quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Cidadela Interior

Médicos estudam anos e anos para se especializarem em uma área e assim cuidar do corpo ou da mente do próximo. Mas quantos anos de aprendizado são necessários para aprender a cuidar de um coração ou de uma alma feridos?

Quando caímos, ou ficamos doentes, o contágio pode levar apenas alguns segundos, mais algumas semanas e sentimos os primeiros sintomas, no entanto a recuperação pode levar meses, até mesmo anos, e em alguns casos, o corpo doente nunca mais recupera o vigor que antes tinha. Seja uma doença causada por descuido ou pela velhice inevitável, um problema de saúde é sempre motivo de atenção e de prioridade, já que coloca em risco o bem mais precioso que possuímos, e talvez o único que de fato possuímos: a vida!

Se dedicamos então tanta prioridade à saúde do corpo, tanto mais deveríamos dedicar a do coração e da alma. Tratarei aqui da primeira apenas, pois penso que da saúde da alma, a Santa Missa e em alguns casos uma boa Confissão são o único remédio e nada que eu dissesse aqui poderia mudar isso. 

Nosso coração (no sentido metafórico da palavra, não cardíaco) tem funcionamento semelhante ao do nosso corpo, em todos os aspectos. Merece atenção em determinados momentos e a determinados sinais. Precisa ser bem alimentado com coisas boas e as vezes merece também tratamento, para curar-se dos males que o aflingem e que lhe drenam a vitalidade. 

As doenças do coração afetam também o corpo. A tristeza, a saudade, a carência, todas implicam também no corpo aquilo que nosso interior padece. Acontece assim: o coração, cuja única função é amar, vive saudável, sem mácula alguma e quando se depara com algo que pareça amor, se entrega por completo. Esse falso amor podem ser muitos inimigos disfarçados pelo belo manto do afeto. Pode ser o interesse, a carência, a luxúria, enfim, muitos são os nomes daqueles que podem tomar a forma do amor e enganar o coração. E assim, quando o coração se abre, suas defesas são abaixadas, pois ele não é capaz de amar com suas muralhas erguidas.

Me recordo aqui da Batalha de Tróia, onde o estratagema do cavalo foi usado para presentear o inimigo e quando já estava dentro da cidade, os guardas que dentro do cavalo se escondiam deram cabo dos sentinelas, e desprotegida em sua primeira instância, a cidade foi rapidamente tomada pelo exército inimigo. Essa é a metáfora que melhor exemplifica a tomada do coração. Uma vez dentro de nossa cidade interior, nossas sentinelas são derrotadas e assim, com nossa fortaleza desprotegida, ficamos vulneráveis a toda e qualquer vontade do inimigo que se disfarça de amor. O nível de destruição depende então unicamente de sua vontade cabendo a nós apenas poder reconstruir de alguma forma o que se foi.

No entanto, a essa altura, nossos soldados cairam, nossas mulheres e crianças estão com medo e nossos líderes se foram. Como reconstruir uma cidade que caiu de dentro pra fora? 

Quando uma parte de uma nação é destruida, o resto do país se mobiliza para reconstruir, e não raramente outras nações também se põem a disposição para ajudar, seja através de mantimentos, ajuda financeira ou o bom e velho apoio moral. Quando um povo perde as esperanças nas próprias forças, ai sim, pode-se dizer que um país caiu, pois enquanto há vontade de lutar e sobreviver, um povo não pode ser apagado da existência. Igualmente nosso coração, enquanto ainda houver força de vontade de nossa parte, não seremos vencidos pelos inimigos que se disfarçam e invadem nossa cidadela. 

Cabe a nós então, e somente a nós, decidir se, nos levantaremos e reergueremos a cidade, ou se permitiremos a extinção e admitiremos a derrota para o exército inimigo.

Acontece que as vezes nos encontramos paralisados pelo medo e pela dor. O humano é um animal autocomplacente, sende piedade de si mesmo, e as vezes essa é uma atitude suicida. Pois enquanto perdemos tempo em nossa autocompaixão, o inimigo aproveita para eliminar os poucos soldados que restam à nossa defesa. 

Qual será então nossa decisão? Minha decisão? Levantar e reconstruir, ou permancer caído e ser soterrado pelos fantasmas do passado? 

Creio que permitir ser vencido dessa forma seja então uma péssima maneira de fazer valer todo o esforço que gastei em construir minha cidade. Cidade esta dedicada unicamente ao meu amor. As ruas brilham com o mais belo dos pavimentos, as cores das casas escolhidas harmonicamente, as arvores dando um ar natural. A grande catedral, capaz de elevar a alma a Deus por sua beleza e dignidade e é claro, a grande mansão dos amantes. Construída na parte mais alta da cidade, oferece a mais bela de todas as vistas, tanto durante o dia quanto à noite. Suas paredes são do mais límpido cristal, reflexo do amor puro dos amados, e o piso, do mais belo mármore, fruto da realeza do sentimento verdadeiro. Atrás da mansão, uma escada secreta leva os amantes a um bosque, e lá, longe de tudo e de todos, eles podem aproveitar um ao outro por todo o tempo que quiserem

Ver tudo isso destruído é realmente desolador, e a vontade de partir dali em direção ao desconhecido é tentadora. No entanto, penso que o tempo gasto em sua construção deva ser honrado em sua reconstrução. 

E agora, uma vez decidido a não mais me esconder do inimigo e de expulsá-lo de vez, a reconstrução da minha cidadela interior terá início, desssa vez, maior e mais bela que a anterior, e de torres guarnecida e guardas mais atentos. Uma defesa maior, sim, que dessa vez não permitirá a passagem de inimigos disfarçados, apenas de amores verdadeiros.

Isso significa que cuidar do coração voltou a ser prioridade. Depois de permitir que ele fosse machucado e ferido, é mais do que justo e necessário, é um dever cuidar para que ele se recupere e tenha forças para amar novamente. Pois ora, um coração que não é capaz de amar não tem razão para existir. 

Sendo assim, mãos à obra! O jeito é levantar, sacudir a poeira, retirar os destroços e demolir o que ficou ainda de pé. Nada deve ser reaproveitado, pois uma vez abalada, as estruturas nunca mais terão a mesma resistência de antes. Logo, tudo deve ser reerguido do zero. As amarras que ainda nos prendem aos antigos amores, as mesmas amarras usadas pra nos prender e açoitar, devem ser cortadas e jogadas ao fogo do esquecimeto, 

Dizem que o melhor remédio para um coração ferido é um novo amor. Eu discordo. Discordo por usar uma pessoa para esquecer a outra me soa extremamente cruel e frio, além de profudamente egoísta. Discordo pois devemos amar pelo que a pessoa é, e não obrigar um sentimento a nascer. Discordo pois o amor capaz de curar um coração machucado, é o amor próprio. Esse sim, capaz de se reconstruir e dar ao próximo o que ele merece. Nada de migalhas e nem mixarias, mas amor de verdade, completo, puro e verdadeiro. 

Saibamos então aplicar o remédio certo em nosso coração, reconstruir as cidadelas caídas e o mais importante, cuidar da nossa segurança, pois só assim seremos capazes de voltar a amar verdadeiramente. 

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