terça-feira, 23 de agosto de 2016

Centelha

Hoje choveu, e junto com as gotas de água que caiam desprentensiosamente sob o chão, lavando o solo e levando pra longe as impurezas dos corpos, também as minhas lágrimas caíram, trazendo pra fora de mim os sentimentos que há muito quereriam transbordar em minha alma.

Não estou triste, ao menos não completamente, mas apenas passando por dias chuvosos e outros nublados. Em alguns momentos os dias nublados se demoram tanto que até chego a me esquecer de como é a luz do sol. Talvez eu esteja completamente triste mas não queira aceitar. 

Então, me fechei novamente em meu pequeno refúgio pessoal, e ali, pude ouvir as gotas batendo na janela e me concentrei em minha respiração, e antes que pudesse me conter, percebi que as lágrimas rolavam, fazendo naquela chuva, uma tempestade particular, uma tempestade que até aquele momento se fazia apenas no meu coração, mas que, encorajada pela chuva, deixou-se libertar e transbordar aquilo que há muito vinha se contendo. 

Não me recordo onde exatamente, mas ontem, navegando pelas redes sociais, vi uma imagem dizendo que o amor era na verdade o que nos fazia transbordar. Não necessariamente amor próprio ou aquele amor-doação de que costumo falar, mas simplesmente amor, e em alguns momentos, temos de transbordar em lágrimas de amor, pra que nosso coração consiga se encher novamente. Não foram lágrimas essencialmente tristes então essas que deixei rolar, pois com elas me veio uma doce e singela alegria... como um único violino a cantar alegremente em meio as tristezas da vida. Como se, em meio a toda tempestade, ainda houvesse uma única rosa a sobreviver naquele temporal, e aquela rosa, seria a única responsável por manter a beleza do jardim destruído quando a chuva passasse. Foi apenas, com disse, um pouco do meu amor que transbordou e naquele momento, assim se expressou.

Foi um momento em que tudo se acumulou e de uma única vez se explodiu. Tristeza e ressentimento, confusão, medo, insegurança, saudade. Tudo isso se mesclou ao meu amor e veio para fora. E como uma tempestade, há momentos em que não há como conter-se, apenas esperar que sua fúria passe. Mas depois de toda tempestade, os raios do sol começam a brilhar por entre a nuvens, anunciando o seu retorno. Bom, não posso dizer que já esteja vendo esse sol, apenas ainda uma grossa camada de nuvens escuras que pairam misteriosamente sobre minha cabeça, mas eu sei que, por detrás delas, ainda brilha um sol, ainda há uma centelha de esperança.

Acontece que não consigo ainda aceitar o fato de ser apenas um boneco nas mãos do destino, que insiste em agir como uma criança mimada e me mostrar constantemente que não posso fazer nada que não seja de sua vontade. Sinto como se ele risse de mim que fico como um macaco a rodar sem destino nas palmas da mão de Buda. Como se fosse seu maior prazer me conceder esperança e depois arrancá-la de minhas mãos grosseiramente apenas para que eu perceba o quanto ele tem poder sobre minha vida. Em minha mente então, enquanto ouvia aquela poderosa sinfonia da natureza e enquanto era tomado por um sono profundo, reflexo de minha única forma de imunidade ao sofrimento, corriam pela minha mente como flashes. E cada um dele era como um espinho cravado no meu coração, e o motivo de uma lágrima que caia. Amizades que se foram. Amores que não deram certo, e que ainda doem. Obrigações e compromissos assumidos que me pesam como correntes no calcanhar e me privam da liberdade. Esperanças, anseios. Como já disse, sentimentos demais que foram se somando, se acumulando e quando não deu mais pra conter tudo isso, se romperam como uma barragem que não pode conter tal volume de água a menos que suas comportas sejam abertas. Acontece que eu tenho o péssimo hábito de guardar muita coisa, de represar muita coisa dentro de mim, de deixar todos os problemas, inclusive os do coração, pra resolver depois, e ai, quando eles se acumulam, seu peso é tão grande que me impedem de me mexer resultando nas tentativas débeis de os resolver. Certamente a melhor forma de lidar com isso seria enfrentar cada problema de frente e de uma vez, antes que eles se unissem pra me derrotar. Mas, como todo bom covarde, acho que prefiro fazer isso somente quando eles já me cercaram num beco escuro e minha única alternativa é lutar. 

Mas uma coisa é certa: depois de algo assim, um torpor, uma tranquilidade também toma conta da alma. Como se literalmente as lágrimas lavassem as tristezas. Sei que meus problemas não se resolveram com isso, mas sinto como se tivesse me livrado de um grande peso e agora, pudesse ser capaz de lutar novamente, uma vez livre das correntes que me prendiam ao chão e que agora me permitem voar, quase que livremente pelos céus. A força que me eleva então é a dos sorrisos, os mesmos que eu via enquanto passava pela turbulência e que me faziam sentir dor. Numa estranha combinação então eles fazem com que eu sinta essa incapacidade do destino sobre mim, mas também, por algum motivo, ainda me dão razões para sorrir. 

Talvez seja essa justamente a lembrança dos sorrisos que um dia eu dei com eles e que fazem eu me sentir assim, com essa pequena centelha de esperança que se recusa a apagar-se e a me deixar na escuridão completa. 

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