada oficial, apenas uma série de paranóias muito bem construídas pela minha mente distorcida. Enfim, fui obrigado a encará-lo durante toda a Missa (pois eu estava a servir o altar) e mais tarde, quando fui a um evento da igreja no município vizinho, também fui obrigado a revê-lo pois tinha ido lá também com alguns amigos. Enfim, nem preciso dizer que continuo sendo ignorado e que agora, creio não mais haver possibilidade de reatar essa amizade. Triste ser levado a pensar que 4 anos foram jogados ao ar assim, tão facilmente. 

Essa manhã densa e nebulosa no entanto começou a dissipar-se com o advento de um novo sol. Que aliás esteve quente durante todo o dia, embora não esteja me referindo a esse sol. Contudo, mesmo com a presença do astro-rei a iluminar e a trazer calor ao meu coração, aquela fria brisa insistia em me rodear, como uma víbora preparando-se para dar o bote em sua débil presa. Vou me deter com um pouco mais de cautela a esses fatos.

A névoa que tomou conta de meu coração foi quase que completamente dispersada como já disse, pelo advento de um sol, Um sol e não O sol, como poderia dizer. Mas porque me refiro à uma pessoa, ou pessoas, dependendo do ponto de vista que aplico, e que foram responsáveis por fazer esse dia brilhar. Enfim, costumo acreditar sinceramente na máxima que diz que sempre após a tempestade, vem a calmaria do mar. Nenhuma tempestade e nenhum terremoto dura para sempre, embora os tempos de clima ruim possam se prolongar por mais do que apenas alguns dias.

Bom, o resto do dia transcorreu tranquilamente, até certa altura, mas já chego lá. E sinceramente, há muito, muito tempo não passava momentos tão simples e tão bons como os de hoje. Como sinto falta daquela época, não muito distante, quando todos os fins de semana eram cheios e ocupados de tal forma que eu dificilmente encontrava tempo pra me preocupar com qualquer outra coisa que não fosse à pastoral. Eram dias muito cansativos, sim, mas igualmente recompensadores. A cada encontro planejado e concluido, a cada solenidade executada perfeitamente, a cada Santa Missa bem preparada e bem celebrada, tudo isso me bastava para me fazer feliz, completo. E por mais que as vezes os desafios fossem deveras grandes demais pra um jovem  cerimoniário com pouca experiência como eu, a companhia daqueles que me cercavam era confortante. Por mais árduo que fossem as tarefas, a certeza de que sempre teria um rodinha de amigos com quem sorrir e brincar no fim do dia era suficiente pra fornecer coragem e vitalidade. E penso que não seja o único a pensar assim, pois muitos comentam comigo sentir essa mesma falta.

Logo, boa parte do dia de hoje foi como uma sombra dessas épocas. Risadas, brincadeiras, cantar até quase perder a voz. De novo, coisas simples, bobas, mas tão importantes, tão gratificantes, que chego a me questionar se as grandes conquistas da vida, aquelas que nos enchem os olhos, valem mesmo à pena. Fui tomado então por uma contagiante alegria, típica da juventude católica que, mesmo tendo uma vida conturbada e bem diversa daquela vida de santidade tão almejada, consegue criar momentos únicos, onde somos levados a cantar alegremente e proclamar as maravilhas do Senhor. Recordar canções, trocar experiências, brincar com tudo quanto nos rodeia, de fato, um sol que brilha forte no alto céu, dissipando as trevas e as densas névoas que buscam turvar a visão e magoar o coração.

