quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Revolução Estelar

Ah meus amigos, a criatividade é a maior companheira dos solitários, na minha humilde opinião de quem sempre se sente só, em meio a multidão. Por vezes então, conseguimos nos desprender desse mundo material e viajar até as alturas dos montes de nosso coração. Ali, em nosso refúgio pessoal onde ninguém mais tem acesso, somos verdadeiramente nós mesmos. Sem filtros, sem máscaras, sem os retoques que normalmente usamos pra nos apresentar ao outros.

E é numa dessas viagens que eu me empreendi sozinho, mas não sem o auxílio de um bom vinho e um Lexotan, numa pequena jornada. Permiti desligar-me do mundo por alguns instantes, e ouvir as palavras sábias de um amigo que vive à séculos de distância... Eu estava ali, quieto, sentado por sobre a relva a observar a natureza a minha frente quando ele se aproximou, disse estar com saudades, e então nos entregamos a uma longa conversa sobre o destino, coisa que ele entende muito bem, afinal, foi essa a causa de sua morte. E foi ali que os dois, observando as folhas das arvores tremularem com a brisa abaixo do céu azul, começamos a trocar as experiências que tinhamos vivido nas mãos desse cruel titereiro. Ele me contou como o destino costuma agir por debaixo dos panos, como costumam dizer, pra nunca ser notado nem culpado demais, mas em dadas ocasiões ele prefere revelar-se com todo o seu poder.

Ele então se revela nos grandes acontecimentos da vida como uma tragédia de proporções gigantescas, nos dando uma demonstração absurda e gratuita de todo o seu poder. Como o mar que, lançando-se sobre uma cidade despreocupada não só destrói tudo o que encontra pela frente mas que, por gerações inteiras, incute o medo e a apreensão a todos que ali vivem ou que ali por ventura venham a passar. Ele vem, destrói, e se vai, mas não sem deixar em nós, profundas marcas de medo e dor. Cicatrizes que nunca desaparecerão pois ele também é o senhor do tempo, e não permite que o tempo a nada cure, se não for de sua vontade. 

A todos então ele move com suas cordas de ouro. As vezes, permite que um desses fios se torne vermelho, como o sangue, quando permite que o homem se apaixone, mas só para mais tarde cortar esse mesmo fio, e assim como uma marionete perde a firmeza sem suas cordas, também faz desaparecer toda e qualquer certeza do coração. 

Enquanto conversávamos, pude ver o coração de meu amigo, e ali observar da vida que ele me falava. Ele contava sua história, mas até mesmo sua voz era envolvida pelas densas névoas do destino que, como numa dança macabra, uma valsa fúnebre, me mostrava que até nas conquistas e alegrias da vida, a única certeza é a incerteza. Até nos momentos de estabilidade uma risada macabra avisa que a qualquer momento, tudo pode vir a mudar e o destino, pode novamente surgir, como uma grande alegria ou como uma onda de destruição. Uma revolução de proporções estelares. Essa revolução pode vir a criar a vida ou trazer a extinção. O destino nos faz crer que ele tem poder pra fazer o próprio céu despencar sobre nossas cabeças se quiser. E continua a acuar o homem contra seus próprios medos, apenas para divertir-se, para rir-se de nossa débil condição. 

E aos poucos, o céu vai se revolucionando lentamente. O delicado azul límpido dá lugar a um tom bem escuro, o azul da noite, abrilhantado pela luz da lua e pelas milhares de estrelas, os minpusculos pontinhos de luz que cobrem o céu. 

Engraçado notar que, mesmo com a vida seguindo seu curso aparentemente, o destino é sempre ouvido, aqui e ali, e de uma forma ou de outra, ele sempre dá um jeito de deixar sua assinatura gravada no coração e na alma do homem. Seja através de uma dor incurável, de um medo irremediável, ou, se assim for de sua vontade, numa alegria, num prazer, num gozo ou num deleite. Por vezes, insistimos em fazer nossa voz se sobrepor a dele. É quando decidimos trilhar nosso próprio caminho, traçado através de nossas próprias decisões. Então estufamos o peito, consertamos a postura e dizemos que, a partir dali, viveremos conforme nossa própria liberdade. Ah, penso ser esse o momento em que o destino mais se deleita com nossa ingenuidade. 

