domingo, 14 de agosto de 2016

Dias cinzentos

Hoje é um daqueles dias cinzentos... e não no bom sentido... Claro, o fato de ter amanhecido meio nublado, com um clima ameno bem mais fresco é algo bom. Mas o cinza de que falo não se refere ao tempo, mas sim ao meu coração... Me acompanhando durante essa postagem estão meu bom e velho chocolate meio amargo, um Rivotril cujo efeito já está começando e algumas músicas da Kana Nishino, esta que considero uma das cantoras mais apaixonadas do Japão... Tudo isso pra quê? Uma tentativa de fugir desse sentimento sombrio que vem tentando se apossar de mim nessa tarde de domingo.

Em primeiro lugar eu voltei a temer essa nuvem pesada que paira sobre minha cabeça e que se chama pós-graduação. Mais uma vez eu me pergunto se conseguirei me organizar de forma a conseguir cumprir com todas as atividades propostas. Claro, o esforço da minha parte representará ao menos 90% do meu desempenho, ou seja, só depende de mim, mas é justamente isso que me assusta.

Além disso, o outro fator para tornar esse dia tão frio e triste foram os sentimentos que brotaram no meu coração durante esta manhã. Como qualquer jardim, algumas vezes temos também de lidar com as ervas daninhas que crescem por entre as flores e acabam por sufocar as outras plantas. Cabe ao bom jardineiro saber cuidar de ser jardim com atenção e esmero, para arrancar as pragas no momento certo, não machucar as plantas e assim garantir a beleza de seu jardim.

Infelizmente, depois da Santa Missa dessa manhã, onde infelizmente acabei sendo acometido por um já conhecido sentimento de culpa e vileza: o de que preciso me confessar. Como se já não bastasse essa necessidade espiritual, quando voltei pra a casa e acabei por adormecer novamente, fui tomado de súbito por sonhos que não me agradaram em nada, e além disso, quando já estava quase acordando, naquele estado que costumo chamar de meia morte, esses sonhos se tornaram devaneios perigosos que acabaram me levando pra um vale perigoso e sombrio. Resultado? Lembranças e mais lembranças de tempos de que se foram e que não vão voltar e que brotavam com tanta rapidez quanto às lagrimas que escorriam pelo meu rosto.

Ser humano significa ser como o mar. De uma beleza inestimável e de uma grandeza colossal. Quem se aproxima do mar é sempre tomado por sua beleza. Poucas são as visões tão belas quanto as águas brilhantes do mar durante um dia claro, ou do que ver a luz prateada da lua refletida em suas águas numa noite nostálgica. Mas o mar nem sempre é apenas belo, é quase sempre também mortal. Suas águas podem tornar-se revoltas em questão de momentos e suas tempestades tão mortais quanto qualquer erupção vulcânica, geralmente mais temida simplesmente por ser uma ameaça mais óbvia. Acontece que o mar é uma ameaça ainda maior que a do vulcão justamente por isso: sua beleza nos atrai para suas profundezas sombrias e mortais. Como faziam as antigas sereias que, ao cantar, seduziam os navegantes e os atraiam para águas profundas onde ali eram mortos...

Peço perdão pelos devaneios, mas sempre que reflito assim sobre meus sentimentos acabo absorto nesse mundo. Voltando a metáfora do mar, o que eu pretendia com essa comparação era falar da sua profundidade e de seu potencial escondido. Assim como o coração humano. Quando digo então que somos como o mar revolto, significa dizer que temos muito mais do que uma superfície brilhante. Também possúimos dentro de nós um grande abismo, onde habitam as mais estranhas e terríveis criaturas. Significa dizer que nossas águas calmas podem num piscar de olhos se tornarem revoltosas e assustadoras. E significa dizer também que, somente mergulhando fundo nos nossos próprios sentimentos, poderemos desbravar esse abismo de nossa alma e de nosso coração.

Esses momentos sombrios, de recordações de tempos felizes que hoje não passam disso mesmo, recordações não podem ser controlados, mas podem ser administrados. Exige coragem encarar esse problema de frente e mergulhar de cabeça na busca de suas origens, eu bem sei, pois navegar por águas desconhecidas é sempre assustador, e pode significar ser uma viagem sem volta. Mas é necessário aprender sobre essas tempestades, pois não é possível assistir sempre de forma passiva toda vez que uma dessas pairar sobre nós destuíndo a tudo o que somos e criamos, como aconteceu tempos atrás.

Primeiramente, acredito que esses momentos sejam motivados por nossa carência. Esta por sua vez, se mostra de duas formas dentro de cada um de nós. A primeira delas, é aquela que não pode ser administrada, não pode ser vencida. Trata-se do que podemos chamar de carência primordial, embora eu prefira voltar a falar daquele vazio existêncial que habita no âmago de cada um de nós e que, não raramente o transportamos para o plano afetivo, transformando então esse vazio, esse questionamento essencial da vida numa carência a ser preenchida com a presença de uma pessoa, ou pessoas. Essa seria então, outra manifestação dessa assombração que vem tomando conta de todas as pessoas. Assim como o mundo parece buscar a solução pra esse problema através de uma produção de informações sem precendentes, como se pudéssemos alcançar um estado onde evoluir não seja mais possível, alcançando assim a perfeição, outras pessoas buscam essa solução nos braços do próximo, como forma de estancar ou ao menos amenizar o medo de estar sozinho, abandonado e de se considerar pequeno e frágil. Como já disse, essa é a primeira forma da carência, e está presente em todos nós, de uma forma ou de outra, em graus variáveis, mas sempre presente.