Claro, esse otimismo todo também não se devia apenas aos amigos que se reuniram novamente depois de tanto tempo. Embora o seja em boa parte. Mas também se deve, como era de se esperar de mim, a uma pessoa especial. O otimismo com que o blog foi tomado nas últimas semanas se deve também em grande parte a essa pessoa. E não quero falar muito sobre isso, pois temo despertar a inveja que sempre faz com que as coisas se desmoronem frente aos meus olhos. No entanto, se me é permitido algumas linhas de devaneios, posso dizer que, assim como a luz do sol vai delicadamente derretendo a neve das montanhas e devolvendo a cor aos bosques, assim também algumas pessoas o são em nossa vida. Capazes de degelar a neve de nossos corações, devolver as cores e alegrias, e tudo isso com a simples presença. Nada demais aconteceu, mas a presença do sol já é suficiente pra fazer a floresta brilhar, sem que o mesmo precise fazer algo a mais do que apenas estar ali e brilhar. Palavras seriam limitadas demais pra agradecer a esse sol pelas doces alegrias desse dia. Pela doce sinfonia de sua companhia. E até o beijo de despedida, no alto da cabeça, fora a mais singela e pura demonstração de afeto que recebi em muito tempo...

Mas, nem tudo são flores nessa primavera da vida, e mesmo numa boa estação, um temporal pode acabar surpreendendo os jardins e acabar fazendo com que algumas flores morram, devido a violência com que são atingidas pela água. Não poderia imaginar que o veria ali. Não tão cedo depois de nossa separação. Deveras, esperava nunca mais ter de encontrá-lo, nem a ninguém de sua família, e nem a nada que me fizesse lembrar dos tempos que se foram. Isso é tudo péssimo, e veio também em péssima hora. Pois me fez notar o quanto ainda estou amarrado a esse navio que já a muito tempo naufragou e que, as cordas que ainda me restam, me impedem de nadar livremente pelo imenso oceano. Foi como se um balde de água gelado fosse jogado contra mim. Comecei a tremer, a respiração a falhar, por sorte não houve crise respiratória movida por gatilho emocional e muito menos crise de choro em frente a tantas pessoas alegres, dentre elas o sol que me aqueceu durante todo o dia. Foram apenas dois vislumbres, mais do que suficientes pra acabar com meu humor por instantes e por comprometer a minha frágil alegria.

Mas, voltando ao temporal de Primavera (segunda peça da noite, Sonata pra Violino N°5 em F, Op. 24 'Primavera', do meu querido Beethoven) depois da chuva, algumas plantas podem ser vistas quebradas ao chão, mas embora tenha sofrido perdas, o jardim continua de pé, e ao retornar, o sol traz novamente vida as plantas assustadas pela água feroz. O jardim repousava tranquilo, com suas flores tremulando pra lá e pra cá com a brisa suave do vento. Suas cores, refletidas nas gotas do orvalho e pelo brilho do Sol enchiam o mundo de cor e beleza. Mas de repente, a brisa se tornou um vento forte. A luz começou a diminuir e nuvens densas e escuras cobriram o céu outrora límpido do mais belo azul. A chuva logo começou a cair. Não uma simples chuva, um verdadeiro temporal, uma tempestade, com raios que rasgavam o céu e trovões que faziam a terra tremer. Ventos que derrubaram árvores gigantescas e pesadas gotas de água que maltratavam violentamente as delicadas pétalas das rosas. Durou um curto período, apenas o suficiente para que a água das nuvens acabasse. Mas os estragos foram grandes, reversíveis, porém grandes. E aos poucos, lentamente rompendo a barreira das nuvens, o sol vai retornando em sua força e potência, prometendo as suas amadas filhinhas, o retorno à vida e a beleza, lhes prometendo a ressurreição daquele belo jardim. Aquelas que morreram, serão devoradas pela terra e nutrirão a vida das outras. E além disso, novas flores nascerão naquele lugar. Novas vidas brotarão naquele lugar. Basta acreditar na luz do sol, basta acreditar na vida, basta acreditar!

Um dia claro e quente pode vir a se tornar frio e chuvoso. Mas o contrário também pode acontecer, e a vida adora nos surpreender. As vezes uma estrela morre, outra nasce em seu lugar. A vida continua, enfrentar essas pequenas adversidades deve ser parte de nossa sabedoria, de nosso dia a dia. E bola pra frente!

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