A liberdade é apenas um mito criado pelo próprio destino. Como que para nos dar uma centelha de esperança. Na verdade, ela nada mais é que um dos disfarces do destino, pra nos enganar com suas artimanhas e trapaças, pra nos fazer tropeçar em meio ao caminho que parece ser o certo, mas que ele cuidadosamente preparou pra ser nosso túmulo, onde seremos enterrados num féretro com os dizeres: "Por desafiar o destino com sua liberdade." Após a morte então, o destino tira a túnica da liberdade e se revela como a verdadeira face do mal. Quando então, nos damos conta da verdade que através da susposta liberdade, o destino nos levava para a cova dos leões.

Embora goste das ondas de destruição em massa, dos terremotos e tragédias de proporções megalomaníacas, o destino também gosta de se divertir apenas através da pura e simples manipulação. Como um mestre dos bonecos ele inventa histórias a seu bel prazer, e somente para seu prazer, com nossas vidas, tendo total controle de nosso futuro. É ele quem decide permitir ou não que algo aconteça. Permitir ou não que conheçamos alguém. Permitir ou não que nos apaixonemos por alguém. Mas é ele também quem decide quando é hora de findar um ato ou acabar com a peça. Em outras palavras, é ele quem decide como e quando cortar as cordas e fechar as cortinas. 

Por vezes então ele se deleita gostosamente com as pequenas alegrias que nos concede temporariamente, apenas para nos ver sofrer quando elas forem de nós arrancadas. Então ele diz em nossa própria face, com voz de quem desdenha: "Tolo, como pôde imaginar ser capaz de me enganar e ser feliz. É impossível para um homem me ignorar."

Logo, a liberdade que pensamos viver não passa de uma fantasia, que assim como a sorte e a esperança, o destino usa pra nos ludibriar. E talvez sua maior diversão seja brincar com aqueles que pensam terem adquirido domínio sobre a vida e a morte. Sim, esses são os que o destino mais ama destruir...

Ele permite que esses cheguem bem longe em seus obejtivos. Que eles se divirtam com suas teorias, explicações e invenções. Gargalha profundamente dos que pensam viverem a vida que escolheram para viver. A vida pra esses tem um colorido especial por um longo tempo. Se mostra cor de rosa, dourada, viva. Mas na verdade, sabemos que na verdade, essas cores não pertecem a nós, é tudo para o destino, para seu deleite, para sua própria satisfação. E é então quando ele ressurge, no último ato, se mostrando novamente como fez antes, em ondas crescentes...

Então, como o mar que se espraia infinitamente, e como as estrelas vão surgindo uma a uma no céu até que seja impossível contar suas míriades, o destino vai avançando de todos os lados, nos mostrando que ele sim, é quem detém o poder sobre a vida e a morte que julgávamos ser nosso. É ai que ele se compraz em nos ensinar, com a didática mais grosseira, cruel e pervertida que poderia haver que, ele tem o domínio sobre nós, e que seu único prazer é conosco brincar, até ele, como uma criança, perder a graça. E assim se segue, dia após dia, homem após homem, vida após vida até o desfecho sempre igual e comum a todas as histórias: a morte!

E assim, depois do desfecho trágico, voltei a minha realidade, e meu amigo voltou a dele... Cada um contemplando sua própria noite interior. Cada um travando sua inútil batalha contra o destino na falsa esperança de uma vida verdadeiramente livre... Isso sem nos darmos conta de que, só estamos cada vez entrando mais fundo no jogo que ele mesmo preparou pra cada um de nós...

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