A segunda forma de carência já é mais pessoal, é criada por cada um e por isso mesmo varia muito em tamanho, sintomática e consequências. Ela acontece quando acabamos por criar a ilusão de que precisamos de outra pessoa ao nosso lado pra conseguir sobreviver. Digo, no sentido afetivo, pois viver sozinho não é uma opção viável ao homem que, em sua natureza mais básica, é um ser social. Essa carência por vezes pode ser uma manifestação ainda mais profunda daquela carência original de que falei no parágrafo anterior e assim, se misturar a ela de forma que já não seja mais possível delimitar onde começa uma e termina a outra. Quanto às suas características, costuma ser bem mais violenta que a primeira, e tão selvagem quanto ela também. Trasferimos todas as nossas angustias, medos, ansiedades e todas as outras neuras enumeráveis para a ilusão de que ter alguém ao nosso lado resolveria esse problema. 

Trata-se de uma visão limitada do problema. Como se na verdade buscássemos apenas alguém pra resolver os problemas de nossas cabeça que não fomos capazes de resolver sozinhos, Mas isso chega a ser quase um absurdo, pois, partindo de um ponto de vista onde todos somos iguais e, mesmo tendo problemas diferentes, todos temos dificuldades que pensamos ser impossíveis de se resolver, é loucura querer que o próximo resolva o meu problema, pois ele já se preocupa em resolver os problemas dele, ou pior, ele se preocupa em procurar alguém pra resolver os problemas dele. E isso é um ciclo sem fim, que parece ter abarcado a todos.

Creio que, e esse palpite á apenas um tiro no escuro, deveríamos nos preocupar em achar alguém apenas quando resolvermos essas questões pessoais. Ou ao menos mantê-las sob controle. Dessa forma quando duas pessoas normais se encontrarem e começarem a sair e a se relacionar, terão estabilidade suficiente pra manter essa relação. Os problemas vão aparecer? Com toda a certeza. Mas ai, o nível de maturidade de ambas será a coluna que sustentará esse relacionamento. A partir daí então, um e outro se apoiarão mutuamente. "A amada, já no amado transformada" (Noite Escura, São João da Cruz) amada e amado vivendo juntos como um só, apoiando os seus problemas mutuamente,

Num primeira vista, pode parecer uma visão um tanto quanto utópica do ponto de vista realista, Mas se parar pra pensar, não o é, Ora, se numa grande empresa pessoas com diferentes aptidões trabalham juntas para alcançarem um objetivo em comum, nada impede que duas pessoas trabalhem também juntas para alcançarem esse objetivo: a felicidade!

Mas após essa breve reflexão um tanto quanto mais racional, para os meus padrões, os vislumbres do passado continaum a me assombrar. Aquelas palavras ditas em forma de promessa, e principalmente as promessas que fiz e não fui capaz de cumprir, vem sendo repetidas constantemente em minha cabeça. Tristemente eu me entrego aos devaneios de imaginar como seria hoje se tivéssemos feito as coisas de forma diferente. Lembranças dos momentos, dos toques, das intimidades. Momentos que pareciam que iriam durar para sempre, mas que se foram tão repidamente quanto surgiram. Mas como prova de que não se tratou de algo superficial é a comparação que pode ser feita ao tempo em que ficamos juntos e o tempo que tenho levado pra superar, e que tenho falhado miseravelmente. Se fosse algo superficial, já teria superado facilmente, e hoje sequer me lembraria de nada. Mas pelo contrário, a cada dia que passa, embora a dor diminua, a saudade se mantém estagnada e o sentimento de esperança mesclado com a resiliência me põem a questinonar minha própria sanidade. Será que eu teria conseguido manter aquela felicidade que estava vivendo? Não é difícil notar o quanto ainda penso que possa haver um novo final pra esta história, mas é uma esperança tola, que venho tentando destruir com todas as forças desde aquele fatídico domingo. Até porque, como já disse, uma luz tem me impedido de cair na escuridão completa, e ela me resgatou, ainda que sem querer, do abismo onde já tinha me entregado, esperando a visita de minha velha amiga, a morte. Agredeço a essa luz, que me envia músicas a noite e que continua me fazendo sorrir mesmo quando minha única vontade de é de chorar... Obrigado!

De qualquer forma, como bem diz a sabedoria popular: não adianta chorar sob o leite derramado! O passado se foi. Foi bom? Com toda a certeza. Mas nem tudo que é bom dura para sempre, e é preciso aceitar isso, lidar com isso e entender, de uma vez por todas que a vida segue em ciclos, ora estamos felizes, ora estamos tristes e ora estamos debaixo dessas grossas nuvens de chuva, que prenunciam uma tempestade, mas que também anunciam o retorno do sol. Como dissemos na Santa Missa, que anunciamos a morte e proclamamos a ressurreição (de Cristo) e sempre me uso também dessas comparações liturgicas pois, sendo a liturgia a vida da igreja, centro e ápice de toda a vida cristã e portanto centro e ápice de minha vida, e ela se tratando principalmente de amor, e do amor mais puro e perfeito que a terra já viu, penso que cabe também aplicar alguns de seus princípios nesse meu amor imperfeito e pobre. 

Pra encerrar, pois já sinto meus sentidos se diminuirem sob o efeito da medicação, penso que devemos então mergulhar sim, de cabeça nas paixões, e também nessas águas revoltosas, a fim de, ao chegarmos no fundo desse obscuro oceano de nosso coração, consigamos aos poucos compreender e aprender um pouco mais sobre nós mesmos, nossos sentimentos e assim, construir sentimentos e relacionamentos mais saudáveis. Sendo assim, alcançaremos o equilíbrio, e com ele, a felicidade, a tal almejada felicidade...

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